Segurança desacelera plano
de foguete brasileiro
RAFAEL GARCIA
Enviado especial da Folha de S.Paulo a São José dos Campos
A cultura de segurança que se instaurou no programa do foguete brasileiro VLS (Veículo Lançador de Satélites) após o acidente que matou 21 pessoas em 22 de agosto de 2003 deixou os trabalhos mais lentos. O cronograma apresentado pelo IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço) prevê agora que um lançamento completo possa ocorrer só em 2012, após o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 2010, o foguete já estará em sua plataforma no Centro de Lançamento de Alcântara (MA), mas não será lançado. "Vai ser montado com todos os sistemas elétricos, já na configuração da interface do foguete com a torre, para tudo ser retestado sem ele estar com nenhuma carga explosiva", diz o coronel-engenheiro Francisco Pantoja, novo diretor do IAE.
"Essa mudança dá mais segurança, mas você tem que ter mais tempo para fazer as coisas."
O combustível inflamável do VLS, diz, deve ser colocado no veículo só em 2011, e este ano não ocorrerá lançamento com trajetória completa do foguete. "Ele não vai voar como teria voado na concepção anterior", diz Pantoja, explicando que o foguete tem propulsores que funcionam em quatro estágios diferentes até entrar em órbita. "Em 2011, faríamos um teste tendo só o primeiro estágio real", afirma.
Propulsor do VLS que passou por uma revisão de projeto; dispositivo vai ser testado em São José dos Campos em setembro |
Se tudo der certo, em 2012 o VLS já poderá subir carregando um satélite experimental. Depois disso, já estaria qualificado para colocar um satélite real em órbita. Mas o cronograma já não é tão rígido.
"Se vamos colocar esse foguete pronto para ser testado é porque estamos admitindo que um novo conhecimento sobre esse sistema nós vamos obter", diz o coronel. "Eu posso perceber que alguma coisa não está boa. Aí, teremos de melhorar. É para isso que fazemos o teste. Não é só uma coisa pró-forma."
Essa postura pública de maior cautela aparentemente é uma qualidade nova no programa espacial. Um mês após o acidente de 2003, o então ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, ainda prometia que o VLS voaria até 2006, antes de acabar o primeiro mandato de Lula. Não voou.
O presidente da República poderá ainda estar no cargo quando assistir ao lançamento de um satélite, mas não com um foguete brasileiro. Amaral, que hoje dirige a empresa aeroespacial binacional que a Ucrânia montou com o Brasil, promete agora lançar o modelo ucraniano Cyclone-4 desde Alcântara até 2010. Quem deve faturar sobre o brasileiro VLS-1 é o próximo governo.
A salvo dos raios
Engenheiros estão trabalhando nesta semana nos preparativos para o teste de um dos propulsores do foguete. Será o primeiro depois de ele ter passado por uma revisão de projeto do sistema elétrico, apontado como uma possível causa do acidente com o modelo anterior. Numa operação que exige planejamento cuidadoso, um dos motores do foguete será acionado --preso a uma bancada, para não sair voando-- e filmado para avaliação.
O teste deveria ter sido feito no começo deste mês, em uma instalação do CTA (Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial) em São José dos Campos, mas foi adiado porque o local tinha problemas. "Chegamos lá e vimos que o sistema de proteção contra descargas atmosféricas [raios] não estava conforme a norma", diz Pantoja.
A operação deve ocorrer agora até a segunda quinzena de setembro. "Obviamente, isso tem um custo, que é o de alongar o prazo do ensaio, e há um desgaste, porque prometemos para a sociedade fazer isso naquele momento", diz o coronel.
Segundo ele, porém, a decisão foi acertada pois, naquele fim de semana, choveu na cidade e houve raios e trovões. "É melhor ter o desgaste de não realizar um ensaio no prazo do que correr risco desnecessário."
Pantoja afirma que o IEA sempre buscou esse rigor de segurança, não apenas como reação ao acidente com o VLS em 2003 às vésperas do lançamento. O relatório da comissão externa que avaliou o desastre na época, porém, mostrou que havia um ambiente de descuido na torre do foguete.
Segundo o documento, era permitido que "tarefas de risco fossem realizadas juntamente com outras tarefas" e que CTA e IAE tinham "uma cultura de segurança pouco sedimentada e degradada ao longo dos anos".
Novo centro espacial ainda é clareira na mata
da Agência Folha, em Alcântara (MA)
A dois anos do anunciado lançamento do foguete ucraniano Cyclone-4, as obras do novo centro de lançamento, em Alcântara (a 53 km de São Luís, MA), não passam de uma clareira aberta na floresta.
No local, visitado pela Folha, máquinas cobertas por lona plástica estão paradas. Os tratores foram retirados da área. Não há operários, e apenas um vigilante cuida do patrimônio.
Construída entre as comunidades quilombolas de Mamuna e Baracatatiba, a estrada de acesso à área, de seis quilômetros, está bloqueada há sete meses por troncos e galhos. Os quilombolas da região também arrancaram os marcos de engenharia e agora ameaçam incendiar a clareira onde estão os equipamentos, para plantar mandioca.
Os nativos não aceitam a obra, por acreditarem que serão prejudicados nas suas atividades de subsistência.
A resistência ameaça o cronograma de lançamento do foguete, ato que marcaria a inauguração da empresa binacional Alcântara Cyclone Space, do Brasil e da Ucrânia, a três meses da eleição presidencial.
"Se o empreendimento for realizado, a comunidade acaba", afirma a professora Militina Garcia Serejo, 46, líder do vilarejo quilombola Mamuna.
"A plataforma vai ocupar terra de plantio e impedir o acesso dos pescadores ao mar", declarou ela. Segundo o Ministério Público Federal, o projeto não prevê a retirada das comunidades, mas a construção de sítios de lançamento as vilas.
Segundo o procurador da República no Maranhão Alexandre Soares, a binacional construirá três áreas de lançamento e três para atividades administrativas e institucionais.
No total, serão utilizados 14.000 ha, área superior à da base militar de Alcântara (8.700 ha). Apesar de o governo ter desapropriado 62.000 ha nos anos 1980 para a construção da base, o MPF entende que os quilombolas têm direito à titularidade das terras.
Em 2003, a entidade ingressou com ação na Justiça para tentar obrigar a União a regularizar o território quilombola. Três anos depois, um acordo na Justiça fixou prazo de seis meses para a realização do trabalho. "O prazo não foi cumprido até hoje", disse o procurador.
Em maio, o MPF ajuizou outra ação, solicitando que a construção do novo centro só ocorresse após a regularização.
"O objetivo é permitir que as comunidades discutam o projeto não como posseiras, mas como proprietárias", afirmou Soares. A Justiça ainda não se pronunciou sobre o pedido.
Levantamento feito pelo Mabe (Movimento dos Atingidos pela Base Espacial), aponta a existência de 110 comunidades remanescentes de quilombos em Alcântara, com 12 mil integrantes. A construção do novo centro espacial afetaria 24 vilarejos, diz a entidade.
Procurado ontem pela Folha, o diretor-geral da Alcântara Cyclone Space, Roberto Amaral, não foi encontrado para comentar o assunto.
Centro espacial sairá de área quilombola
da Folha de S.Paulo
Os quilombolas de Alcântara (MA), que não querem obras para o lançamento do foguete ucraniano Cyclone-4 na área em que vivem, conseguiram uma vitória. A empresa binacional Alcântara Cyclone Space, do Brasil e da Ucrânia, decidiu mudar o local do lançamento para evitar atrasos no cronograma. A previsão é lançar o foguete em julho de 2010.
A plataforma será instalada dentro do CLA (Centro de Lançamento de Alcântara). Até então, ela ficaria entre as comunidades quilombolas de Mamuna e Baracatatiua.
As populações tradicionais temem ser prejudicadas nas suas atividades de subsistência. Em 2003, o Ministério Público Federal entrou com ação na Justiça para tentar obrigar a União a regularizar o território quilombola, o que ainda não aconteceu.
"Parte [da área do CLA] está sendo cedida à empresa para o lançamento do Cyclone-4. Agora, vamos nos localizar dentro do próprio CLA, que já existe. Isso facilita porque nós não estamos mais dependendo da regularização fundiária", disse Roberto Amaral, diretor-geral da Alcântara Cyclone Space.
De acordo com ele, que já foi ministro de Ciência e Tecnologia no governo Lula, a data do lançamento foi definida pelo presidente. "Ele determinou que fizéssemos o lançamento até 2010. Enquanto essa questão não se resolve, nós estamos instalando um convênio com o Ministério da Defesa no próprio CLA", disse.
Segundo ele, o processo será agilizado, pois a empresa irá para uma "área já estudada do ponto de vista de estrutura, de topografia". "E não tem problema com a comunidade."
Para que dê tempo de lançar o foguete Cyclone-4 no prazo, as obras dentro do CLA devem começar em 2009. "A parte tecnológica quase toda dispensa licitação, porque são fornecedores únicos. Agora, vamos ter que fazer concorrência para toda a parte de construção civil."
De acordo com o diretor-geral, haverá uma plataforma de lançamento, uma área de segurança, uma área tecnológica, uma parte separada para os combustíveis e local para armazenar os foguetes e as cargas a serem lançadas ao espaço.
A empresa diz que, caso a questão fundiária seja resolvida, pode voltar a utilizar a área entre as comunidades de Mamuna e Baracatatiua.
Rodovia
O foguete está sendo construído na Ucrânia. Ao Brasil cabe cuidar da infra-estrutura para o lançamento. Em vez de esperar a construção de um novo porto, mais próximo, será feita a reconstrução de cerca de 50 km de uma rodovia, a MA-106, para servir à base.
O asfalto dessa rodovia precisa ser bastante resistente --passarão por ali utensílios necessários para a finalização do foguete, além de materiais para a construção da parte física da Alcântara Cyclone Space. O peso de cada caminhão contendo os materiais é estimado em 50 toneladas.
Segundo a empresa, a opção de reconstruir a estrada é mais barata e também mais rápida do que a construção de um porto no local. O governo do Maranhão está com os dados técnicos para a construção da estrada em mãos desde a quarta-feira passada. A empresa diz que o edital de licitação pública para contratar empresa que fará a obra deve ser divulgado em breve pelo Estado.
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