A “Operação Tempestade Decisiva” não fez qualquer alteração decisiva no país, para além de garantir que o Iémen continue a ser um Estado falhado e terreno fértil para organizações como a Al-Qaeda na Península arábica. Por Michael Horton.
 Nas três décadas de conflitos no Médio Oriente, a guerra da Arábia Saudita no Iémen pode ser a mais insensata de todas. A “Operação Tempestade Decisiva”, nome irónico da campanha aérea da Arábia Saudita no Iémen, não levou a qualquer alteração decisiva no país, para além de garantir que o Iémen continue a ser um Estado falhado e terreno fértil para organizações como a Al-Qaeda na Península Arábica. Muito antes do início da “Operação Tempestade Decisiva”, o Iémen, o país mais pobre do Médio Oriente, debatia-se com um conjunto de problemas que vão da severa falta de água, da insegurança alimentar e de uma economia moribunda, a uma antiga insurgência em múltiplas frentes. A guerra desencadeada pelos sauditas no Iémen exacerbou todos estes problemas e pode mesmo ter sido o golpe de misericórdia a um Iémen unificado e relativamente estável.
Em 21 de abril, o governo da Arábia Saudita anunciou abruptamente que punha fim à “Operação Tempestade Decisiva” e retrocedia da campanha aérea no Iémen. A “Operação Tempestade Decisiva” será substituída pela “Operação Restaurar a Esperança”, um nome infeliz para uma operação militar, porque foi também o nome da desastrada intervenção dos Estados Unidos na Somália. Não é claro o objetivo que visa a “Operação Restaurar a Esperança”; contudo, a primeira fase da guerra da Arábia Saudita no Iémen teve muito maus resultados.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, mais de 900 pessoas morreram no Iémen desde que a campanha aérea começou em 25 de março. Além disso, 150 mil iemenitas tiveram de abandonar as suas casas e o número de pessoas em insegurança alimentar aumentou para mais de 12 milhões. Devido ao atual bloqueio dos portos – o Iémen importa mais de 90% da sua comida – os preços dos produtos básicos da alimentação dispararam e há uma escassez generalizada. Em Aden, onde as temperaturas habitualmente são altíssimas, a maioria da cidade de mais de 500 mil habitantes não tem acesso à água. Pelo país, está esgotado o abastecimento de gasolina e de gás. Os hospitais, que já lutavam com a falta de medicamentos e de géneros, têm agora pouco ou nenhum combustível para manter o funcionamento dos geradores. Os pacientes internados nas Unidades de Cuidados Intensivos irão provavelmente morrer, porque os equipamentos de suporte à vida não funcionam por falta de eletricidade.
Os pacientes internados nas Unidades de Cuidados Intensivos irão provavelmente morrer, porque os equipamentos de suporte à vida não funcionam por falta de eletricidade.
A Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA) foi, até agora, a única beneficiária desta guerra. No sudoeste do país, na governadoria de Hadramawt, a Al-Qaeda na Península Arábica tomou a quinta maior cidade do país, Mukalla, e assumiu também o controlo do aeroporto e do porto da cidade. A “Operação Tempestade Decisiva” tomou os houtis como alvo, uma milícia zaidista1 inimiga jurada da Al-Qaeda. Os bombardeamentos aéreos praticados pela Arábia Saudita também procuraram atingir os elementos das Forças Armadas iemenitas que são aliados dos houtis e do ex-presidente iemenita Ali Abdullah Saleh. Estas mesmas unidades militares, incluindo a Força Aérea iemenita, que foi quase totalmente destruída, eram também decisivas para combater a AQPA e os seus aliados. A “Operação Tempestade Decisiva” neutralizou as duas forças responsáveis por impedir o avanço da AQPA através de amplas regiões do Iémen oriental e do Sul.
Que esperavam conseguir os sauditas com a “Operação Tempestade Decisiva”? O governo da Arábia Saudita alegou que o objetivo da sua operação militar contra o Iémen era restaurar o hoje exilado governo do presidente iemenita Abd Rabbuh Mansur al-Hadi, que fugiu do Iémen para a Arábia Saudita a 25 de março.
Porém, o regresso do governo de Hadi, que tinha pouco apoio antes de ter abertamente pedido aos sauditas e seus parceiros para bombardearem o seu próprio país, parece improvável. Hadi, durante muito tempo o vice-presidente de Saleh, foi escolhido para este cargo por uma razão: não tem base no Iémen. É do Sul e não tem ligações com as poderosas tribos baseadas no Norte. Sendo do Sul, alinhou com Saleh e com o Norte na guerra civil de 1994, e é visto como um traidor por muitos no Sul.
Também é importante notar que os chamados apoiantes de Hadi que estão a combater as milícias houti e os seus aliados no Iémen do Sul, lutam sob a bandeira da República Democrática Popular do Iémen2. A maioria dos que combatem em Aden e outras cidades do Sul não o fazem por Hadi, mas pela independência em relação ao Norte, devido a uma longa lista de queixas não resolvidas. Até uns poucos meses antes da sua partida para a Arábia Saudita, as forças de segurança sob o controlo de Hadi perseguiam e prendiam militantes do al-Hirak, o Movimento Separatista do Sul.
O segundo objetivo da campanha aérea saudita era forçar o desarmamento dos houtis, tão improvável de alcançar quanto a restauração do governo de Hadi. Os houtis travaram seis guerras contra as Forças Armadas iemenitas desde 2004 e combateram com sucesso as forças sauditas em 2009-10. Apesar de a guerra aérea saudita ter destruído algumas das capacidades militares houtis e de ter podido provocar a perda do apoio limitado, já de si discutível, que eles e os seus aliados tinham, de forma alguma os derrotou, pelo contrário.

Depois de bombardearem o Iémen durante quase um mês, acendendo o que pode vir a ser uma guerra civil prolongada, o governo da Arábia Saudita pode finalmente ter chegado à conclusão de que a única forma de avançar é pelo diálogo e a negociação. Nenhuma fação ou partido iemenita é capaz de assumir o controlo do país, mesmo com o apoio de uma potência regional, seja a Arábia Saudita ou o Irão. O ex-presidente iemenita Ali Abdullah Saleh, mestre da política maquiavélica e com um enciclopédico conhecimento das tribos e clãs iemenitas, nunca foi capaz de exercer o controlo total sobre o Iémen. Durante grande parte dos 33 anos em que esteve no poder, Saleh era ironicamente chamado de “o presidente da câmara de Sana”, porque o exercício do seu mandato não ia muito além da capital iemenita. Sob muitos aspetos, o Iémen pode ser descrito como um “asilo de liberdade”. Historicamente, o poder foi disperso por várias fações. Esta dispersão de poder milita contra a existência de uma autoridade forte e centralizada.
Numa entrevista à Russia Today em 19 de abril, Jamal Benomar, que renunciou ao cargo de conselheiro especial para o Iémen três dias antes, afirmou que as negociações entre todos os partidos estavam em curso e aproximavam-se com êxito de uma conclusão interina antes que começasse o bombardeamento do Iémen. Num discurso em 19 de abril, o líder houti, Abdul Malek al-Houthi, descartou a rendição mas disse que mantinha a abertura para negociações. O Congresso Geral do Povo, o partido que governara antes o país, e o seu ex-líder, Ali Abdullah Saleh, fizeram um apelo a que fossem retomadas as negociações.
O Iémen tem um rico conjunto de tradições que, quando as deixam funcionar, podem limitar os conflitos e favorecer acordos negociados. Estas tradições foram postas em evidência durante o levantamento popular de 2011, o qual, apesar de violento, não levaram, na altura, ao tipo de guerras civis violentas e brutais que submergiram a Líbia e a Síria. A guerra da Arábia Saudita no Iémen, se continuar, pode abalar muitas destas tradições e fazer do Iémen a próxima Síria ou Líbia. No mínimo, a guerra já levou à morte de centenas de civis, destruiu importantes infraestruturas, empobreceu milhares de iemenitas e permitiu que a Al-Qaeda da Península Arábica expanda dramaticamente as áreas sob o seu controlo.
Michael Horton é analista do Médio Oriente.
Artigo publicado no Counterpunch
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net.
1Seita xiita, moderada, atualmente maioritária apenas no norte do Iémen, mas minoritária no conjunto do país que é de maioria sunita. No passado, esse grupo ocupava partes da antiga Pérsia, principalmente nas regiões em torno do Mar Cáspio.
2 A República Democrática Popular do Iémen, também conhecida simplesmente por Iémen do Sul, era uma república que se declarava socialista e se situava nas atuais províncias meridionais e orientais do Iémen. Em 22 de Maio de 1990 integrou-se na República do Iémen, que resultou da unificação entre a República Árabe do Iémen (ou Iémen do Norte) e a República Democrática Popular do Iémen (ou Iémen do Sul).   

Do Vermelho