Brasil quer autosuficiência na produção de urânio até 2014


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A mina de Caetité, no interior da Bahia, quebrou o recorde de extração de urânio em setembro. Foram 51 toneladas produzidas, cinco a mais que a antiga marca atingida em maio último. A expectativa é a de que até dezembro a produção anual também seja superada. Faltam cerca 46 toneladas para chegar à marca de 400 toneladas extraídas em 2008.

Segundo o presidente do Conselho Nacional de Energia Nuclear (Cnen/MCT), Odair Gonçalves, o Programa Nuclear Brasileiro (PNB) avança em um ótimo ritmo. “Estamos investindo muito na exploração do urânio e também em tecnologias para que o Brasil se torne auto-suficiente em produção e enriquecimento até 2014”.

Hoje, duas etapas do ciclo do combustível nuclear ainda não são feitas em território nacional. O minério extraído é enviado ao Canadá, onde é convertido para o estado gasoso, depois segue para a Europa para ser enriquecido e retornar ao Brasil. (Entenda o processo de fabricação do combustível nuclear *) Apesar de ser desenvolvido por mão-de-obra estrangeira, o Brasil detém a tecnologia para o ciclo do combustível nuclear, mas faltam equipamentos para atender a demanda industrial. “É um processo que sabemos e podemos executar, mas ainda não é rentável ao País”, explica Gonçalves.

A Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), em Resende (RJ), conta com dois conjuntos de centrífugas, conhecidos como cascatas, para enriquecer o urânio. A terceira cascata deve entrar em funcionamento em final de janeiro de 2010. Todas as cascatas de enriquecimento foram construídas pela Marinha do Brasil. *Os minérios que contêm o urânio são extraídos em Caetité, sudoeste da Bahia. Depois de passar por um processo de purificação, o urânio é separado do minério e concentrado sob a forma de um sal amarelo, conhecido como yellowcake. Depois desta primeira fase, duas etapas são realizadas fora do Brasil.

A primeira é no Canadá, o yellowcake é dissolvido e mais uma vez purificado, obtendo-se o urânio nuclear puro que será convertido para o estado gasoso (hexafluoreto de urânio). A segunda fase é feita em países da Europa, o urânio em gás é enriquecido e enviado em containeres à FCN. Já em solo nacional, o urânio enriquecido é reconvertido para a forma sólida e depois transformado em pequenas pastilhas. Com pouco menos de um centímetro de comprimento e de diâmetro, as pastilhas são colocadas em um conjunto de 235 tubos metálicos (varetas), formando o elemento combustível. Para ter idéia da capacidade desse combustível, duas pastilhas geram energia para manter funcionando por um mês uma residência média onde moram quatro pessoas.

O conjunto de varetas gera energia para 42 mil residências do mesmo porte. As varetas são enviadas às usinas Angra 1 e 2, em Angra dos Reis (RJ), que funcionam como centrais termoelétricas. O elemento combustível é aquecido, o calor liberado pelas pastilhas ferve a água de uma caldeira transformando-a em vapor que movimenta uma turbina. O movimento das hélices dá partida a um gerador que produz a eletricidade. Reservas de Urânio A extração anual de urânio ainda não alcança escala industrial. O volume produzido na mina de Caetité é suficiente para atender a demanda de Angra 1 e 2. O Programa Nuclear Brasileiro propõe que até 2030 de quatro a oito usinas nucleares, além de Angra 1, 2, e 3, sejam construídas.

Segundo o gerente da Indústrias Nucleares do Brasil (INB) no nordeste, Hilton Mantovanni, a mina de Caetité, a única que extrai urânio na América Latina, tem capacidade para ser explorada por pelo menos 30 anos. Para atender a demanda das novas usinas do PNB, Caetité poderá extrair 1,2 mil toneladas de urânio a partir de 2017. “A mina tem um potencial muito grande. A cada dia encontramos novas anomalias que podem ser exploradas”, diz. Mesmo com a garantia de mais três décadas de produção, outra mina está em preparação em Santa Quitéria , no Ceará. Como se trata de uma jazida com predominância de fosfato, mineral que não faz parte do monopólio da União, a INB fez uma parceria com a empresa Galvani.

Ela será responsável por explorar o local. A empresa fica com o fosfato e repassa o urânio a INB. A expectativa é a de que a extração comece em janeiro de 2012. Nos primeiros anos, a produção anual da nova jazida vai girar em torno de 1,1 toneladas. Em 2017, esse número deve subir para 1,6 mil toneladas por ano. Com isso, a produção nacional de urânio pode aumentar 600% em oito anos. Novas usinas do PNB As novas usinas nucleares ainda não têm local definido para serem construídas, exceto Angra 3, que ficará no Rio de Janeiro.

O presidente do Cnen adianta que pelo menos uma usina será construída no Nordeste. “É preciso ter uma alternativa energética na região. Quando houve o apagão elétrico o Sudeste foi muito beneficiado. Angra 1 e 2 foram acionadas e ajudaram a suprir a demanda.”, explica Gonçalves. Juntas, Angra 1 e 2 geram cerca de dois mil megawatts de energia elétrica, quase metade do consumo do estado de Rio de Janeiro. “É muito melhor para o meio ambiente e mais barato usar a energia nuclear do que gás ou carvão. Em 2008, por exemplo, a segunda energia mais fornecida no Brasil foi a nuclear”, lembrou.

O presidente da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), Alfredo Trajan Filho, estima que Angra 3 entre em operação em 2015. “A partir de 2019 a primeira usina do Programa Nuclear Brasileiro deve ser ativada, em 2022 a segunda, três anos depois a terceira usina e em 2027 a quarta usina. Se houver necessidade este período pode diminuir”, analisa Trajan. Segundo ele, o Brasil tem capacidade para atender toda a demanda de urânio do PNB, inclusive com sobra. O excedente pode ser exportado, mas a decisão política, a princípio, é não vender as reservas. Rejeito nuclear Com o aumento da produção e enriquecimento de urânio pelo PNB o volume de rejeito nuclear também deve aumentar.

O Brasil projeta um grande depósito para armazenar esse lixo nuclear. “Estima-se que o repositório definitivo construído pela Cnen armazene 60 mil m³ de rejeitos até 2060, uma quantidade muito pequena para um prazo muito grande”, diz o diretor do Centro Regional de Ciências Nucleares (CRCN/MCT), em Recife (PE), Ricardo Lima. O depósito definitivo está na fase de definição de conceitos e deve começar a receber os materiais nucleares até 2016. O local onde será construído ainda não foi definido. Segundo Lima, a escolha será técnica. “Muitos municípios já se ofereceram para receber o depósito, isso porque será pago royalts à cidade que receber a instalação. Mas, a escolha será técnica. Temos que avaliar as condições de cada município”, explica. Enquanto o depósito não entra em operação, o lixo nuclear produzido por Angra 1 e 2 é estocado em depósitos da Central Nuclear de Angra dos Reis.

Todo rejeito nuclear produzido no Brasil tem “DNA, endereço e telefone”. Sabemos onde estão estocados e quanto tempo deve permanecer lá. É tudo muito seguro”, garante Lima. Existem três tipos de lixo nuclear. O lixo de baixa atividade é gerado na mineração e na fabricação do combustível – inclui papéis, panos, ferramentas, roupas, filtros e outros objetos que contêm pequenas quantidades de radioatividade. O lixo de média atividade inclui resinas, revestimento de metal do reator e outros materiais que contêm irradiação que levam um período um pouco maior para se descontaminar. Esses dois tipos representam 95% do rejeito nuclear que depois de um determinado período pode ser reaproveitado. O lixo nuclear de alta atividade produzido no Brasil é o elemento combustível usado. Ele contém cerca de 1/3 do urânio que sofreu a fissão nas usinas.

O rejeito nuclear de alta atividade também pode ser reaproveitado, mas ainda não é rentável. “Para reaproveitar este material é preciso ter demanda para isso. Hoje, produzimos este tipo de lixo nuclear em baixa escala por isso nem pensamos em reprocessar. Quando as outras usinas estiverem prontas vamos pensar nisso. Mas a decisão será do governo Federal”, diz o presidente da INB, Trajan Filho. Proteção ambiental Em Caetité, diversos programas ambientais e sociais estão em andamento para diminuir os impactos da extração. Há uma série de ações como a manutenção de um horto florestal com viveiro de mudas nativas e medicinais e reflorestamento. Uma área de 800 hectares está em fase de recomposição – a previsão é a de que sejam plantadas cinco milhões de mudas nativas da região. Além disso, os alunos de escolas da região participam de programas de educação ambiental, apoio a reciclagem e aproveitamento de materiais alternativos.