''EUA não terão bases na Colômbia''

Vice-ministro da Defesa diz que a Colômbia seguirá controlando suas instalações e soberania de vizinhos será respeitada

Lourival SantAnna - ESTADÃO

Não haverá bases americanas na Colômbia. Os colombianos seguirão controlando suas instalações militares, e a cooperação com os EUA será regida pelo princípio de não-intervenção em terceiros países. As bases não abrigarão aviões armados, a menos que haja exercícios conjuntos. As garantias são do vice-ministro da Defesa da Colômbia, Sergio Jaramillo.

"O que temos de deixar para trás no continente é o antiamericanismo automático, a meu juízo uma amostra de imaturidade", critica Jaramillo, de 42 anos, ex-diretor da Fundação Ideias para a Paz. "A Colômbia tem enorme dívida com os Estados Unidos, que ficaram do nosso lado para evitar que o narcotráfico e o terrorismo acabassem com a democracia colombiana." Jaramillo concedeu entrevista exclusiva ao Estado, por e-mail.

Que bases serão incluídas no acordo, e que uso os americanos farão delas?

Tivemos um grave problema de comunicação, sem dúvida por falta de habilidade nossa: não haverá bases americanas na Colômbia, de nenhum tipo. Nada a ver com o que ocorre na Espanha ou no Japão. Daremos aos americanos maior acesso do que já têm, dependendo das atividades que desenvolveremos conjuntamente nos termos do acordo de cooperação. Consideramos sete bases. Não haverá, de imediato, maior presença americana do que já há. Por enquanto, designaremos áreas na base de Palanquero, a principal da Força Aérea da Colômbia (FAC), e provavelmente haverá atividades de apoio nas bases de Apiay e Malambo, também da FAC. Mas quero insistir que seguirão sendo colombianos o comando, controle, regulamento, supervisão e segurança física das bases. Todas as atividades terão de ter autorização da Colômbia, e quem as realizar terá de passar por controles migratórios colombianos. Como se diz: se caminha como pato, nada como pato e faz "quac" como pato, é pato. São e serão bases colombianas.

Quantos americanos - militares e civis - serão mobilizados nessas bases?

Não temos uma cifra exata. Depende das atividades estipuladas no acordo. Em nenhum caso o número poderá ser maior que a capacidade que determinarmos, ou exceder o teto de 800, imposto pelo Congresso americano. No momento, há menos de 400 pessoas, das quais menos de 100 permanentes e o restante temporários.

Haverá aviões de vigilância Awacs escoltados por caças F-15 e F-16?

Não haverá aviões armados nas bases, a menos que decidamos fazer exercícios conjuntos com os EUA e com outros países. Pelo que sei, o patrulhamento do Pacífico tem sido feito mais com P-3 (avião de patrulha marítima) que com Awacs. O importante não são as aeronaves, mas a informação que colhem. Com ela, nossa Marinha faz suas operações de interdição, que são muito bem-sucedidas e críticas para a estabilidade regional. Vários países da América Central estão cambaleando por conta da violência e da corrupção do narcotráfico, e o México passa por sua pior crise de segurança. Temos de seguir operando, não podemos perder essas capacidades depois da saída dos americanos do Equador (base de Manta, cujo convênio não foi renovado).

As operações serão concentradas no narcotráfico ou na guerrilha?

Em ambos. A cooperação militar que temos recebido dos americanos para combater guerrilheiros, paramilitares e outros bandos criminosos é bem conhecida. Mas quem executa as operações contra esses grupos somos e seremos obviamente nós, como nos obriga a Constituição.

Que garantias terão os países vizinhos de que não haverá coleta de informação em seus territórios, sobretudo na Amazônia?

A soberania e a não-intervenção, assim como nossas obrigações internacionais em matéria de narcotráfico, são princípios que regem o acordo. Jamais autorizaríamos voos sobre um terceiro país. Não esqueça que a Colômbia é ao mesmo tempo um país caribenho, pacífico, andino e amazônico. Protegeremos do narcotráfico nossos mares e espaço aéreo em aliança com os americanos. Agora temos de avançar com o Brasil na proteção da nossa Amazônia.

Como estão as relações com o Brasil no campo da defesa?

Sempre foram boas e estão cada vez melhores. Temos o maior respeito pelo ministro (da Defesa, Nelson) Jobim, que amavelmente nos apresentou em Brasília sua nova Estratégia de Defesa. Há muitos pontos de concordância estratégica com a Colômbia, especialmente na preservação da Amazônia e em assegurar capacidades de resposta rápida. Também no desenvolvimento da indústria militar, em que o Brasil está noutro nível, mas também podemos contribuir. Além disso, compartilhamos a mesma visão do desenvolvimento da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) em matéria de defesa, e temos capacidades complementares. O Brasil é um país de primeira ordem, e a Colômbia tem-se convertido em potência média. Podemos aprender muito com vocês, e talvez vocês também conosco: em interdição, operações fluviais, forças especiais, consolidação do território. O que temos de deixar para trás no continente é o antiamericanismo automático, a meu juízo uma amostra de imaturidade. A Colômbia tem enorme dívida com os EUA, que ficaram do nosso lado para evitar que o narcotráfico e o terrorismo acabassem com a democracia colombiana. Hoje somos outro país, que com o Brasil, Chile e outros mais é chamado a mostrar que a América do Sul pode contribuir com a segurança internacional.

Azedam as relações entre Equador e Colômbia
FARC e luta contra o terrorismo na raiz dos problemas
ÁREA MILITAR

O ministro das relações exteriores do Equador afirmou na passada Terça-feira que as relações entre o seu país e a Colômbia não seriam retomadas até que o governo colombiano deixe de tentar envolver o governo do Equador com as guerrilhas das FARC, uma organização ligada ao narco-terrorismo, com ligações aos regimes revolucionários de esquerda da América Latina.

As relações entre os dois países foram congeladas quando forças da Colômbia atacaram uma base das FARC em território do Equador em 2008, durante a qual foram mortos vários elementos daquela organização.

A irritação do governo do Equador, também está relacionada com as alegações de financiamento por parte das FARC à candidatura do actual presidente Rafael Correa.
Alegadamente, gravações e documentos encontrados a traficantes capturados, terão confirmado que as FARC consideram alguns dos regimes sul-americanos como «amigos».

Há alguns dias atrás a tensão entre os dois países aumentou, com o dirigente equatoriano a acusar a Colômbia de inventar pretextos para operações adicionais contra o seu país, avisando na altura que novas operações contra o Equador encontrariam resposta à altura.

O reactivar de tensões no continente, ocorre quando após terem sido mandados sair do Equador, os norte-americanos negociaram com o governo de Bogotá a transferência das bases que utilizavam para combate ao tráfico de drogas do Equador para a Colômbia.
Como a Colômbia se situa mais a norte e tem acesso tanto à costa do Oceano Pacífico como às Caraíbas, o numero de pontos que os norte-americanos vão utilizar como base será maior.
A tropas norte-americanas utilizavam as bases no Equador, para a luta contra o tráfico desde os anos 80.

As declarações de cada um dos lados têm sido ríspidas e não é possível prever pelo menos para já uma melhora. A possibilidade de conflito, no caso de algum incidente ocorrer não deixa de existir, ainda que a forte oposição dos países limítrofes leve a que a Colômbia dificilmente volte a efectuar operações em território do Equador, excepto em condições absolutamente excepcionais.

O equilíbrio entre Colômbia e Equador
Militarmente o Equador negociou recentemente com o Chile a aquisição de um lote de carros de combate Leopard-1 que no Chile foram substituídos pelos Leopard-2A4 e existem indícios de que terá sido negociada a venda de aeronaves Mirage «Pantera», uma versão do Mirage adaptada no Chile para a função de caça-bombardeiro.

Embora tenha o auxilio norte-americano para a luta contra o narco-terrorismo, o exército colombiano não é uma força especialmente preparada para conflitos convencionais.
O seu veículo de combate mais poderoso é o Cascavel, um blindado 6x6 fabricado no Brasil do qual estão oficialmente ao serviço cerca de 120 unidades. Existem viaturas M-113 sobre lagartas e uma quantidade considerável (cerca de 80 exemplares) do veículo de transporte sobre rodas russo BTR-80 (8x8) e do brasileiro Urutu (6x6).

A força aérea colombiana pode contar com uma dezena de caças Mirage/Kfir C-7 para controlo do espaço aéreo, a que se juntam, outros 10 a 13 Mirage-V para operações de ataque. A principal força dos meios aéreos colombianos está no elevado numero de helicópteros.
A marinha do país, também conta apenas com quatro pequenas fragatas da classe Almirante Padilha, navios relativamente pequenos.

As operações levadas a cabo pelos colombianos contra território do Equador, caracterizaram-se por serem operações de combate ao terrorismo, utilizando os meios que a Colômbia dispõe para esse tipo de missões, e que são os mais eficientes da região.

O Equador conta com números menores em termos de meios terrestres, mas as suas forças estão equipados com material mais pesado. O Equador conta com uma unidade blindada, cujos carros de combate T-55 estão em fase de substituição pelos Leopard-1 que foram vendidos pelo Chile. O Equador tem cerca de duas dúzias de tanques ligeiros AMX-13 a que se juntam cerca de 80 viaturas de transporte de tropas AMX-VCI.

No ar, as diferenças entre as duas forças são menores e quase se equivalem. A Força Aérea conta com 13 Mirage-F1 para controlo do espaço aéreo a que se juntam 13 Mirage/Kfir-C2, estes últimos relativamente inferiores aos seus congéneres colombianos.

Para se defenderem das forças aéreas um do outro, os colombianos contam com 3 sistemas Skyguard, com mísseis Sparrow utilizados para defender as instalações da força aérea, além de artilharia anti-aérea.

Por seu lado, o Equador dispõe de 7 sistemas Chaparral, cuja operacionalidade é desconhecida e alguns SA-8 «Gecko» além de mísseis Blowpipe e SA-18 «Grouse»

Em termos navais a marinha do Equador conta com duas fragatas da classe Leander, relativamente ultrapassadas e que não possuem canhões, apenas mísseis anti-navio a que se somam duas corvetas da classe Esmeralda. Os Colombianos possuem quatro fragatas e vários outros navios menores, mas a Colômbia possui «dois mares», e não pode efectuar operações em que as suas forças nas Caraíbas apoiem as suas forças no Pacífico e vice versa.
Cada um dos países possui dois submarinos do tipo U209, com alguma vantagem para os dois exemplares do Equador.

Em termos de meios militares que podem ser utilizados de imediato, os dois países possuem uma força equivalente.
No entanto, há dois factores que se consideram no equilíbrio de forças na região.

A Colômbia conta com o apoio dos Estados Unidos, embora em termos de conflito convencional isso não queira necessariamente dizer alguma coisa. Conta também com uma população e uma força armada que em termos numéricos é muito superior. O apoio dos Estados Unidos nomeadamente no fornecimento de munições pode ser determinante ainda mais que falamos numa região do globo, onde já acabaram os conflitos por falta de armas (caso da guerra do Cenepa, em que estiveram envolvidos Equador e Peru).

Do outro lado está o inevitável e quase certo apoio da Venezuela de Hugo Chavez. O líder sempre imprevisível de Caracas pode de um momento para o outro decidir utilizar alguns dos meios que tem à disposição para tentar fazer pender a situação em favor do Equador. A facilidade com que Chavez ameaça a Colômbia com a guerra pode ser considerada resultado da disposição e dos humores do dirigente venezuelano, ou pode por outro lado apenas demonstrar nos momentos mais quentes, o que realmente se passa na cabeça de Chavez.


Com presença na Colômbia, EUA visam rotas do petróleo

ANÁLISE

LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA DE SÃO PAULO

LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA é cientista político, professor titular (aposentado) da Universidade de Brasília e autor de várias obras, entre as quais "Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque)".

Aumento da presença militar no país aliado segue roteiro gestado há pelo menos cinco anos, ainda sob Bush; estratégia altera cenário de segurança na Amazônia

O projeto de instalar e ampliar as instalações militares dos EUA no território da Colômbia foi elaborado durante o governo do presidente George W. Bush, diante da perspectiva de fechamento da Forward Operating Location (FOL), isto é, da base militar instalada em Manta, no Equador, previsto para 2009.

Desde que o presidente Rafael Correa anunciou que não renovaria o acordo com os EUA, o Comando Sul das Forças Armadas americanas passou a excogitar a transferência da FOL, instalada em Manta, para a base aérea de Palanquero, em Puerto Salgar, cerca de 190 km ao norte de Bogotá.

Essa base aérea pode albergar mais de 2.000 homens e possui uma série de radares, além de cassinos, restaurantes, supermercados, hospital e teatro. E a pista do aeroporto, a mais longa da Colômbia, tem 3.500 metros de longitude, 600 metros maior que a de Manta, e permite a partida simultânea de até três aviões.

Os EUA terão assim um ponto de apoio, no centro da Colômbia, ainda melhor que o de Manta, com o Forward Operating Location, com a instalação de três bases militares nas localidades de Malambo, na costa do Caribe, Palanquero, próxima a Bogotá, e de Apiay, na Amazônia, na região fronteiriça com o Brasil e conhecida como Cabeça de Cachorro.




Novo componente

Em 2004, com a Iniciativa Andina Antidrogas, Bush já havia expandido o Plano Colômbia como um dos aspectos da estratégia dos EUA para assegurar sua presença militar na América do Sul e, em particular, na Amazônia. E o Congresso americano aprovou a duplicação do número de soldados estacionados na Colômbia, que subiu de 400 para 800; o de mercenários (ex-militares) empregados pelas companhias militares, mediante as quais o Pentágono terceiriza as funções militares, aumentou de 400 para 600.

Esses militares e mercenários americanos adestram e apoiam os cerca de 17 mil soldados que executaram o Plano Patriota, ampla ofensiva de contrainsurgência nas selvas no sul da Colômbia. Com razão, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, em sua obra "Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes", apontou "a crescente presença de assessores militares americanos e a venda de equipamentos sofisticados às Forças Armadas colombianas, pretensamente para apoiar os programas de erradicação das drogas, mas que podem ser, fácil e eventualmente, utilizados no combate às Farc e ao ELN", como um componente relativamente novo na questão de segurança da Amazônia.

Embora o governo dos EUA apresente o combate ao narcotráfico e ao terrorismo para justificar a concessão anual de US$ 700 milhões à Colômbia, a maior parte como assistência militar, um dos seus principais objetivos é proteger os oleodutos, sobretudo o de Caño Limón, já explodido cerca de 79 vezes, a fim de assegurar os suprimentos futuros de petróleo e inspirar confiança aos investidores estrangeiros.

É nessa região, a do oleoduto de Caño Limón, operado pela Occidental Petroleum e pela Royal Dutch/Shell, em Arauca, onde se concentra a maior parte dos assessores militares dos EUA e ocorrem as maiores violações de direitos humanos.

Militarização

Em 2009, a ajuda militar concedida à Colômbia, desde 2004, deve alcançar os US$ 3,3 bilhões. E assim, com os recursos dos EUA, o Exército da Colômbia se tornou o maior e o mais bem equipado, relativamente, da América do Sul. Com população de 44 milhões de habitantes, a Colômbia possui um contingente militar de cerca de 208,6 mil efetivos, enquanto o Brasil, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados e mais de 190 milhões de habitantes, tem um contingente de somente 287.870, e a Argentina, com 40 milhões de habitantes e um território de 2,7 milhões de quilômetros quadrados, tem um efetivo de apenas 71.655.

A Colômbia, com um PIB de US$ 320,4 bilhões (2007 est.), de acordo com a paridade do poder de compra, destina 3,8% aos gastos militares, enquanto o Brasil, cujo PIB é de US$ 1,838 trilhões (2007 est.), gasta apenas 1,5%, e a Argentina, com um PIB de US$ 523,7 bilhões (2007 est.), gasta apenas 1,1%.

Em 2005, o Congresso estipulou para a região uma ajuda econômica de US$ 9,2 milhões e cerca de US$ 859,6 milhões para assistência militar. Entretanto, desde o lançamento do Plano Colômbia, no ano 2000, o Exército colombiano recebeu US$ 4,35 bilhões para combater as guerrilhas, e os soldados e policiais cometeram crescente número de assassinatos e abusos de direitos humanos -durante um período de cinco anos, que terminou em junho de 2006, o número de execuções extrajudiciais aumentou em mais de 50% em relação ao período anterior.