O  desaparecimento do submarino ARA San Juan há 12 dias pôs em evidência uma crise que perdura há 30 anos na Argentina: a falta de investimentos nas Forças Armadas, propositadamente sucateadas no retorno do país à democratização após a ditadura militar (1976-1983).
Sistemas superados em termos de geração, quase no fim da vida útil ou até inoperantes; instalações semiabandonadas, brigadas incompletas; e fuga de militares para o setor privado devido aos baixos salários são problemas apontados por especialistas.
Por isso, para o cientista político e analista de defesa argentino Mariano González Lacroix, o incidente com o San Juan não é um caso isolado.
"Qualquer sistema de armas pode ter um acidente ou um problema técnico como o relatado no San Juan, uma falha de bateria, uma entrada de água. Mas não se pode ignorar a questão de um setor que não vê investimentos há 30 anos e cujo orçamento cai a cada ano", disse à
Em artigo no "Clarín" na última sexta (24), o jornalista marplatense Jorge Lanata escreveu que o San Juan "começou a afundar no dia 30 de outubro de 1983", aludindo o dia do retorno à democracia. "Desde então, os argentinos não sabemos o que fazer com as Forças Armadas."
Já para o analista político Julio Burdman, vincular uma questão a outra é manipular a opinião pública. "Não sabemos se o que houve tem a ver com a política de defesa ou o gasto militar. Que a Argentina gaste pouco com suas Forças Armadas explica termos três submarinos e não 50, mas não um acidente", diz.
"Ademais, tudo indica que o submarino estava em boas condições e não era velho. Macri está promovendo um ajuste fiscal. Como conjugar isso com um aumento do gasto militar? É difícil", acrescentou. "Me parece feio usar a tragédia para lobby."
Hoje, o orçamento de defesa da Argentina é de 0,6% do PIB, o que dá cerca de US$ 5 bilhões, sendo que 85% desse valor cobre pessoal e 15% se destina a bens, serviços e à manutenção de instalações.
Trata-se do menor gasto militar sobre o PIB em toda a América do Sul e, em níveis absolutos, enfrenta perdas devido a um câmbio desfavorável em relação ao dólar e por causa da inflação.
No início da década de 70, o gasto pairava em 1,5% do PIB. Na ditadura, foi a 2%, inflado pela repressão, pelo conflito com o Chile pelo canal de Beagle e depois pela Guerra das Malvinas (1982).
Com a volta da democracia, o índice se manteve em torno dos 2% até o fim dos anos 80. A Argentina mudou então a relação política com as Forças Armadas, e o índice começa a cair: passa os anos 90 em torno de 1,30%, entra o ano 2000 com 1,15% e, após a histórica crise argentina, bate em 0,7% em 2015.
Os dados constam do estudo "Os frios números da política de defesa argentina", publicado por Gonzáles, com base em dados do Ministério da Economia e do Instituto Internacional de Estocolmo para a Investigação da Paz.
"Os gastos militares da década de 1970 até o começo da década de 1980 (...) marcaram a base de capital e de investimento em defesa nacional até o dia de hoje", diz o texto.
"Grande parte do parque de sistemas de armas adquiridos durante esse período continua conformando o grosso operativo até 2016, junto aos gastos brevemente posteriores à Guerra das Malvinas, anos de reposição de material pelas perdas geradas pelas forças britânicas", continua.
"Esse parque de sistemas atualmente em uso mas planejado e adquirido quatro décadas atrás gera um desafio importante para os comandos [militares] e o próprio poder político, sabendo-se que o próprio tempo amplia o custo futuro das trocas das unidades em função dos sistemas antigos."
É nas Forças Aéreas que ocorre a maior fuga de oficiais para o setor privado. Eles saem em busca de melhores salários, que podem subir de cerca de 30 mil pesos (R$ 5.600) para 90 mil pesos (R$ 17 mil). Também fogem do mau estado das aeronaves - há relatos de pilotos voando sem assento ejetor, por exemplo.
Também foi registrada uma alta saída de militares do Exército para a Polícia Metropolitana.
"A vida dos militares depende do dinheiro que o Estado investe em suas forças", diz Gonzales. "Se isso não ocorre, veja o que acontece."
 Da Folha