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Ali Químico é executado após ser condenado a quatro penas capitais

Rodrigo Craveiro - Correio Brasiliense

Enquanto o curdo Adnan Kochar, 29 anos, falava ao Correio por telefone, de Halabja (extremo leste do Iraque), parte dos 105 mil moradores tomavam as ruas da cidade para celebrar uma morte, por volta das 21h (16h em Brasília). A 260km na direção nordeste dali, Bagdá havia anunciado — cerca de cinco horas antes — a execução de Ali Hassan Al-Majid. Apelidado de Ali Químico, ele recebeu quatro sentenças de morte por crimes cometidos durante a ditadura do primo Saddam Hussein. Agente de ligação militar até o golpe de Estado que levou o Partido Baath ao poder em 1968, Al-Majid sufocou a todo e qualquer custo as tentativas de rebelião contra o regime iraquiano.

Ao contrário do ex-presidente iraquiano, Al-Majid não teria sido ofendido antes de o cadafalso se abrir e seu corpo cair no vazio. “Todos respeitaram as instruções do governo, e o condenado não foi submetido a qualquer infração, a palavras de ordem, palavras de abuso ou insultos”, declarou Ali Al-Dabbagh, porta-voz do governo do Iraque. “Cumprimento as famílias das vítimas dos crimes cometidos por Al-Majid. Vocês têm que ser otimistas no futuro porque a Justiça de Alá está sendo cumprida”, acrescentou.

Diretor do Halabja Centre, sediado em Londres, Adnan esteve frente a frente com Ali Químico no último dia 17, em Bagdá. Ele e mais 36 curdos, incluindo o ministro da Saúde do Curdistão, viajaram à capital iraquiana para acompanhar a última sessão do julgamento. “Eu olhei bem nos olhos dele, vi que estavam cheios de veneno, e descobri como perigoso ele era. Ele se parecia com Adolf Hitler”, lembra. Adnan e os moradores de Halabja experimentavam na noite de ontem sensações conflitantes. “Nós estamos muito felizes com a pena de morte, mas nos sentimos desapontados, porque a alta corte não reconheceu os crimes contra os curdos, ocorridos nesta cidade, como um genocídio”, explicou. “Em 1988, perdemos cinco mil mulheres e crianças em um ataque químico ordenado por ele”, acrescentou.

Adnan contou à reportagem que o pai e a irmã de 18 anos foram executados durante a chamada Operação Anfal, em 1º de abril de 1988. A sistemática perseguição aos curdos também foi orquestrada por Al-Majid. “As armas químicas não foram usadas apenas em Halabja. O Exército iraquiano empregou-as contra pequenos vilarejos do Curdistão e nossos registros atestam que o número de vítimas chega a 17 mil pessoas”, comentou o ativista de direitos humanos.

Assassinato

A execução de Al-Majid foi considerada um “assassinato a sangue frio” pelo jordaniano Issam Al-Ghazzawi, membro do comitê de advogados que defenderam Saddam Hussein. Em entrevista ao Correio, pela internet, ele assegurou que Ali Químico era inocente de todas as acusações. “O Exército iraniano bombardeou Halabja com armas químicas”, garantiu, antes de afirmar que o gás venenoso usado no ataque à cidade não constava nos arsenais do Iraque e dos Estados Unidos. “O processo contra Al-Majid foi ilegal, sob qualquer lei que esteja sob o sol”, criticou. De acordo com Al-Ghazzawi, o julgamento foi realizado com base em leis criadas pelos invasores, sem levar em conta a legislação iraquiana.

Às 11h30 de hoje (5h30 em Brasília), todos os sobreviventes de Halabja se reuniriam na cidade para uma grande festa. O horário escolhido coincide com o momento do bombardeio à cidade, em 17 de março de 1988. “Nós teremos danças, as pessoas vão brindar e celebrar a morte de Ali Químico. Acredito que reuniremos cerca de 2 mil curdos”, disse Adnan. Será uma oportunidade para exorcizar um passado de sofrimento e horror.

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 - (AP Photo/Sabah, Ramazan Ozturk)
A fotografia ao lado tornou-se símbolo de um dos crimes mais chocantes da história moderna. Mais de 20 caças iraquianos Migs e Mirages sobrevoaram a cidade de Halabja, 241km a nordeste de Bagdá, em 16 de março de 1988. Testemunhas contaram ter visto nuvens de fumaça cujas cores intercalavam-se em branco, preto e amarelo, subindo até 46m no ar. Pelo menos 5 mil curdos — 75% deles eram mulheres e crianças — morreram na hora. Muitos dos 10 mil feridos, transportados para Teerã, desenvolveram sequelas após a exposição ao gás mostarda, inclusive problemas visuais e respiratórios. A longo prazo, as vítimas apresentaram cegueira; desordens neurológicas e digestivas; leucemia; vários tipos de câncer e defeitos congênitos.

Os detalhes do massacre de Halabja só sugiram dias depois. As primeiras imagens do massacre foram feitas e divulgadas por jornalistas iranianos. Quando o fotógrafo Kaveh Golestan chegou à cidade, ficou chocado com o que viu. "A vida congelou. Era um novo tipo de morte para mim. Você vai a uma cozinha e se depara com o corpo de uma mulher segurando uma faca, cortando uma cenoura", descreveu ao jornal Financial Times. Inicialmente, a Agência de Inteligência do Pentágono culpou o Irã pelo ataque. No entanto, a maior parte das pistas indicava que o ataque fez parte de uma ação do Iraque contra forças iranianas e a população curda.