Em seu primeiro discurso de posse, Barack Obama fez uma promessa:
"Trabalharemos incansavelmente com nossos amigos de longa data e com
antigos inimigos para reduzir a ameaça nuclear e aniquilar o fantasma do
aquecimento global". No seu segundo discurso, ele voltou à questão da
mudança climática, mas deixou de lado a ameaça nuclear.
Talvez não seja justo querer elaborar demais sobre isso. No entanto,
nos últimos tempos, notamos um estranho silêncio a respeito do controle
de armas. Ele tem sido ignorado na exposição pública de prioridades no
segundo mandato do presidente.
Indubitavelmente, serão discutidos inúmeros detalhes misteriosos nas
audiências de confirmação dos senadores John Kerry e Chuck Hagel,
respectivamente no cargo de secretários de Estado e da Defesa. Mas e o
presidente? Ele ainda acredita em um mundo sem armas nucleares, como
descreveu no discurso de Praga, em abril de 2009? No ano passado, as
campanhas eleitorais nos EUA e na Rússia representaram um ano perdido em
matéria de controle de armas nucleares. Agora, as campanhas acabaram,
mas as perspectivas continuam pouco claras.
As armas não desapareceram somente porque paramos de falar a seu
respeito. Os EUA e a Rússia ainda têm os maiores arsenais nucleares do
mundo. Embora haja graves preocupações com Irã, Coreia do Norte, Índia e
Paquistão, entre outros, devemos ter em mente as enormes diferenças de
escala. Os arsenais dos EUA e da Rússia abrigam aproximadamente 16,2 mil
ogivas nucleares, enquanto os outros países do mundo teriam juntos
cerca de 1.100.
O novo tratado Start (Strategic Arms Reduction Treaty) estabelece
procedimentos de verificação importantes, mas prevê reduções modestas
nos estoques de ambos os países, para 1.550 ogivas cada um, após sete
anos. O tratado é um ponto de partida, mas não deve ser o último passo
de Obama.
Há muita reflexão sobre as próximas medidas, tanto no governo como
fora dele. Estudiosos e ONGs que tratam da estratégia a ser adotada
nesse campo levaram meses na elaboração de importantes relatórios
detalhados sobre a contenção nuclear. Esse valioso trabalho está pronto.
Um roteiro das possibilidades pode ser encontrado no livro The
Opportunity: Next Steps in Reducing Nuclear Arms, de Steven Pifer e
Michael E. O'Hanlon, do Brooking Institution.
O livro é uma avaliação concisa das opções de Obama. "Por que buscar o
controle de armas nucleares se a Guerra Fria terminou há mais de 20
anos?" questionam os autores. "O controle não é e nem deve ser
considerado um fim em si mesmo. É um instrumento que, devidamente
utilizado, pode fortalecer e aumentar a segurança dos EUA e de seus
aliados."
Eles apresentam sete argumentos em defesa do controle adicional de
armas nucleares. Entre eles, a necessidade de enquadrar em acordos
compulsórios e verificáveis de todas as ogivas nucleares que se
encontram fora do sistema do tratado, tanto nos EUA quanto na Rússia.
Outro trabalho é o relatório Trimming Nuclear Excess: Options for
Further Reductions of U.S. and Russian Nuclear Forces, de Hans
Kristensen, da Federação de Cientistas Americanos, publicado no mês
passado. "Há indicações de que, embora as reduções continuem nos EUA e
na Rússia, ambos os países estão se tornando mais cautelosos quanto a
uma maior redução. Neste momento, ambos investem enormes recursos em
novos sistemas de armas nucleares destinados a entrar em operação no fim
do século. Se não ocorrerem novas reduções unilaterais ou não forem
concluídos importantes acordos sobre controle de armas, no futuro,
grandes forças nucleares poderão estar armazenadas."
Outro trabalho significativo é o do relatório da Comissão de Política
Nuclear Americana, do plano de ação Global Zero, de maio de 2012. A
comissão foi presidida pelo general James Cartwright e incluía Hagel. O
estudo apresenta uma série de medidas esclarecedoras por meio das quais
os EUA poderiam reduzir seu arsenal a 900 armas nucleares, estendendo,
ao mesmo tempo, o período de advertência e decisão. O relatório prevê
também a reunião, pela primeira vez, de todas as potências nucleares
para negociações multilaterais para limitar esse tipo de armamentos.
Mas, apesar dos estudos, por que o debate parece ter silenciado?
Vladimir Putin é um dos motivos. Desde que ele voltou à presidência da
Rússia, no ano passado, tem defendido novas leis contra os protestos de
rua em favor da democracia e contra a influência americana na sociedade e
na política russa. O mais prejudicial é o fato de o presidente ter
imposto ao Legislativo um projeto de lei que forçou a anulação de um
acordo bilateral sobre a adoção de crianças russas por pais americanos.
Foi uma retaliação de Putin à Lei Magnitski, aprovada pelo Congresso
americano e sancionada por Obama, que impôs restrições a cidadãos russos
envolvidos em crimes contra os direitos humanos. O projeto de lei sobre
adoção assinala o ponto mais baixo das relações entre os dois países.
Não é preciso ser cínico para imaginar um senador republicano
questionando se os russos podem revogar um acordo sobre a adoção de
crianças, como confiar que eles cumpram um tratado sobre armas
nucleares?
A questão é que as nações não têm amigos, apenas interesses. Um
tratado é um contrato, que existe para proteger interesses. E interessa
tanto aos EUA quanto à Rússia evitar uma catástrofe nuclear. Ambos têm
milhares de armas atômicas que ainda não estão cobertas por tratados,
não estão sujeitas a verificação e, em alguns casos, seu número é
desconhecido pela outra parte. Tais armas são um legado da Guerra Fria e
não servem a nenhum propósito militar.
É nosso interesse separar as ogivas e guardá-las cuidadosamente. Fazer isto não deveria ser considerado um favor a Putin.
Entretanto, o controle de armas não existe isoladamente de outras
questões que minam o relacionamento. É difícil negociar com Moscou ou
convencer o Congresso da necessidade de um acordo sobre um tema tão
complexo e de tão grande importância. Obama e Putin, talvez, precisem
redefinir uma reaproximação antes de dar uma contribuição maior ao
controle de armas nucleares.
Acho que Obama quer fazer mais, mas muito depende de Putin e de como
ele vê os interesses da Rússia em matéria de armas estratégicas. Em
Moscou, alguns acreditam que, apesar da contínua retirada de armas
obsoletas, a Rússia pode modernizar seu arsenal e não precisa de outro
acordo com os EUA.
Para Putin, há a questão sobre o quanto gastar com a modernização e
sobre sua capacidade de sustentar esse gasto, considerando outras
prioridades. Os russos falam em construir um enorme míssil balístico
intercontinental com ogivas múltiplas e combustível líquido. Será que
precisam disso? Os atos de Putin sugerem que ele caminha para uma Rússia
como uma verdadeira fortaleza, adotando uma estratégia unilateral de
maior isolamento. Essas coisas, porém, costumam oscilar e podem tomar a
direção oposta.
Embora Obama não tenha mencionado o perigo nuclear em seu discurso,
ele tem sobre a mesa uma quantidade de possíveis iniciativas e decisões.
Sua política nuclear de 2010 deve ser implementada. Há mais de um ano,
equipes trabalham em memorandos sobre a execução das decisões com base
nela e na orientação que o presidente deve dar ao Pentágono. Suas
decisões estabelecerão um caminho para futuras reduções dos arsenais.
Mas, até o momento, a Casa Branca tem se mantido em silêncio.
O presidente pediu a ratificação do Tratado de Proibição de Testes
Nucleares (CTBT), mas ele não o apresentou ao Senado no seu primeiro
mandato. Mas muitas objeções técnicas levantadas em 1999, quando os
senadores não ratificaram o tratado, foram superadas. Estará o
presidente disposto a gastar capital político e a travar uma batalha
pelo tratado?
A defesa antimísseis continua sendo um obstáculo grande para as
negociações com a Rússia. Nesse caso, o presidente poderá pôr em prática
ideias criativas para dirimir as preocupações de Moscou. Nenhuma
redução de armas ofensivas será feita enquanto não existir uma
compreensão geral do programa de defesa antimísseis. Se o programa
americano não for mesmo uma ameaça à Rússia, como defenderemos nossa
posição de maneira convincente para permitir o avanço das negociações
sobre controle de armas ofensivas?
Como afirmei anteriormente na revista Foreign Policy, o presidente
deveria considerar a possibilidade de um acordo bilateral com a Rússia
que acabasse com o alerta de lançamento de mísseis nucleares. Vale a
pena lembrar duas grandes categorias de armas nucleares ainda não
cobertas por tratados: as ogivas táticas menores da Rússia e as ogivas
estratégicas armazenadas desde o fim da Guerra Fria pelos EUA. Ninguém
tem números exatos, mas há milhares dessas armas que deveriam ser
contadas, verificadas e enquadradas num tratado. Essa é uma boa meta
para o segundo mandato.
Fonte: Estadão - Por: David E. Hoffman - Foreign Policy
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