Bisneta do revolucionário mobiliza Itália para saber se o corpo ainda está no túmulo onde foi enterrado.

Mais de 150 anos após a unificação da Itália e da Guerra dos Farrapos, no Brasil, um mistério ronda a figura do italiano Giuseppe Garibaldi, popular líder dos movimentos. 

Garibaldi, enterrado na pequena Ilha de Caprera, no Mar Mediterrâneo, não estaria mais em seu túmulo. 


E sua bisneta, Anita Garibaldi, quer saber se este mito, quase tão antigo quanto a própria morte do revolucionário, é verdadeiro. Esbarra, no entanto, na resistência do governo do país, contrário à exumação.


Garibaldi deixou claro que gostaria de ser cremado, e que suas cinzas fossem misturadas à terra, simbolizando o nascimento de uma nova Itália. 


Seu desejo, porém, foi ignorado, pois julgou-se que um líder tão importante não poderia sumir, mesmo após sua morte, em 1882, aos 74 anos. 


Giuseppe Garibaldi: corpo do revolucionário italiano teria sido tirado da tumba por correligionários e cremado, como era seu desejo
 
Foi enterrado no próprio jardim e sua casa entrou no mapa de peregrinos. Mas acredita-se que alguns seguidores mais radicais do revolucionário, determinados a seguir sua vontade, tiraram o corpo do caixão e o cremaram. Ou pelo menos essa é a história que os ilhéus contam até hoje e que é corrente na família.


Anita angariou o apoio de políticos de diversas correntes pela abertura do túmulo. Não quis cumpri-la dois anos atrás, temendo que os compatriotas considerassem a iniciativa oportunista, no sesquicentenário da unificação. 


Agora, o Ministério da Cultura, que antes dava respaldo ao trabalho, é ocupado por autoridades hesitantes em juntar-se à campanha.


Em setembro passado, Anita convocou o arqueólogo Silvano Vinceti para ajudá-la. Vinceti conquistou fama ao encontrar o que seriam os restos mortais do artista renascentista Michelangelo Merisi, mais conhecido como Caravaggio; e de Lisa Gherardini, que teria sido a modelo para a Mona Lisa de Leonardo da Vinci.


Anita reconheceu esta semana à imprensa que adiar a abertura da tumba não foi uma boa estratégia, e quer fazê-lo o quanto antes para, depois, levar o corpo a Roma, onde acredita que o líder deveria repousar. 


Este traslado do corpo para a capital italiana pode ser acompanhado de uma grande cerimônia, uma homenagem tardia à luta de Garibaldi pelo país.



Marketing pessoal



O polêmico destino do corpo de Garibaldi tem, de fato, muito mais a ver com sua trajetória do que o repouso silencioso que ele exigiu.


Além da unificação italiana, que levou 55 anos para ser alcançada, Garibaldi envolveu-se com a Revolução Farroupilha — a revolta do Sul do Brasil contra a monarquia de Pedro II —, com batalhas internas no Uruguai e quase chegou a participar da Guerra de Secessão dos EUA, convocado pelo próprio presidente Abraham Lincoln.


Garibaldi também é visto por estudiosos como uma espécie de precursor dos heróis populares contemporâneos — aqueles que atingiram grandes feitos sem terem vindo de famílias nobres.


— Ele era um homem de ação, não de política — explica Antonio de Ruggiero, doutor em História Contemporânea pela Universidade de Florença e professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. — Virou um mito antes mesmo de morrer, porque tinha carisma e sabia se comunicar com o povo.



O revolucionário sabia como atrair atenção. Quando deixou a América do Sul para dedicar-se à guerra italiana, levou na bagagem um chapéu peculiar e o poncho, a tradicional vestimenta gaúcha. Também exportou para o confronto europeu táticas de guerrilha no campo — até então, elas eram usadas na península italiana apenas em cidades.


— Foram técnicas fundamentais para compensar o fato de que, muitas vezes, lutou contra exércitos maiores do que o seu — lembra Nuncia Maria de Costantino, professora de História Contemporânea da PUC-RS especializada em História italiana. — No Sul do Brasil, tornou-se um exímio cavaleiro, e adotou o animal nas batalhas europeias, o que também não era muito comum.



Revolucionário do mundo



O cavaleiro revolucionário era, na adolescência, um marinheiro alienado. Nascido em 1807 em Nice — cidade francesa que, à época, pertencia ao Reino de Sardenha —, Garibaldi conheceu os ideais democratas e republicanos italianos apenas aos 26 anos, trabalhando em um barco que levava laranjas para a Rússia.


O Congresso de Viena, de 1815, retalhou a península italiana em oito Estados: cinco subjugados a governantes austríacos; um à França; outro ao Papa; e o Reino de Piemonte-Sardenha, o único a adotar um regime liberal.


Os reinos absolutistas da península perseguiam as sociedades secretas, que propagavam uma nação unida, democrática e republicana. 


O mais conhecido desses movimentos foi a Jovem Itália, liderado por Giuseppe Mazzini. Garibaldi logo se uniu a ele, mas teve de fugir para o Brasil após ser condenado à morte em uma fracassada insurreição em Gênova.


— Garibaldi chegou ao Rio de Janeiro em 1838 e, na cidade, conheceu aliados de Bento Gonçalves, que liderava a Revolução Farroupilha no Sul — diz Ruggiero. — Integrou o movimento por quatro anos. 


Foi nele que obteve sua verdadeira formação militar e onde conheceu e se casou com Anita Garibaldi, que depois seguiu com ele para o Uruguai e a Europa, dez anos depois de deixar o continente.


O ponto alto da revolução pela independência italiana e da biografia de Garibaldi foi em 1858. Enquanto o rei de Piemonte, Vitório Emanuel II, expulsava os austríacos do Norte, Garibaldi reunia um exército de mil homens para tomar o Sul. 


Os camisas-vermelhas conquistaram o Reino das Duas Sicílias. Em 1861, já se considerava a Itália unificada, embora ainda faltasse tomar os Estados Pontifícios.


Como Vitório Emanuel e seu Exército queriam ditar os próximos passos, Garibaldi, contrariado, recolheu-se na Ilha de Caprera.


— Abraham Lincoln acompanhava a luta de Garibaldi, e chamou-o para ser general das tropas do Norte dos EUA na Guerra da Secessão — revela Ruggieri. — Mas Garibaldi valorizava muito a libertação dos escravos, tema ainda polêmico mesmo entre aqueles que, poucos anos depois, adotariam a causa.


Garibaldi optou por voltar à luta em seu próprio país. Em 1870, Vitório Emanuel enfim entrou em Roma, unificando de fato a Itália. O rei, porém, não deixou que o líder camisa-vermelha participasse da conquista.



— Ele largou o que chamou de política da traição para tornar-se um agrônomo, recusando uma pensão paga pelo Estado — conta Nuncia.


Fonte: O Globo Online - Via: Arquivos do Insólito