Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) colocou em consulta pública, nesta quarta-feira (2), a primeira proposta de regulamentação de aeronaves não tripuladas. Conhecidas como drones ou Veículos Aéreos Não Tripulados (Vant), essas aeronaves de uso cada vez mais popular ainda não estão regularizadas no Brasil. Para o professor João Batista Camargo Júnior, pesquisador de análise e segurança da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), é hora de parar de pensar em drones como brinquedos e interpretá-los como aeronaves, avaliando os riscos com o mesmo rigor que se tem com helicópteros e aviões. Segundo Camargo, já há tecnologia para o uso civil e comercial de drones, mas apenas os que são controlados remotamente. Aeronaves completamente autônomas só deverão ser integradas ao espaço aéreo num horizonte de 20 ou 30 anos.
ÉPOCA – Nós já temos tecnologia e conhecimento para incluir os drones no espaço aéreo com segurança?
João Batista Camargo Júnior –
 Para integrar totalmente no espaço aéreo, ainda não. O que está acontecendo por enquanto no exterior é autorizar os Vants apenas quando são remotamente controlados. Ou seja, tem que ter um piloto em terra que está controlando o Vant e ele tem que manter o contato visual. Drone totalmente autônomo nenhum país está permitindo. Acredito que a regulamentação da Anac será nessa linha, ela não vai arriscar liberar geral porque isso pode causar acidentes.
ÉPOCA – Mas considerando apenas os Vants remotamente controlados. Eles são seguros?
João Camargo – 
Tudo vai depender da categoria da aeronave, do peso, do uso. Isso tem que estar bem estabelecido. Precisa ter uma certificação específica para saber se aquele drone só pode ser usado em áreas remotas ou se pode ir para uma área habitada. Se ele vai ser usado para jogar agrotóxico em plantações, é uma categoria, um tipo de risco. Se for usado para monitorar movimento de multidão, aí há um risco muito maior. Pense num Vant de 20 quilos, 30 quilos. Dependendo da altura, da velocidade, ele pode matar alguém.
Muitas coisas precisam ser avaliadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, eles têm problemas por conta do terrorismo. Qualquer aparelhinho desse pode levar uma bomba. Aqui no Brasil essa preocupação não é tão forte, mas a gente já ouviu falar de tentativas de usar drone para levar celular em presídio. Na hora de certificar, temos que pensar nas pessoas com boas intenções mas também no lado negativo. É um desafio. Até um tempo atrás, todo mundo encarava como um brinquedo. E não é um brinquedo, é uma aeronave.
ÉPOCA – Que tipo de medida básica pode ser tomada para impedir acidentes?
João Camargo – 
Quanto maior o peso do Vant, e dependendo da aplicação dele, mais será exigido no processo de certificação. Exigir mais significa que ele terá redundância para funcionar caso uma parte falhe. Vou dar um exemplo. Vamos dizer que estamos operando um Vant controlado remotamente e de repente a comunicação falha. Pode acontecer. Isso precisa estar previsto. Podemos exigir que ele tenha uma programação que o faça retornar ao ponto de origem se a comunicação falhar. É um desafio no processo de certificação, que terá que avaliar peso, categoria, aplicação e as condições de falhas, o que deve ser feito em caso de falha.
É importante do ponto de vista da segurança saber como é feito o controle da aeronave. Por exemplo, o Vant que o Brasil comprou de Israel é uma aeronave enorme. Eles estão voando para verificar a fronteira. O que o controle de tráfego aéreo fez? Isolou o espaço aéreo na região que esse drone da Polícia Federal opera e colocou um controlador de tráfego aéreo só para isso. O Exército também está interessado em Vants para controle da fronteira na região Norte. Para eles, esse tipo de fiscalização é uma maravilha porque não precisa deslocar tropas. 
ÉPOCA – Nesse caso são drones militares. Mas falando em operações civis. Um drone para operação comercial, por exemplo, poderia voar abaixo do espaço aéreo? Tem como ele não entrar em conflito com aviões?
João Camargo –
 Sim, isso é possível, mas depende do local. Em São Paulo, por exemplo, seria loucura. São Paulo é a única cidade do mundo que tem regras para helicóptero. Antigamente, era muito comum voo pousando em Congonhas arremetendo por causa de alarme de falsa colisão. Um helicóptero passava e os aparelhos da aeronave alertavam como risco de colisão. São Paulo é a primeira – ou segunda – cidade em número de helicópteros e, como o aeroporto de Congonhas é muito central, tiveram que criar uma regra para os helicópteros. Por isso Vant, na cidade de São Paulo, é uma coisa que não se pensa por enquanto. É uma loucura. O que se pensa no momento é o uso de Vants de pequeno porte, para uso local, por exemplo em lavouras. Coisas desse tipo.
ÉPOCA – Quanto ao Vant autônomo, sem piloto. O senhor acredita que ele será uma realidade para o uso civil no futuro?
João Camargo –
 Acho que vai virar realidade no uso de transporte de carga, com rotas bem definidas. No futuro, em 20 ou 30 anos, teremos Vants no espaço aéreo controlado. Uma mudança que vai ocorrer em breve na aviação é substituir a comunicação por voz pela comunicação por dados. Sem a comunicação por voz, por exemplo, desaparece aqui no Brasil o problema causado por rádios piratas. Na hora que isso acontecer, um Vant de grande porte voando no espaço comercial poderá se comunicar, por dados, com os controladores de voo e com outras aeronaves. Outra coisa que pode acontecer, já há estudos nessa linha, é pensar nessa tecnologia para a segurança de aviões tripulados. Esse último acidente que aconteceu na Europa, em que o piloto derrubou o avião... já há gente pensando que nesses casos o controle de tráfego aéreo poderia assumir o controle da aeronave. Se ele perceber que o piloto está realmente fazendo besteira, tira o controle do piloto e a aeronave passa a funcionar como um Vant. Claro que isso cria também uma brecha: e se o terrorista for o controlador de voo? As aeronaves hoje já são bastante automatizadas. Um avião é quase um Vant, tanto que é muito mais comum que acidentes sejam por falha humana. Essas coisas estão longe ainda, estamos falando de 30 anos, mas é o caminho.

De Epoca