Polícia afegã reúne armas apreendidas que estavam nas mãos de talibãs

Armas enviadas pelos EUA podem cair nas mãos dos Talibãs

Do New York Times - C. J. Chivers - Tradução: Paulo Migliacci ME - Via Terra

Os insurgentes no Afeganistão, combatendo em algumas das regiões mais pobres e de mais difícil acesso no planeta, vem conseguindo há anos manter uma guerra de guerrilha intensiva contra forças materialmente superiores, tanto norte-americanas quanto do governo afegão.

Armas e munição recolhidas dos corpos de insurgentes mortos indicam um possível motivo: entre os 30 pentes de munição para fuzil recolhidos de corpos de insurgentes recentemente, pelo menos 17 continuam cartuchos, ou balas, idênticos a munição fornecida pelos Estados Unidos a forças militares do governo do Afeganistão, de acordo com um exame dos cartuchos conduzido pelo New York Times e com entrevistas realizadas com oficiais e negociantes de armas norte-americanos.

A presença dessa munição nos cadáveres de combatentes do Vale de Qurangal, uma área na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão que costuma ver combates ferozes, sugere fortemente que munições adquiridas pelo Pentágono foram extraviadas das forças armadas afegãs e estão em uso contra soldados norte-americanos.

As dimensões desse extravio continuam desconhecidas, e os 30 pentes recolhidos representam uma única amostra contendo menos de mil cartuchos. Mas oficiais das forças armadas, analistas de armas e negociantes dizem que isso aponta para uma possibilidade preocupante: dados os controles precários que os Estados Unidos e o Afeganistão exercem sobre a montanha de armas e munição despachadas ao pais ao longo do conflito de oito anos, é possível que a má disciplina e a corrupção aberta de algumas das forças do governo venham ajudando a manter os insurgentes supridos.

Os Estados Unidos foram criticados, mais recentemente em fevereiro pelo Serviço de Auditoria do Governo, por não terem registros sobre milhares de fuzis fornecidos às forças afegãs de segurança. Algumas dessas armas foram apreendidas de insurgentes, por exemplo durante combates nos quais nove norte-americanos morreram, no ano passado.

Em resposta, o Comando Combinado de Segurança e Transição do Afeganistão, a organização sob comando norte-americano que tem por tarefa treinar e suprir as forças afegãs, afirmou que havia feito da prestação de contas sobre todas as propriedades da polícia e das forças armadas do Afeganistão uma prioridade, e tomado medidas para localizar e registrar todos os fuzis, mesmo os fornecidos anos atrás. O Pentágono criou um banco de dados de armas portáteis distribuídas a unidades afegãs.

Não existe um sistema de prestação de contas igualmente organizado para a munição, que é mais difícil de rastrear e mais transportável do que as armas, e muda de mãos facilmente devido a corrupção, vendas ilegais, roubo, perdas em campo de batalha e outras formas de desvio.

As forças norte-americanas não examinem todas as armas e munições capturadas a fim de determinar como os insurgentes as obtiveram, ou para determinar se o governo afegão serve como fornecedor de material ao Taleban, direta ou indiretamente, informaram oficiais. Os motivos incluem recursos limitados e a falta de uma memória institucional quanto às armas fornecidas, bem como falta de colaboração entre unidades em campo que recolhem os equipamentos e os investigadores e supervisores em Cabul que poderiam traçar suas origens.

No caso em questão, os pentes de cartuchos para rifles foram capturados em abril por um pelotão da Companhia B, 1° Batalhão do 26° Regimento de Infantaria, que matou 13 insurgentes em uma emboscada noturna no leste do Afeganistão. Os soldados revistaram os corpos dos insurgentes e recolheram 10 fuzis, um lançador de granadas, 30 pentes de munição e outros equipamentos.

O acesso a equipamento do Taleban é incomum, mas depois da emboscada o comando da companhia permitiu que eu examinasse os itens capturados. Tirei fotos dos números de série das armas e das marcas na base dos cartuchos, conhecidas como "estampas", que podem, revelar quando e onde a munição foi fabricada. As estampas foram comparadas a munição em uso entre as forças do governo, e com registros que eu mantenho sobre munição contida em pentes das forças afegãs e encontrada em casamatas localizadas em diversas províncias do país nos últimos anos.

O tipo de munição em questão, 7,62x39 milímetros, coloquialmente conhecida como "7,62 curto", é uma das categorias mais abundantes no mundo para cartuchos de armas portáteis, e conta com dezenas de potenciais fornecedores.

Essa munição é usada nos fuzis Kalashnikov e em suas cópias, e muitos países a produzem ou produziram, entre os quais Rússia, China, Ucrânia, Coréia do Norte, Cuba, Índia, Paquistão, Estados Unidos, os antigos membros do Pacto de Varsóvia e diversos países na África. Em muitos desses países, existe mais de uma fábrica, e cada fábrica emprega uma estampa diferente.

O exame dos cartuchos mostrou sinais reveladores de desvio: 17 deles continham cartuchos com as estampas "WOLF" ou "bxn". A marca WOLF se refere à Wolf Performance Ammunition, uma empresa da Califórnia que vende esses cartuchos de padrão russo a proprietários de armas norte-americanos, e também os forneceu a soldados e policiais afegãos. A marca bxn se refere a uma fábrica tcheca da era da guerra fria. Desde 2004, o governo tcheco vem doando excedentes de munição ao Afeganistão.

Dado o número de potenciais fontes, a probabilidade de que o Taleban e o Pentágono estivessem usando os mesmos fornecedores por coincidência é muito baixa.