https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjRRmVZRVSv0aXcvZCR4yuzgmNQPmUe8S-dFtFqJQtM27hQcBwgD6OaNToJ7a2qInBf2VDcA6Nb0C_ROBEw_KEo-CWZ5Engf2vQSiQX79lJTz3FzJrBnODd4QnQHef0_H4nlmh4Pk3U9Cuj/s1600/espionagem+americana.jpgGovernos têm o hábito de mentir quando flagrados na obsessão política de bisbilhotar a vida de cidadãos em qualquer parte, a pretexto de zelar pela “segurança nacional”. O caso de James Clapper, diretor dos serviços de Inteligência dos Estados Unidos, é exemplar.

Na terça-feira 12 de março, ele foi interpelado pelo democrata Ron Wyden (Oregon) no Comitê de Inteligência do Senado americano. Wyden quis saber de Clapper se a a agência espionava comunicações pessoais dentro das fronteiras americanas:

- A NSA está coletando qualquer tipo de dados de milhões ou de 100 milhões de americanos?

- Não senhor - respondeu Clapper.

Clapper insistiu nessa versão pelos 98 dias seguintes, incluindo três semanas depois que o jornal “The Guardian” revelou a existência do programa Prism e o acesso às contas dos clientes da Verizon. Capitulou na sexta-feira 21 de junho, ao perceber o risco de processo por perjúrio. Enviou uma carta à senadora democrata Dianne Feinstein (Califórnia), chefe do Comitê de Inteligência, onde se lê: “Minha resposta foi claramente errônea - por isso, peço desculpas. Eu agora posso dizer abertamente que é correto, porque a existência do programa de coleta de metadados foi desclassificada.”

Clapper certamente não percebeu, mas sua carta de confirmação, com explícito mea culpa, foi um presente de aniversário para o “alvo” da maior caçada humana empreendida pela NSA no momento: naquele dia, Snowden completou 30 anos.

‘Informante sem limites’

Os documentos internos da NSA indicam que as coletas de dados no Brasil e em outros países têm sido realizadas com um programa de computação desenvolvido para espionagem a partir dos pontos de conexão dessa estrada global que é a internet. A agência deu a esse software o codinome de Fairview. Não é o único aplicado na rotina de interceptações de sinais digitais.

Outro software é conhecido como X-Keyscore. Ele usa mais de 700 servidores espalhados pelo mundo. É aplicado nas operações sobre o Brasil e mais centena e meia de países, segundo documentos internos da agência. Permite, por exemplo, o rastreamento de mensagens enviadas do Brasil em inglês, árabe ou chinês, assim como de correspondência eletrônica redigida em português, russo ou alemão. Polivalente, é ferramenta útil para um espião que, de uma sala em Brasília, Bogotá ou em Washington, esteja empenhado em seguir os passos do seu “alvo” mundo afora - inclusive em tempo real, por exemplo, quando ele está procurando no Google Maps um endereço qualquer numa avenida de Teerã. Mais de 300 supostos terroristas já foram “capturados usando Inteligência gerada pelo X-Keyscore”, segundo a agência. Não é possível, entretanto, confirmar essa informação.

A guerra ao terror em escala global tem sido a justificativa política permanente para expansão de investimentos na ciberespionagem, direcionados a um complexo privado, florescente e bilionário. Para a NSA, o resultado se traduz em constante avanços, como é o do programa Boundless Informant (“informante sem limites”, na tradução). Numa apresentação interna, de julho de 2012, a agência descreve os benefícios do programa: “Usa a tecnologia do Big Data para coletar sinais na nuvem e produzir informação próxima ao tempo real”. Em seguida há um tópico denominado “perguntas-chave”, com as seguintes questões: “Quantos registros são coletados por unidade (um satélite estrangeiro) ou país? Que ativos coletar contra um país específico?”

O Boundless Informant rastreia e-mails (classificados sob a sigla DNI) e ligações telefônicas (classificadas com o acrônimo DNR). Em março de 2013, o grampo de telefonemas e mensagens eletrônicas através deste programa chegou à quantidade de 3 bilhões nos Estados Unidos. Não há como determinar o número de rastreamentos ocorridos no Brasil, embora seja razoável supor que tenha ultrapassado - e muito - a casa do milhão. Em mapa, na escala de coloração que determina a quantidade de material interceptado, a agência localiza o Brasil logo após os EUA. É a prioridade da NSA em espionagem na América Latina.

Na sexta-feira, em Washington, O GLOBO questionou James Clapper, diretor de Inteligência Nacional - a quem a NSA está subordinada - sobre as atividades de espionagem no Brasil. Pela assessoria, e por escrito, Clapper informou que “o governo americano vai responder através de canais diplomáticos aos nossos parceiros e aliados nas Américas”. Acrescentou, no comunicado: “Não vamos comentar publicamente sobre atividades específicas de inteligência, mas como política, deixamos claro que os Estados Unidos colhem informação de inteligência estrangeira do mesmo tipo coletado por todas as nações”. (Colaborou Flávia Barbosa, de Washington)

Fonte: O Globo