O que estariam fazendo mais de 60 cientistas, entre geólogos, arqueólogos e astrônomos, vestidos em roupa de praia e equipados com instrumentos de mergulho? A reunião inusual aconteceu no último final de semana na baía de Angra dos Reis, no litoral sul do estado do Rio de Janeiro, e teve como propósito buscar fragmentos de um dos meteoritos mais raros do mundo, que caiu na região há 150 anos.
A pedra, conhecida como Angra dos Reis, inaugurou a classe inteira de meteoritos chamada de angrito, em referência à cidade. Até 1986, ela era a única representante do grupo, que hoje conta com pouco mais de 20 meteoritos reconhecidos. Por sua raridade, o grama do meteorito está avaliado hoje em 10 mil dólares no mercado de colecionadores.
Segundo relatos históricos, o Angra dos Reis caiu no mar a apenas dois metros de profundidade em frente à Igreja do Bonfim em 1869. Dr. Joaquim Travassos, um médico que passava pelo local, viu a queda e mandou que seus escravos mergulhassem para pegar o projétil. Dois pedaços da pedra, de cor arroxeada, foram recuperados e, pelo encaixe, especulou-se que existiria ainda uma terceira parte no fundo da baía.
Um dos pedaços está hoje sob a guarda do Museu Nacional/ UFRJ, de onde já chegou a ser roubado em 1997 pelos norte-americanos Ronald Edward Farrelle e Frederick Marselli. Os pesquisadores levaram sua coleção de meteoritos ao museu com a desculpa de propor trocas entre os acervos, uma prática comum na área. Mas, enquanto olhavam a coleção brasileira, sorrateiramente pegaram o Angra dos Reis e colocaram uma réplica no seu lugar.
Os larápios já estavam prontos para deixar o país quando a troca foi percebida pela astrônoma do museu Elizabeth Zucolotto, que coordenou a recente expedição à Angra e, na época, chegou a dar carona para os visitantes até o aeroporto.
“Quando vi o que eles tinham feito, voltei para o aeroporto e, com muita dificuldade, convenci os policiais federais a procurar por eles”, conta a pesquisadora, que hoje é responsável pela guarda do meteorito. “Depois de horas, a polícia encontrou o Angra dos Reis com a numeração raspada dentro de uma caixinha, dentro de uma meia, dentro de um sapato na mala de um deles.”
O segundo pedaço do meteorito retirado da baía se perdeu. Depois de resgatado, Travassos o deu a seu sogro e a pedra foi sendo passada de geração a geração da família. A historiadora Regina Dantas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), chegou a fazer, sem sucesso, uma pesquisa em busca do paradeiro do meteorito.
“Viajamos, falamos com pessoas da família e, por fim, descobrimos que um parente do Travassos que poderia saber da pedra era, na verdade, pesquisador do Museu Nacional!”, conta. “Mas quando fomos atrás dele, ele tinha acabado de falecer. Reviramos caixas e mais caixas de papéis do seu escritório e, infelizmente, não achamos nada que pudesse nos dizer onde o meteorito estava. Essa pedra pode estar em qualquer lugar.”
Para deixar a história ainda mais sinuosa, Dantas descobriu que, em 1888, o Papa León 13 recebeu de presente um meteorito chamado Angra dos Reis. Entretanto, a pesquisadora garante que a pedra, em exposição no Vaticano, não é o tão raro angrito, mas um condrito, tipo mais comum de asteroide.

Testemunha do início

Além da raridade quantitativa, o Angra Reis tem grande importância científica. Quando datado, na década de 1970, soube-se que o meteorito tem cerca de 4,56 bilhões de anos e teria se formado alguns milhões de anos depois da formação da nuvem protosolar, conjunto de gás e poeira que deram origem ao nosso sistema solar.
“É uma rocha muito antiga e incrível que nos conta como se deu o rápido processo de aquecimento e esfriamento nesse período”, comenta Klaus Keil, geólogo da Universidade do Havaí (EUA) e um dos primeiros cientistas a estudar o meteorito à luz das técnicas contemporâneas da ciência no grupo de pesquisa jocosamente batizado de The ADORables (os adoráveis, em inglês), em referência à sigla de Angra dos Reis (ADOR).

Desde então, o Angra dos Reis já foi estudado por muitos grupos de pesquisa internacionais, o que lhe custou algumas gramas a menos para cada amostra retirada. Dos 400g que a pedra tinha quando foi encontrada, restaram cerca de 70 gramas no Museu Nacional.
“Se encontrássemos mais fragmentos, não teríamos que economizar tanto e poderíamos inclusive refazer a datação por métodos mais precisos, o que não podemos fazer hoje com a quantidade de material que temos”, explica Zucolotto.

Sem pistas sobre o segundo pedaço do meteorito perdido na família Travassos, resta aos pesquisadores buscar pelo suposto terceiro fragmento que estaria na baía de Angra. Mas a tarefa é hercúlea: encontrar uma pedrinha escura de cerca de meio quilo e 8 cm de diâmetro no fundo de uma baía.
“É como achar uma agulha no palheiro, um sonho que só pode se realizar com ajuda divina”, apela a astrônoma. “Se o meteorito fosse metálico, poderíamos usar um detector de metais para encontrá-lo, mas ele é uma pedra no meio de tantas outras centenas de milhares que estão lá.”
Não é de se admirar que a busca do final de semana tenha se revelado infrutífera. Mas Zucolotto, que já tinha mergulhado em busca da pedra outras vezes, não desanima e insiste na procura. “Em buscas anteriores, encontramos pedaços de louça da época, o que mostra que não houve movimento significativo das águas e areias em cem anos”, explica. “Tenho certeza de que, continuando esse trabalho, vamos encontrar o meteorito.”
Tesouro oficial
Deve ter passado na cabeça do leitor mais desconfiado a dúvida: se alguém encontrasse o meteorito, por que não guardaria segredo e tentaria obter lucro com a pedra para si? Acontece que, para ter valor legal e ser oficialmente reconhecido como meteorito, o fragmento precisa ser submetido à análise de um laboratório autenticado cujo laudo deve ser aprovado por um comitê da Meteoritical Society e publicado no Meteoritical Bulletin. Além disso, é necessário que uma amostra de pelo menos 20 gramas (ou 20% do meteorito) fique sob a tutela de um museu credenciado, como o Museu Nacional.

Por: Sofia Moutinho - Do: Ciência Hoje On-line