Em 1987, uma cápsula de césio-137 causou o primeiro acidente radioativo do Brasil

Em 1987, uma cápsula contendo césio-137, material radioativo, aberta num ferro-velho de Goiânia, causou o primeiro acidente nuclear do Brasil. A cápsula, que foi encontrada por catadores num terreno onde era depositado o lixo hospitalar da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, estava numa sala sem porta e sem janelas, em local de fácil acesso.

No dia seguinte, a cápsula foi levada para um ferro-velho, onde foi aberta a golpes de marreta por dois sucateiros. Como era brilhante e bonita, a pedra de césio-137 foi dividida e os pedaços foram dados de presente a amigos e parentes. Apenas dias depois, um dos pedaços foi levado ao Serviço de Vigilância Sanitária de Góias, que descobriu o que era.

Quatro pessoas morreram e centenas ficaram contaminadas. Seiscentas vítimas ficaram com seqüelas para o resto da vida e passaram a receber pensão do governo. Com o acidente, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) enfrentou uma situação de emergência sem precedentes.

Fonte: Globo On


Acidente radioativo com césio 137 – Goiânia

Autoria: Lia Cândida M. Castro
Professora da Universidade Federal de Goiânia

Fonte: Anais de Dermatologia

Histórico do Acidente – Setembro

Acontecimento de 10 a 29 de setembro de 1987.

Tudo teve início nos dias 10 a 13 de setembro, quando um jovem de 21 anos, sem profissão definida, tomou conhecimento de uma peça de chumbo de alto valor financeiro instalada nas antigas dependências do Instituto Goiano de Radioterapia.

Juntamente com um amigo de 20 anos promove a remoção da peça de aproximadamente 200kg, e transporta para uma casa nas imediações, com um carrinho de mão.

Entre os dias 13 e 18 surgem os primeiros sintomas tonteira, náuseas e vômitos, porém acreditavam serem eles provocados por alimentos.

No dia 18 vendem o conjunto chumbo-aço-césio a um ferro-velho. No mesmo dia o proprietário do ferro-velho se encanta com o brilho azul proveniente de dentro da cápsula de aço. Embevecido leva para dentro de casa. Durante os dias 19 a 21 vários vizinhos, amigos, parentes e conhecidos são convidados a ver aquela peça como sendo uma curiosidade. Aumenta o número de pessoas contaminadas e surgem novos casos de “intoxicação”, mas ainda permanecem indiferentes ao fato.

Entre os dias 22 a 25, além de vários episódios pitorescos de contaminação, quando o pó brilhante é usado para presentear, como adereços e até pintura do corpo, parte do material é vendido a outro ferro-velho e a filha menor do proprietário ingere parte do pó que continha em sua mão durante alimentação. Entre os dias 26 a 28 surgem várias pessoas com sintomas da síndrome e os doentes são encaminhados ao Hospital de Doenças Tropicais (HDT) e começa-se então a associar ao pó brilhante.

Os médicos temendo a possibilidade de uma contaminação radioativa providenciam contato com toxicologistas e já então procuram associar a uma peça de aço deixada na vigilância sanitária. Juntamente com técnicos da nuclebrás, médicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEM) chegam à conclusão que há contaminação pelo césio 137. Estes fatos resumidos dos princi­pais acontecimentos, resultaram entre outras providências a criação da Fundação Leide das Neves Ferreira, en­tidade destinada a oferecer à comunidade envolvida direta ou indiretamente ações assistencial, pesquisa e referencial fraturo para toda a humanidade.

Césio

É um metal pesado, radionuclídio utilizado na medicina em forma de pastilhas, em aparelhos de radiote­rapia, e portanto não emana gases. Emite radiações β e γ.

Ingerido ou inalado provoca o dano biológico, reação esta que pode durar horas, até anos.

A radiação emitida pelo césio neste acidente ficou restrita aos locais isolados uma região que ocupa 2.000m2 -; apenas 240m2 foram considerados contaminados. Ao todo são 25 casas e dois depósitos de sucata. Medições nos locais atingidos indi­caram que o césio penetrou cerca de 18cm, abaixo do nível do solo, não causando problemas ao lençol freá­tico.

Atuação médica-assistencial

A acão imediata foi eleger o Estádio Olímpico, localizado no centro da cidade, para monitoramento das vítimas, segundo o esquema de recepção planejado pela Secretaria de Saúde e CNEM. Foram examinadas 112 mil pessoas. Selecionou-se 249 pessoas contaminadas, destas, 30 ficaram em albergues e 20 hospitalizadas e o restante tratadas ambulatorialmente.

Foi estabelecido um protocolo para terapêutica e acompanhamento.

Protocolo

Grupo I

- Indivíduo exposto a ≥ 20 RAD

- Indivíduo com contaminação in­terna ≥ 50 Uci

- Radiolesões

Neste grupo 56 pessoas, entre elas 10 crianças

→ avaliação clínico-laboratorial cada dois meses

Grupo II

- Indivíduo exposição ≤ 20 RAD

- Indivíduo com contaminação interna ≤ 50 Uci

- Sem radiolesões

→ avaliação clínico-laboratorial cada quatro meses

Neste grupo 54 pessoas, entre elas 29 crianças

Grupo III

- Trabalhadores do acidente, parentes, vizinhos sem exposição ou contaminação detectável

→ 300 pessoas

→ avaliação clínico-laboratorial anual.

Terapêutica na crise

A - Descontaminação de vestes, sapatos e objetos pessoais.

1- Banhos com água, sabão e vinagre.

2- Pasta com dióxido de titânio em todo corpo e após, banhos com sabão, permanganato de potássio ou hipocloreto de sódio a 0,5%.

B- Recuperação das radiolesões

1- Soluções analgésicas e antissépticas

2- Debridamento cirúrgico

C - Descorporização do césio

1 - Ferrocianeto fénico - azul da Prússia - 3 a 10g.

2 - Diuréticos

3 - Exercícios físicos forçados

Goiânia x Chernobil: uma comparação

É no mínimo uma falta de conhecimento comparar Goiânia com o acidente de Chernobil, o maior da história.

Naquela região da Rússia, um reator nuclear explodiu liberando, imediatamente, além de resíduos, gases altamente contaminados que se espalharam por quilômetros comprometendo animais, pastagens, lavouras e população.

Em Goiânia, houve um acidente radioativo, provocado pela ignorância e subdesenvolvimento. Catadores de papel viram a possibilidade de ganhar dinheiro com uma máquina estranha abandonada. A extensão do acidente foi controlada.

Comunicação baseada nas publicações da Fundação Leide das Neves Ferreira/SUS - Estado de Goiás. An bras Dermatol, 68(6):358-359, 1993

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