O que os russos querem do Brasil
Eles tentam vender aviões, mas a visita do presidente Dmitri Medvedev também visa colocar nos eixos uma relação comercial conturbada

GUSTAVO GANTOIS - Isto é dinheiro

DMITRI MEDVEDEV: ele pediu um churrasco, mas vem fechando seu país à entrada da carne brasileira

UMA DAS EXIGÊNCIAS que o presidente russo Dmitri Medvedev fez para a sua primeira visita ao Brasil foi um típico churrasco, que será servido na terçafeira 25 no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. A agenda, no entanto, é carregada. Medvedev chega ao Brasil duas semanas depois de a FAB ter excluído o caça Sukhoi-35 do FX2, o programa de reaparelhamento da Força, que deve consumir US$ 2 bilhões. Ele também sofre críticas pela forma como seu país vem conduzindo o comércio bilateral, mas virá assinar três acordos. Há um na área de direitos autorais e outro de escopo militar, nos mesmos moldes do que foi assinado com a França no início do ano. Ele poderá servir como base legal de um processo de treinamento de militares e troca de experiências em manobras bélicas. O terceiro acordo, considerado o mais importante, trata de segurança de informações. O documento serve de arcabouço para negociações envolvendo a compra de armamentos e evita que o Brasil repasse tecnologia a terceiros sem o aval dos russos.

Apesar de o discurso oficial ser de amizade, o relacionamento entre Brasil e Rússia tem sofrido sucessivos revezes nos últimos anos. Pelo lado brasileiro, a maior reclamação é sobre as barreiras que os russos têm imposto sobre nossa carne - a Rússia é o maior cliente de carne bovina brasileira, com 31% do total. Nos últimos meses, as vendas diminuíram, com a criação de cotas. A exportação de carne suína caiu 35% nos últimos 12 meses em relação ao período anterior. "É uma questão de sobrevivência para nós", diz Pedro Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Carne Suína. "Se não conseguirmos cotas exclusivas, como os Estados Unidos e a Europa, seremos prejudicados, porque a Rússia está se tornando protecionista." O apelo é legítimo. Na semana passada, às vésperas da chegada de Medvedev, o ministro russo da Agricultura prometeu reduzir em 200 mil toneladas as importações de carne suína em 2009. A redução no setor de frango será ainda maior e atingirá 300 mil toneladas. Para a economia brasileira, é um baque e tanto. Nos últimos sete anos, as exportações brasileiras para a Rússia cresceram sete vezes, atingindo US$ 3,74 bilhões no ano passado. Apenas as vendas de commodities, como carnes e açúcar, subiram de US$ 67 milhões para US$ 2,2 bilhões. E é por isso que o recuo russo já começa a provocar efeitos. No mês passado, as exportações diminuíram 36% em relação a outubro do ano passado. "São problemas que serão tratados e solucionados na visita do presidente", garante Vladimir Tyurdenev, embaixador da Rússia no Brasil.

JATO SUKHOI: até agora, os caças não foram aceitos pelos técnicos da FAB

Mas se o choro vem de um lado, ele é repetido do outro. Os russos ainda não se conformam de terem sido excluídos do FX2. Oficialmente, a FAB diz que os Sukhoi não atendiam os pré-requisitos necessários ao programa. Mas um comparativo superficial enterra a tese. Os três modelos que foram escolhidos para a disputa final são o Rafale, da francesa Dassault, o F-18 Super Hornet, da americana Boeing, e o Gripen NG, da sueca SAAB. O F-18 é um caça de 4ª geração, enquanto o Rafale está na 4ª geração e meia. O Gripen NG, a bem da verdade, nem sequer existe. O Sukhoi- 35, com maior autonomia que os outros, também é de 4ª geração, mas os russos se dispuseram a incluir o Brasil no projeto que desenvolve o PAK-FA T-50, caça de 5ª geração que substituirá o Sukhoi. A oferta foi negada. "Não quero denegrir a imagem do Sukhoi, mas o projeto não se encaixou nas nossas necessidades", justifica o tenente-brigadeiro Juniti Saito, comandante da Aeronáutica. Os militares brasileiros ainda têm interesse na compra de 12 helicópteros de ataque MI 35 que seriam utilizados na Amazônia no combate ao narcotráfico. Porém, os russos querem aumentar o preço do equipamento, enquanto o governo brasileiro pede um desconto na fatura. Ao fim e ao cabo, além dos três acordos que serão assinados entre os presidentes Lula e Medvedev, há a possibilidade de entendimento nas áreas nuclear e espacial, dentro do sistema Glonass, o equivalente ao GPS dos americanos. Mas, para que toda a intenção dê frutos, será preciso temperar bem a carne do churrasco.