Parceria entre FAB e USAF pesquisa tecnologia que pode revolucionar lançamentos espaciais.

Laboratório de Aerotermodinâmica e Hipersônica do IEAv. Foto: FAB

Laboratório de Aerotermodinâmica e Hipersônica do IEAv. Foto: FAB

Fonte: FAB - Via Defesa Brasil

A corrida espacial que possibilitou a chegada do homem à lua, em 1969, foi um dos acontecimentos mais empolgantes do século XX. Ainda que o momento fosse marcado pela Guerra Fria e o medo de um conflito direto entre a União Soviética e os Estados Unidos, a população mundial acompanhou a exploração do espaço como uma saga épica. Hoje, em São José dos Campos (SP), a saga tem continuidade.

No projeto desenvolvido em parceria com o Laboratório da Força Aérea Americana (Air Force Research Laboratory), o Comandante Marco Antônio Sala Minucci [Coronel Engenheiro, diretor], do Instituto de Estudos Avançados do Comando Geral de Tecnologia Aeroespacial (IEAv - CTA), coordena a pesquisa de propulsão a laser. Se o desafio, na década de 50, era mandar o homem para o espaço, hoje, é fazê-lo com maior custo benefício e sem agredir o meio ambiente.

A ideia parece saída de um filme de ficção-científica: aeronaves e foguetes se deslocando no espaço através de um feixe de luz de alta energia. Na prática, vai funcionar do seguinte modo: uma base terrestre projeta a radiação laser na traseira do veículo – que, por sua vez, recebe, da parte dianteira, ar aquecido. Ao entrar em contato com o laser, as moléculas do ar aquecido explodem, empurrando o veículo para frente. Nada de galões de combustível – a fonte de energia é o próprio ar e a eletromagnética.

De acordo com Minucci, atualmente, o peso da carga útil das naves (como satélites a serem colocados em órbita) só pode chegar a 5% da capacidade do foguete. Isso acontece porque o veículo precisa transportar, também, o combustível e o oxidante necessários para o voo. Com a nova tecnologia, estima-se que a nave poderá destinar 50% da sua capacidade ao transporte de carga. “Essa é a grande vantagem. Enquanto o veículo estiver se movimentando na atmosfera, a energia virá da terra. Operações aeroespaciais serão otimizadas”, diz o comandante.

Abolir o uso dos combustíveis fósseis não vai só ajudar a combater o aquecimento global. A viagem será barateada em 100 vezes e vai tornar o espaço mais acessível. Colocar satélites de até 50kg em órbita, por exemplo, passa a ser mais viável. “É um adeus à poluição, ao risco de explosão e a toda aquela parafernália que existe no lançamento de um foguete convencional”, completa Minucci.

Experimentos

Para realizar os ensaios, o Laboratório de Aerotermodinâmica e Hipersônica Prof. Henry T. Nagamatsu, do IEAv, conta com o túnel de vento hipersônico T3. Ele simula as condições de voo a serem encontradas pelo veículo na atmosfera – condições essas que permitem um deslocamento seis vezes mais rápido do que a velocidade do som. O túnel é o único da América do Sul e foi construído em solo brasileiro. Por enquanto, os cientistas realizam experiências com o modelo do veículo parado, e se concentram na focalização do laser na traseira da máquina.

De acordo com o comandante, os testes no túnel devem durar, pelo menos, mais cinco anos. Depois, será desenvolvido um protótipo para testes e ensaios de voo. Conferir um lançamento propriamente dito só será possível entre 2020 e 2025. Com seres humanos a bordo, somente quando se tiver certeza de que a tecnologia é realmente segura.

Parceria

Simultaneamente, outros experimentos são realizados nos Estados Unidos, no Rensselaer Polytechnic Institute (RPI), em Troy, Nova Iorque. A universidade é a mais antiga dos Estados Unidos no campo das pesquisas tecnológicas.

Quem está à frente do programa é o professor Leik Myrabo, o primeiro, no mundo, a fazer voar um veículo utilizando a propulsão a laser. Em 1997, durante experiência em um deserto da Califórnia, Myrabo fez um objeto de 60g subir aproximadamente 100m. Formado em Engenharia Aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Minucci fazia o pósdoutorado na RPI, em 1997, quando soube do experimento de Myrabo. Vendo que o conceito era viável, convocou o amigo Paulo Toro e, em 1999, se concentraram nos estudos sobre propulsão a laser no IEAv. “Já tínhamos todos os componentes necessários para fazer ensaios no Instituto, como o túnel de vento hipersônico, o laser e uma divisão voltada para esta área”, lembra Minucci. Em 2000, após uma série de experiências bem sucedidas, a dupla foi contatada pelo laboratório da Força Aérea Americana, que propôs um programa de colaboração, chamado “International Beamed Propulsion Research Collaboration”.

A partir de 2007, a aquisição de lasers de alta potência (fornecidos pelo laboratório americano) e a aprovação do projeto pela FINEP permitiram um avanço nas pesquisas. Em 2008, os cientistas conseguiram guiar um feixe de laser com segurança para o interior do túnel T3 e focá-lo em um objeto, que foi destruído. A potência do laser era de, aproximadamente, 1 gigawatt – o equivalente a 10 milhões de lâmpadas incandescentes. Hoje, são oito pessoas trabalhando no programa do IEAv. Além de trocar e-mails e telefonemas, a equipe recebe visitas periódicas dos pesquisadores americanos.

Origem

A ideia de se usar laser em operações espaciais surgiu nos Estados Unidos, em 1983, durante a Guerra Fria. Em 27 de março, o então presidente Ronald Reagan lançou o Programa de Defesa Estratégica no Espaço (Strategy Defense Initiative), conhecido popularmente como “Programa Guerra nas Estrelas”. Como no filme de George Lucas, de 1977, os EUA tinham como objetivo travar uma batalha contra o inimigo no espaço sideral, com lasers em punho, como cavaleiros jedis. Seria instalado um cinturão de canhões em volta do globo terrestre, capaz de detectar e destruir mísseis inimigos antes que eles atingissem seu alvo.

Na prática, o programa bilionário não fez grandes avanços, mas continua recebendo verbas do governo – e, consequentemente, críticas de organizações humanitárias como o Greenpeace. Mas Minucci ressalta um ponto positivo do programa: as pesquisas ajudaram a viabilizar a tecnologia de propulsão a laser. “As técnicas em ótica, que seriam usadas para focalizar o feixe do laser no alvo a ser destruído, foram aproveitadas por nós”, revela.


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