"Você vai encontrar três rifles. Basta juntar as peças e montar um novo,
que até funciona", conta um homem que pede para ser identificado como
Alex, enquanto nós passamos pelo matagal. Nós estamos a caminho de uma
área que foi palco de algumas semanas de ferozes combates durante a
Segunda Guerra Mundial.
Alex pediu para ser descrito como um "escavador". Ele nasceu e cresceu
em Leningrado (atual São Petersburgo), na Rússia. Desde que ele tinha 15
anos, começou a buscar por "ferro" nos bosques. "Todos os moradores
daqui fazem algum tipo de escavação. Alguns por interesse pessoal,
outros para encontrar coisas para vender", afirma.
Um pequeno detalhe: todas as coisas encontradas estão enterradas em meio
a ossos. Para encontrar pertences e conseguir dinheiro vendendo-os em
mercados de produtos de segunda mão, é preciso procurar em meio aos
restos de um soldado morto.
Os mais intensos combates da Segunda Guerra Mundial ocorreram no
território que atualmente pertence a Rússia, Ucrânia, Belarus e países
do Leste Europeu.
Trincheiras intactas
Os campos e florestas que serviram como campos de batalha foram muitas
vezes deixados para trás intactos, sem que fossem retirados destroços,
bombas não-detonadas e corpos, já que não houve tempo para que isso
ocorresse.
Aqueles que realizaram escavações nestes locais são normalmente
classificados como "brancos" ou "negros". "A primeira categoria se
refere a pessoas registradas oficialmente junto a organizações
não-governamentais como realizadores de buscas. Elas recebem um visto de
trabalho das autoridades regionais onde as escavações estão sendo
realizadas.
O propósito principal dos "brancos" é encontrar e enterrar os restos
mortais de soldados do Exército Vermelho e confirmar sua identidade.
Eles compram seus próprios equipamentos e não recebem remuneração.
Existem diversos grupos de voluntários na Lituânia, Letônia e Polônia.
Alguns desses grupos montaram um batalhão formado por soldados, que
vistoriam as escavações.
Um batalhão especial de buscas também foi montado na Rússia, mas o
número de soldados que ganharam enterros oficiais após as operações de
buscas ocorreram, na maioria dos casos, graças aos esforços de grupos de
voluntários. Existem mais de 600 deles, ao todo.
Os escavadores classificados como "negros" atuam ilegalmente. Eles
encontram corpos de soldados nortos nos campos e às vezes agem até em
cemitérios militares, para ganhar dinheiro ou para aumentar suas
coleções de memorabília.`
"Esta era uma única trincheira e veja, eles tiraram tudo que podiam
daqui. E jogaram fora os restos de soldados. São saqueadores Como é que
alguém pode lidar dessa maneira com os restos mortais de pessoas que
deram suas vidas por nós?", afirma o voluntário Anatoly Skoryukov, ao me
dar um exemplo do que os coveiros "negros" são capazes de fazer.
Venda em mercados
Skoryukov gentilmente começa a juntar os pedaços de um crânio que havia
sido rompido com uma pá e outros ossos espalhados em um raio de diversos
quilômetros. Alex, um "coveiro negro" que aceitou me levar à floresta
com ele, admite abertamente que busca o lucro ao escavar os restos de
soldados.
"Se todas essas coisas ainda estão nas florestas, significa que somos os
únicos interessados. Se os governos acham isso importante, eles
poderiam ter desenterrado tudo isso há muito tempo", afirmou.
Os frutos do trabalho dos "coveiros negros" pode ser visto todos os
finais de semana nos principais mercados de segunda mão da maior parte
das cidades da Rússia, Ucrânia e alguns países do Leste Europeu. É
possível comprar também artigos militares na Internet. Eles são
oferecidos por centenas de sites e redes sociais.
E não faltam compradores, colecionadores particulares e seguidores de
movimentos neo-nazistas. Poucos deles estão interessados no verdadeiro
valor histórico das peças. O mais imporante para eles é encontrar uma
suástica.
Um capacete de um soldado do Exército Vermelho pode ser comprado em um
mercadinho de São Petersburgo por até US$ 25 (cerca de R$ 50). O mesmo
artefato de um soldado nazista custa dez vezes mais. Medalhas militares
alemãs, como a Cruz de Ferro, chegam a custar US$ 600 (cerca de R$
1.184).
Nos anos 90, surgiu um mercado para armamentos "revividos". "Explosivos,
rifles e pistolas foram vendidos aos montes. Ainda há muitos deles nos
campos, mas eles agora têm sido compradores somente por colecionadores.
Para atirar, é mais fácil comprar um rifle Kalashnikov novo ou alguma
outra coisa em oferta. É mais barato e confiável.
Mas "coveiros negros" ainda são capazes de fazer dinheiro com munições
da Segunda Guerra Mundial. Eles retiram os explosivos de minas e de
cápsulas e as vendem para caçadores e pescadores. Estes "explosivos
amadores" chegam a ferir e matar pessoas todos os anos. O mínimo erro,
durante a excavação pode causar uma explosão.
Esse tipo de venda sem regulamentação de armas e munições é ilegal na
Rússia e ao desecrar covas, os "coveiros negros" podem pegar uma pena de
prisão de até oito anos. Mas na prática, até mesmo multas são uma
raridade.
Fonte: Terra - Via Blog Vida no Front
0 Comentários