Se vivo, faria 138 anos

É o símbolo maior brasileiro de criatividade, de inovação tecnológica e de persistência no objetivo.

"É impressionante Santos-Dumont ter sido, ao mesmo tempo, o genial inventor, o inteligente construtor dos próprios inventos surpreendentemente simples, eficientes e leves, o corajoso piloto de provas de seus artefatos futuristas inusitados e o competidor vencedor. Mais impressionante ainda é ele não ser devidamente reconhecido por isso.

A PRIMAZIA DO VOO AUTÔNOMO

A principal conquista de Santos-Dumont foi ser o primeiro homem no mundo a voar em aparelho mais pesado que o ar utilizando unicamente os recursos do próprio aparelho, sem auxílios externos (diferentemente dos celebrados irmãos Wright, que eram lançados no ar por maquinária externa).

Foi o primeiro a construir e pilotar avião que, usando apenas os meios de bordo, cumpriu todos os requisitos básicos de voo: táxi, decolagem, voo nivelado e pouso.

Além disso, foi o primeiro que isso demonstrou em público (os irmãos Wright dizem que voaram, mas sem testemunhas). Seu voo pioneiro contou com o testemunho de multidão, a filmagem por companhia cinematográfica e o reconhecimento e a homologação dos órgãos oficiais de aviação da época, ‘L’Aéro-Club de France’ e ‘Fédération Aéronautique Internationale’ -FAI.

O voo histórico aconteceu há 105 anos, em 23 de outubro de 1906, com o 14-bis, em Bagatelle, Paris, França.

VOO DO 14-bis EM 23 DE OUTUBRO DE 1906


Esse dia veio a ser de grande significado para a humanidade.

Em 23/10/1906 (16h45), após corrida no solo de 200 m, o 14-bis voou a distância de 60 m, à altura de 2 a 3 m, em 7 segundos.

A notícia rapidamente espalhou-se e foi muito publicada nos jornais do planeta. Por exemplo, o “The Illustrated London News”, de Londres, em 03/11/1906, publicou: “The first flight of a machine heavier than air: Mr. Santos-Dumont winning the Archdeacon Prize”. Na mesma ocasião, o norte-americano Gordon Bennet, fundador e proprietário do famoso “New York Herald”, escreveu no seu jornal sobre a façanha de Santos-Dumont: "The first Human mechanical flight". Assim também foram as manchetes de vários outros grandes jornais em todo o mundo.

VOO DO 14-BIS em 12 DE NOVEMBRO DE 1906:

PRIMEIRO RECORDE OFICIAL DE AVIAÇÃO

Vinte dias após o seu grande feito de 23 de outubro, Santos-Dumont prosseguiu em 12 de novembro na tentativa de vencer desafio lançado pelo Aeroclube da França. O Prêmio do Aeroclube da França, de 1500 francos foi destinado ao primeiro homem no mundo que realizasse, com os próprios meios do aparelho, voo de mais de 100 m de distância com ângulo máximo de desnivelamento de 10 graus.

O 14-bis, nessa data, apareceu aperfeiçoado com a novidade tecnológica “ailerons”, superfícies móveis colocadas nas asas, uma em cada lado, para melhorar o controle lateral do avião (em “rolamento”).

Às 16h45: Santos-Dumont decolou contra o vento. O 14-bis voou a distância de 220 m, à altura de 6 m; duração: 21 s e 1/5; velocidade média de 37,4 km/h.

A CONQUISTA DOS PRIMEIROS RECORDES DA AVIAÇÃO MUNDIAL

O voo de 220 m foi homologado pela Federação Aeronáutica Internacional (FAI) como o primeiro recorde mundial de aviação. Recorde mundial de distância de voo, sem escala, de aparelho mais pesado que o ar. A FAI também considera o penúltimo voo do 14-bis naquela data (12/11/1906) como o primeiro recorde mundial de velocidade em voo, 41,292 km/h.

A revista norte-americana “National Aeronautics” (nº 12, volume 17, de 1939), órgão oficial da “National Aeronautics Association” sediada em Washington-EUA, também registrou aquele voo de 220 m de Santos-Dumont como o primeiro recorde de aviação do mundo. A revista descreveu os posteriores recordes de distância de voo. Somente em oitavo lugar aponta o recorde de Wilbur Wright, dois anos após, em 21/09/1908, na França, comentado em outro tópico deste texto, a seguir. A reinvenção da história para dar a falsa primazia aos irmãos Wright ocorreu depois.

O REVOLUCIONÁRIO AVIÃO “DEMOISELLE”

Santos-Dumont não esmorecia. Continuou em 1907 apresentando ao mundo novos inventos.


Em 16 de novembro de 1907, em Bagatelle, apenas sete meses depois do último voo do 14-bis, Santos-Dumont já fazia o voo inaugural (200 m) do seu revolucionário modelo nº 19, o “Demoiselle”, minúsculo, simples e leve. O Demoiselle tinha área alar de 10 m² (oito vezes menor que a do 14-bis), envergadura de ínfimos 5,60 m e pesava somente 60 kg (68 kg nos modelos nº 21 e 22), quase 1/3 do peso do já levíssimo 14-bis. Era avião muito avançado, de alto desempenho, veloz e extremamente simples e compacto. Decolava em pista de somente 70 m.

Com o modelo “Demoiselle nº 22”, estreado em Issy em 06/03/1909, Santos-Dumont voou, em 06/04/1909, a distância de 3 km. Em 13/09/1909, voou 8 km em cinco minutos, alcançando velocidade impressionante para a época: 96 km/h. Chegou a realizar voos de até 18 km de distância, como o ocorrido em 17/09/1909. Na véspera, 16 de setembro, havia estabelecido um recorde mundial, ao decolar após uma curta corrida de apenas 70m, em 6 segundos.

No dia seguinte, em 18/09/1909, aos 36 anos de idade, após 12 anos de intensos, ininterruptos, perigosos e estressantes trabalhos, Santos-Dumont realizou o seu último voo como piloto. Foi em Saint Cyr, Paris. Sobrevoou o público com os dois braços abertos e fora dos comandos, um lenço em cada mão. Soltou os lenços em voo, aplaudido. Foi a sua despedida.

Santos-Dumont colocou esse modelo de avião à disposição pública, com todos os detalhes e especificações, para livre reprodução, sem nenhum direito comercial para o seu inventor.

O Demoiselle foi o primeiro avião fabricado em série no mundo. No final de 1909, mais de 40 já haviam sido construídos e vendidos (ao preço de 5.000 a 7.500 francos, valor, na época, de automóvel de tamanho médio).

Alguns livros registram já terem sido até hoje construídos mais de 300 Demoiselles, e com a surpreendente marca de não ter ocorrido com o modelo um só acidente fatal.

A PRIMAZIA DE SANTOS-DUMONT e os IRMÃOS WRIGHT

Os irmãos Wright conseguiram em 21/09/1908, em Anvours (França), voar publicamente e até superar em muito as marcas de Santos-Dumont com o 14-bis.

Porém, isso ocorreu dois anos após Santos-Dumont já ter conquistado os primeiros recordes aeronáuticos oficiais do mundo. Em 1908, o nosso pioneiro já voava há um ano o seu genial e avançado Demoiselle, e a aviação já demonstrava progresso acelerado em várias partes do mundo.

Ainda mais, o avião “Flyer” dos Wright voado na França ainda dependia de lançamento por grande catapulta externa, de vento forte e de trilho em ladeira para poder decolar. O trilho poderia ficar na horizontal se houvesse vento frontal superior a 36 km/h, explicou a instituição norte-americana “National Aeronautics Council” (livro de N. H. Randers-Pehrson, pág. 35, Biblioteca do Congresso, EUA, 1944).

O que era a catapulta? Era uma grande estrutura que, por meio de queda de 5 m de altura de um grande peso de mais de 300 kg, tracionava violentamente o avião sobre um trilho e, assim, o lançava no ar em decolagem.

Essa dependência da catapulta perdurou até 1910. Anatole France publicou em 1909: “Wright détient le record de la distance, seul ou à deux. Il ne s’est point encore envolé par ses propres moyens” (Whright detém o recorde de distância, só e em dupla. Ele ainda não voou por seus próprios meios).

Na prática, o “Flyer” era muito bom planador e um avião com insuficiente motorização que o fizesse decolar sem auxílio externo.

As “provas” dos voos que teriam sido feitos desde 1903 foram apresentadas pelos irmãos Wright extemporaneamente. Somente em 1908 mostraram: uma foto sem data do Flyer (sem rodas, a alguns palmos de altura sobre o trilho lançador); o diário deles, onde diziam terem voado “n” metros por “t” segundos nas datas “x”, “y”, “z”; e um telegrama passado por eles mesmos ao pai “Quinta-feira, de manhã, tivemos sucesso em quatro voos, graças a ventos de 40 km/h”.

Essas “evidências” eram consideradas insubsistentes pelos órgãos oficiais de aviação e pela imprensa em geral, inclusive a norte-americana, que então divulgava a primazia de Santos-Dumont desde 1906.

A imprensa norte-americana havia sido acionada pelos dois irmãos para uma demonstração em abril de 1904. Porém, após cinco dias de tentativas, o que os repórteres viram os fez descrer da capacidade de voo do Flyer. Em 1905, a imprensa foi novamente convidada à fazenda “d’Huffman Prairie”, Dayton. Contudo, como nada aconteceu de interessante, os jornalistas apenas publicaram comentários muito sucintos (segundo o livro “Chronique de l’Aviation”, de Edouard Chemel, pág. 39, Editora Jacques Legrand, Paris, 1991). O próprio War Department dos EUA ainda não dava crédito às alegações dos Wright em 1905, por falta de provas.

As poucas notícias que surgiram naquela época em jornais e revistas norte-americanas e europeias foram decorrentes de matérias enviadas pelos próprios Wright. Todavia, não há registro de qualquer vizinho dos Wright, ou de qualquer dos transeuntes da estrada próxima (de intenso movimento), que ligava Springfield a Dayton, ter visto ao menos um dentre as centenas de voos que eles (Wright) afirmaram ter realizado de 1903 a 1908.

Nem uma única reportagem comprovando aqueles voos havia sido, até 1908, publicada pela perspicaz, eficiente e já mundialmente atuante imprensa norte-americana. Nem mesmo em Kitty Hawk, North Carolina, e em Dayton, Ohio, onde eles teriam realizado os alegados “pioneiros, surpreendentes, fantásticos e longos vôos” [sic]. Caso houvesse crédito sobre a realização dos aludidos voos, eles teriam merecido, inevitável e imediatamente, gigantescas manchetes nos jornais dos EUA e do mundo inteiro.

Uma das poucas testemunhas citadas, o telegrafista Alpheus W. Drinkwater, que trabalhava na estação do local dos supostos voos dos Wrights, e que expediu o já citado telegrama dos dois irmãos para o pai em 17/12/1903, declarou que, naquela data, os Wright apenas planaram e que o primeiro voo somente aconteceu em 06/05/1908, isto é, cinco anos depois (entrevista dele publicada no “The New York Times” de 17/12/1951, na data de comemoração do cinquentenário do suposto voo pioneiro).

O primeiro voo dos Wright realmente testemunhado nos EUA foi em 4 de setembro de 1908 (Fort Myer, Virginia). O fotos e filmes desse voo em Fort Myer ainda hoje são muitas vezes repetidos nas televisões do mundo (até nas brasileiras!) como sendo do suposto primeiro voo de 1903.

Observa-se que apenas voar e pousar (sem decolar pelos próprios meios) não era novidade na época. Otto Lilienthal já o fizera com êxito na Alemanha desde 1891 com planadores. Lilienthal não tivera sucesso com a motorização. Experimentou motor (a vapor) sem resultados positivos.

O fato é que os EUA resolveram, mais fortemente a partir dos anos quarenta, elevar os irmãos Wright à condição de primazia no mundo e aquelas “provas”, antes depreciadas, passaram a ser citadas como “documentos históricos comprovadores” [sic] dos voos pioneiros. Fruto de grande esforço institucional e de mídia, as desacreditadas alegações pouco a pouco viraram “fatos verdadeiros” para o povo norte-americano e para muitos outros americanófilos em todo o mundo.

Porém, permanecem indiscutíveis os seguintes fatos:

• Santos-Dumont foi o primeiro homem que comprovadamente voou aparelho mais pesado que o ar (o 14-bis) utilizando unicamente os recursos do próprio aparelho.

• Foi o primeiro que comprovadamente cumpriu todos os requisitos básicos de voo de avião usando apenas os meios de bordo: táxi, decolagem, voo nivelado e pouso.

• Foi o primeiro homem a isso demonstrar oficial e publicamente. Sua vitória ocorreu com o testemunho de multidão, da imprensa, de filmagem por companhia cinematográfica e de comissão oficial previamente convocada.

• Sua conquista mereceu o reconhecimento e a homologação como primeiro voo autônomo no mundo pelos órgãos oficiais de aviação da época, ‘L’Aéro-Club de France’ e ‘Fédération Aéronautique Internationale’ -FAI.

A distorção da história por motivações ufanistas nacionalistas norte-americanas, mesmo que conduzida mundial e persistentemente pela mídia, não pode apagar esses fatos históricos oficialmente registrados, que certificam e glorificam os feitos pioneiros de Santos-Dumont.

Em 2006, ano em que se comemorou o centenário do grande feito de Santos-Dumont com o 14-bis, ocorreu o registro em monumento, na cidade de Santos Dumont-MG, do reconhecimento feito pelo renomado ‘Instituto Americano de Aeronáutica e Astronáutica’ (American Institute of Aeronautics and Astronautics – AIAA), da primazia do voo de Santos-Dumont utilizando somente os meios próprios da aeronave.

A homenagem da AIAA a Santos-Dumont incluiu uma placa de bronze, de aproximadamente 60 x 42 cm, com os seguintes dizeres:

Born 20 July 1873 in state of Minas Gerais, Alberto Santos Dumont moved to Paris in 1891 but never forgot his birthplace. He soon began experimenting with flying, and designed his first balloon, the Brasil, in 1898. He later built and flew 11 dirigibles, including the prize-winning Number 6. He flew his first airplane, the 14-bis, on October 1906, the first aircraft to take off and land without any external assistance (*). His many other contributions to aviation included his 1907 Demoiselle, the precursor to modern light airplanes. He returned definitely to Brazil in 1931 and died in 1932”.
(*) o primeiro avião a decolar e pousar sem qualquer auxílio externo.

Essa placa foi colocada sobre pedestal erigido em frente à casa natal de Santos-Dumont, em Cabangu, município de Santos Dumont-MG.

PRÊMIO “DEUTSCH DE LA MEURTHE”

É oportuno também relembrar outro grande feito (anterior a esses citados vôos) de Santos-Dumont. Ele já havia granjeado a glória e a fama em todo o planeta, cinco anos antes do voo do 14-bis. A idolatria por Santos-Dumont já era tanta que ele ditava a moda masculina em Paris e no mundo. Copiavam o seu modelo de chapéu, de colarinho, de bainha de calças, de penteado. Até lançou e popularizou o uso masculino civil do relógio de pulso (tal modelo de relógio foi por ele concebido e usado, mas o relógio de pulso não foi uma “invenção” sua).


Aquele ápice da celebridade ele alcançara em 19/10/1901. Conquistara desde então a fama, ao realizar a primeira viagem no mundo de balão dirigível em circuito fechado e dentro de trajeto (11 km, que abrangia rodear a Torre Eiffel) e de tempo (limite de 30 minutos) pré-estabelecidos, tudo testemunhado por multidão e pela comissão oficial previamente convocada, merecendo o vultoso prêmio “Deutsch de la Meurthe” (total de 129.000 francos da época. Ele distribuiu esse prêmio entre os seus mecânicos e os pobres de Paris). O seu feito significou o domínio completo e prático da dirigibilidade dos balões.

O OCASO

Por tudo isso, Santos Dumont sacrificou a sua vida.

Desde os 40 anos de idade, envelhecido prematuramente, pouco a pouco ficou mais evidente que Santos-Dumont padecia de doença pouco conhecida na época. Cada vez mais recluso, com tristeza, angústia, remorso, sentia-se culpado da guerra aérea, pelos acidentes aeronáuticos. Hoje, com o avanço da medicina, sua moléstia seria diagnosticada, provavelmente, como depressão, tratável inclusive com medicamentos. Em muitos casos, a depressão resulta da interação entre uma predisposição genética e fatores ambientais, como traumas emocionais e o estresse, os quais, por certo, estiveram fortemente presentes na sua obcecada, tensa, destemida e acidentada vida. Não é raro o suicídio em sofredores dessa doença, quando não medicados. Santos-Dumont assim morreu em 23 de julho de 1932, aos 59 anos.

CONCLUSÃO

Em resumo, Santos-Dumont foi um grande benfeitor para a humanidade e ser humano extraordinário. É o símbolo maior brasileiro de criatividade, de inovação tecnológica e de persistência no objetivo.

FONTE: trechos do texto (de autoria de Aluizio Weber) publicado em 2006 pela comissão interministerial que coordenou as comemorações do centenário do voo do 14-Bis. O texto completo sobre este tema pode ser lido na postagem deste blog ‘democracia&politica’ em 23/10/2008.