Meu amigo Nestor Magalhães é um brasileiro raro. Militar da reserva, ele foi historiador do Museu Militar do CMS, em Porto Alegre. Sua extensa pesquisa foca-se principalmente na Batalha do Atlântico e na ação dos U-Boats contra nossa costa, mas toda a guerra submarina 1939-1945 encontra-se entre seus interesses. Mergulhador CMAS 2 Estrelas desde 1992, ele já visitou os destroços de muitos submarinos alemães, nas costas europeias, asiáticas e na América do Norte, e recentemente foi ao Pacífico para mergulhar em Truk, a famosa base naval japonesa na Micronésia. Segue um relato dele, imperdível e exclusivo para os leitores da Sala de Guerra:


Truk Lagoon foi uma antiga e importante base japonesa na Micronésia, bombardeada à extinção por aviões da US Navy nos dias 17/18 Fev 44. Foi a conhecida Operação Hailstone e o violento ataque efetuado por centenas de aviões baseados em porta-aviões, mandou para o fundo da laguna quase 70 embarcações japonesas (diversas delas até agora não localizadas) e bem mais de 250 aviões, abatidos em combates aéreos com os Hellcats ou destruídos em terra. Também as instalações e pistas de pouso nas ilhas foram bombardeadas. Os americanos tiveram 25 aviões derrubados.
Mapa do Pacífico e localização de Truk.
Ouvi falar de Truk pela primeira vez em 1971, na série da TV do Jacques Cousteau. Na realidade, Cousteau “redescobriu” Truk quando mergulhou na laguna dois anos antes, explorando diversos naufrágios. Depois foi em um programa na TV Globo, no final dos anos 80, onde o repórter Francisco José realizou alguns mergulhos nos principais naufrágios de Truk.
Nos dias de hoje, Truk Lagoon ou Chuuk, como também é conhecida, é um arquipélago que junto com mais três, Kosrae, Yap e Pohnpei, forma um país independente (607 ilhas) conhecido como Estados Federados da Micronésia. Com águas transparentes, sem corrente, visibilidade de 30 a 50 m e uma temperatura da água de 29 °C, tornou-se o paraíso dos mergulhadores em naufrágios e interessados em história militar.
I-169.
O I-169 era um submarino classe Kadai 6 A com um deslocamento na superfície de 1.400 ton e submerso de 2.440 ton. Tinha um comprimento de 105 m (lembro que um U-Boat Tipo IX C media 77 m e um Tipo VII C, 67 m) e seu armamento era composto de quatro tubos lança-torpedos na proa e dois na popa. Tinha ainda um canhão de convés com calibre próximo dos 100 mm (3,9 pol) e uma metralhadora de 13 mm ante-a-ré da torre. Veloz, podia navegar a 23 nós na superfície e a 8,8 nós sob as ondas. Lançado em 1934, possuía mais cinco irmãos da mesma classe.
O I-169 participou do ataque a Pearl Harbour, mas um dos maiores feitos da Arma Submarina japonesa durante a II Guerra Mundial ficou com o seu similar, o I-168 que torpedeou e afundou o porta-aviões USS Yorktown e o destróier USS Hamman na Batalha de Midway. Algum tempo depois, o I-69, já se tornando obsoleto, foi destinado a missões de ressuprimento.
Em 17 Fev 44, quando do ataque a Truk pelos aviões da US Navy, ele buscou proteção, submergindo rapidamente para o fundo de areia branca da laguna. O problema que, na pressa, alguém esqueceu semi-aberta uma válvula importante existente na torre, e a sala de controle inundou rapidamente. Estavam a bordo, além da tripulação, alguns operários, mas o capitão Shigeo Shinohara permanecia em terra. Ao que parece parte da tripulação morreu afogada instantaneamente, mas um número maior, conseguiu estancar o alagamento e buscou abrigo nos compartimentos de popa.
Ao final do ataque aéreo, como o submarino não emergisse, os japoneses iniciaram uma operação de resgate. Mergulhadores foram enviados e escutaram as pancadas dos sobreviventes no casco. Foi tentado erguer o I-169 com uma grua de 30 ton, mas quando já perto da superfície, os cabos romperam e o submarino voltou para o fundo.
Estando a sala de controle inundada, não havia como tentar injetar ar comprimido nos balastros e os homens foram condenados a morrer lentamente. As batidas no casco continuaram por vários dias até a morte por anoxia do último marinheiro. Cerca de quase um ano depois, na certeza de um possível desembarque dos americanos em Truk, os próprios japoneses lançaram algumas cargas de profundidade no submarino, desmantelando a sua proa (vejam desenho).


A escotilha da popa.
Foi em 1969 que Cousteau redescobriu o I-169, abriu a escotilha de popa (a mesma da foto) e penetrou no submarino, filmando dezenas de esqueletos lá dentro. Estas cenas, tornadas públicas em 1970/71, repercutiram no Japão. Assim, foi contratada uma empresa de salvatagem para coletar os ossos da tripulação que foram depois cremados em uma solene cerimônia Shintoista.

Bem, o naufrágio está a cerca de 40 m, posicionado ao sul da ilha Moen e ao oeste da ilha Dublon. Vejam o mapa e puxem 2 retas perpendiculares, é ali. Não penetrei pela escotilha de popa, pois é um mergulho arriscado e também não havia planejado. Lembro ainda que um dos mergulhadores da equipe que recolheu os ossos morreu acidentalmente no naufrágio.
Truk e o Atol de Kuop.
Levei a réplica da bandeira da Marinha Imperial para a foto solene em homenagem (puxa vida, bem no local em que Cousteau penetrou o submarino!) à memória dos marinheiros japoneses. Também coloquei uma mensagem lastrada (sempre faço isto nos U-Boats em que mergulho) no interior do compartimento da popa, deixando-a cair pela escotilha. Um tubo de vidro resistente à pressão e que ficará ali ad eternum. Foi um mergulho difícil, porém emocionante.

Nestor





Eu desejo parabenizar o Nestor por seu excelente relato, e por sua paixão pela história militar naval. O cara realmente é referência no que faz, e é sempre um prazer tê-lo aqui na Sala de Guerra! Abraços!