A 164km do Congresso Nacional, na base da Força Aérea Brasileira (FAB), em Anápolis (GO), caças supersônicos desafiam a gravidade diariamente em combates dignos de cinema. Por cerca de uma hora, são disparados tiros e bolas de fogo – para desviar mísseis infravermelhos. Há até reabastecimento das aeronaves no ar.
A ação faz parte do treinamento de combate dos militares do 1º Grupo de Defesa Aérea (1° GDA), também conhecido como Esquadrão Jaguar. Os exercícios são realizados para manter excelência e fazer com que os pilotos atuem com exatidão na proteção do Centro-Oeste.
Desde que a Lei do Abate foi sancionada, em 2004, a FAB já fez mais de 2 mil interceptações de aeronaves suspeitas que cortam os céus do país. É quase uma ação a cada dois dias.
A norma estabelece que, se o piloto oponente se recusar a seguir as ordens da defesa aérea, é iniciada uma série de procedimentos que podem resultar até mesmo em um tiro de destruição, geralmente fatal.

O Metrópoles acompanhou por um dia os militares que atuam a bordo da aeronave F-5M, no município goiano. Conhecidos como “caçadores”, eles mantêm uma rotina rígida e sacrificam, muitas vezes, a vida pessoal em nome da Pátria.

Alerta
Dentre as atividades executadas pelo Esquadrão Jaguar, existe uma função de extrema importância e que demanda habilidade, rapidez e perícia. A cada dia, um dos pilotos ocupa o cargo chamado de “alerta”. O militar que está nessa posição trabalha em um período de 24h, ininterruptamente.
Esse militar fica em uma sala com todas as vestimentas necessárias para realizar o voo de emergência. Ele precisa estar pronto para quando a sirene tocar. O aviso geralmente é dado quando há uma invasão do espaço aéreo. Nesse caso, as aeronaves da FAB devem fazer uma interceptação.
Dado o alerta, o piloto tem de correr e decolar no menor tempo possível, geralmente, em menos de cinco minutos. O caça usado no serviço de alerta já fica preparado e foi averiguado com antecedência para sanar eventuais problemas.
A agilidade é tão necessária que uma bicicleta fica perto da saída do esquadrão para auxiliar no deslocamento do plantonista até a aeronave. A reportagem perguntou ao piloto, que não pode ser identificado, como ele se sente ao ouvir o barulho da sirene. Sem titubear, respondeu: “Correr”. Quando acionado, o militar nunca sabe se a missão é real ou de treinamento. Em todas as situações, o acionamento é executado com máximas agilidade e dedicação.

 



“Muitas vezes, o piloto que é interceptado não sabe que há uma aeronave da FAB o acompanhando”, afirmou o tenente-coronel aviador Paulo Cezar Fischer da Silva, comandante do 1º GDA. Segundo ele, primeiramente o militar precisa cumprir as medidas de averiguação, que consistem em verificar visualmente o tipo e a matrícula da aeronave. 

Se houver necessidade de mais informações, o caça sobrevoa no campo de visão do piloto. “Neste momento, a frequência do rádio deve ser alterada para que os questionamentos acerca da rota, tipo de missão e tripulação sejam feitos”, acrescentou o comandante do Esquadrão Jaguar.

Apoio em solo
Além do piloto, uma grande equipe de apoio é mantida em alerta. Os que executam esse serviço permanecem durante todo o plantão no esquadrão. São eles: mecânico da aeronave, mecânico de armamento e auxiliar do mecânico. O grupo, literalmente, corre contra o tempo para providenciar a decolagem o mais rapidamente possível.

Cada um tem responsabilidades bem definidas. Aos mecânicos cabe manter a aeronave pronta para o acionamento, possibilitando a partida dos motores e a ativação dos sistemas de armamento em tempo recorde para permitir uma decolagem imediata e segura.
Para participar da escala de alerta, os militares devem ser qualificados operacionalmente na aeronave. Isso envolve a realização de um curso com aproximadamente um ano de duração, no qual são submetidos a provas teóricas, voos de treinamento em simulador e, depois, na aeronave.
Turbilhão de sensações
Uma vez dentro do caça, o piloto está sujeito às mais diversas situações. Nem mesmo o ar-condicionado da aeronave é capaz de amenizar a grande perda de água do organismo. A cabine é estreita e as manobras executadas exigem um excelente condicionamento físico.

“Os nossos militares passam por treinamentos físicos específicos, pois há um grande impacto no organismo a cada voo”, disse o tenente-coronel aviador Paulo Cezar Fischer da Silva. Ele explica que os pilotos também precisam de muita concentração. “É necessário foco para executar o que lhe foi ordenado, uma vez que ele não tem autonomia para decidir sobre o que vai fazer. Apenas informa as condições ao controlador e cumpre o que é determinado”, acrescentou.

Ao enfrentar a força da gravidade, chamada de Força G, os militares podem chegar a desmaiar dentro das aeronaves. As roupas usadas por eles, no entanto, inflam e fazem com que os pilotos recobrem a consciência em um intervalo de tempo mais rápido. Além das condições físicas, outro obstáculo na vida de quem decide seguir a profissão é a carga horária extensa, além das constantes mudanças de endereço.
Em 23 anos de serviço, já fui transferido nove vezes. É complicado para o filho continuar na escola, a esposa conseguir emprego. Mas se há quem permaneça na profissão é porque alguma compensação tem. As pessoas que estão aqui amam o que fazem" - Tenente-coronel aviador Paulo Cezar Fischer da Silva (foto ao lado)
 
Narcotráfico
Dentre as aeronaves interceptadas por não estarem de acordo com as normas da defesa aérea, estão os aviões, geralmente de pequeno porte, usados por narcotraficantes no transporte da droga. O último caso no qual o Esquadrão Jaguar participou, dando cobertura a uma equipe de Campo Grande (MS), foi em 25 de junho deste ano.
Um avião bimotor foi interceptado na região de Aragarças (GO). Ele carregava 50kg de cocaína. O integrante do Jaguar seguiu o protocolo das medidas de policiamento e interrogou o piloto do bimotor. O militar determinou a mudança de rota e o pouso obrigatório no aeródromo de Aragarças.
Inicialmente, a aeronave interceptada seguiu as instruções da defesa aérea, mas em vez de pousar no aeródromo indicado, arremeteu.
O militar da FAB novamente comandou a mudança de rota e solicitou o pouso, porém o avião não respondeu. A partir desse momento, a atitude do piloto do bimotor foi classificada como hostil.
A aeronave da FAB executou o tiro de aviso – uma medida de persuasão para forçar a aeronave interceptada a cumprir as determinações da defesa aérea – e voltou a comandar o pouso obrigatório.

O avião interceptado novamente não respondeu e pousou na zona rural do município de Jussara, interior de Goiás. No local, a polícia apreendeu a droga. O piloto também foi localizado e preso. A interceptação da aeronave se deu na Operação Ostium.
A investigação é coordenada pelo Comando de Operações Aeroespaciais (Comae), da Aeronáutica, em conjunto com a Polícia Federal e outros órgãos de segurança e mira voos irregulares que possam estar ligados a crimes como o narcotráfico. A FAB acredita que após a operação, o tráfico na fronteira do país diminuiu em até 80%.
 Gripen
Atualmente, a grande expectativa dos pilotos brasileiros é com relação à chegada de 36 novos caças, o sueco Gripen NG de múltiplo emprego. O modelo é supersônico monomotor projetado para missões no ar, ar-mar e ar-solo, sob quaisquer condições meteorológicas.

A previsão é de que os caças sejam entregues à Força Aérea Brasileira entre 2019 e 2024. A principal base de operações do Gripen será na Ala 2, antiga Base Aérea de Anápolis, podendo operar a partir de pistas de pouso espalhadas em todo o país.
Com 14,1m de comprimento e 8,6m de largura, o Gripen NG atinge mais de duas vezes a velocidade do som e possibilitará que os pilotos da FAB sintam até nove vezes a força da gravidade quando fizerem manobras.
 O espaço onde funciona o 1ª Grupamento de Defesa Aérea em Anápolis respira história. A estrutura foi inaugurada em 1972. A primeira aeronave usada nesse serviço foi o F-103 Mirage III, escolha que teve o objetivo de criar a primeira unidade de interceptação da América Latina.

Os moradores mais antigos de Anápolis lembram com nostalgia do caça histórico que pousava por lá. “Somos acostumados a acordar com os barulhos dos caças. O Mirage sempre foi motivo de orgulho para todos que moram aqui”, disse uma oficial da Aeronáutica que também é moradora da cidade.