O Colapso da URSS (União Soviética)
De qualquer forma, ao ler os romances de Forsyth sobre as trincheiras e as intrigas secretas da espionagem e política internacional, que na época confrontavam URSS e EUA, criei, é humano torcer para aquele que sempre perde, uma simpatia e curiosidade acerca da União Soviética. Minha curiosidade surgia de imaginar, supor, como era a vida do cidadão comum. Não me satisfaziam as respostas dos professores, a visão particular de Frederick e de outros autores. Além disso, quase que instantaneamente, surge-me a curiosidade acerca do fim da URSS: como tamanho império, como aquela nação que bovinamente perdia em tudo quanto fosse filme para os norte-americanos, embora devolvesse com surras homéricas nas Olimpíadas, como aquele povo que tinha enviado o primeiro satélite à órbita da Terra, o primeiro homem ao espaço, enfim, teria entrado naquele retumbante colapso de 1989 - 1991?
De certa forma, os livros de Forsyth me deram a pista: produção interna de grãos. Por algum motivo, os líderes soviéticos ignoraram, ou não souberam resolver, um grave problema que começou a dar sinais na década de 50. Em resumo, neste artigo aqui, o fim da URSS é uma história que pode ser contada em grãos e petróleo. O artigo é de Yegor Gaidar, primeiro ministro de Yeltsin e membro do governo soviético nos tempos de perestroika.
Li, reli, tropecei na tradução em alguns pontos, mas consegui, mediante o que já conhecia da história e de leituras complementares, compreender decentemente o artigo. Gaidar esmiuça, desde os primeiros momentos da URSS as escolhas que foram feitas e que redundaram no colapso. Basicamente Aleksei Rykov, líder do governo soviético em fins da década de 20 e o líder ideológico do PCUS, Nikolai Bukharin, defendiam a idéia de que deveria-se manter o mercado e a agricultura, possibilitando estabilidade financeira. A idéia, conforme todos sabem, e se não sabem não perdem nada, ficam sabendo agora, foi outra: Stálin mandou matar todo mundo, subiu ao poder e estatizou tudo. Do poste da esquina à maior fazenda que houvesse no país.
A atitude de Stálin repercutiu em números. Foi uma catástrofe. Uma queda substancial na produção de grãos conforme mostraram os indíces até meados da década de 50, nas palavras de Gaidar: "o resultado da política agrícola desastrosa implementada entre o final dos anos 20 e o início dos anos 50 foi a maior queda de produtividade experimentada por um grande país no Século XX".
O que é um paradoxo interessante. Afinal, o que os insuportáveis stalinistas impedernidos bradam quando a coisa aperta é isso: "como você defende um assassino de massas como Stálin?", "ele fez a URSS saltar de décima econômia à terceira em menos de dez anos", dizem eles. A economia cresceu às custas das pessoas que trabalhavam com cargas horárias superiores à 14 horas/dia, dentre outros absurdos. Mas a produção de grãos, num país com campos enormes e férteis, que até então era essencialmente agrícola e com uma crescente população urbana, não crescia. Eis o paradoxo.
Nikita Kruschev, sucessor de Stálin, discutiu o problema no início dos anos 50. A decisão foi aumentar drasticamente a área cultivada para conseguir, desta forma, maior produção. Até o início dos anos 60 a estratégia deu resultados. A produção de alimentos cresceu, mas a solução chegou a um rápido esgotamento: as áreas de cultivo tinham limites, a URSS em que pese ser capaz de mandar homens ao espaço antes dos norte-americanos, tinha um tremendo atraso em tecnologia e insumos básicos e, evidentemente, a população das cidades continuava crescendo.
Em 1963 houve a primeira demonstração do caos: naquele ano, Kruschev teve de avisar aos líderes dos seus satélites: "A URSS não poderá enviar grão este ano". Neste ano houve a primeira das enormes compras que destruíram aos poucos o poder político soviético: foram compradas 12 toneladas de grãos, consumindo desta forma 1/3 das reservas econômicas da União Soviética. Do ocorrido, Kruschev teria dito: "o poder soviético não pode tolerar mais a vergonha que tivemos que passar". Anos complicados aqueles: em 1962 URSS e EUA haviam atravessado o desgaste pela Crise dos Mísseis, e no ano seguinte Kruschev detonava as burras para não matar seu povo de fome.
De qualquer forma, retornando das minhas digressões ao foco do texto e da abordagem de Yegor Gaidar, há um número interessante no artigo: a produção de grãos na URSS se estabilizou em 65 milhões de toneladas/ano da década de 60 até os anos 80 - só que, evidentemente, o crescimento demográfico não cessou. A Rússia, de maior exportadora de grãos dos anos antecedentes à Primeira Guerra Mundial, se converteu na maior importadora do mundo.
Já na década de 80 a União Soviética importava grãos porque, segundo Gorbatchev - e sua lógica ululante - "não podemos viver sem eles". Países avançados como o Japão faziam o mesmo, importavam grande parte de seu consumo interno de grãos porque simplesmente não tinham onde plantar. Mas os japoneses, em contrapartida, equilibravam a balança comercial exportando produtos acabados. A URSS, vítima de uma industrialização catastrófica não tinha este expediente. Naquela altura, só exportava matéria-prima.
Embora o problema fosse antigo, anos 50 ainda, como a bolha não estourou antes, vindo a deitar os burros n'água apenas em 1989-1991? Simples, na mesma época em que os líderes russos atinavam para o problema dos grãos, foram descobertos enormes e promissores campos de petróleo na Sibéria.
O dinheiro que entrava vindo da exportação do petróleo, com seus preços peculiares, era o que amortizava as freqüentes compras de grãos. Em 1970 a Sibéria era uma portentosa produtora de petróleo e até 1982 a URSS aumentou a produção de petróleo em 12 vezes. O que, segundo Gaidar e meus rudimentos de economia não saberiam explicar o porquê, era muito perigoso. Mas não havia escolha.
A URSS não tinha como manter a produção de petróleo crescente e em níveis altos porque sofria com o crônico atraso tecnológico de sua indústria. Contudo, a Crise do Petróleo, que jogou os preços do barril lá na estratosfera, ajudou as contas soviéticas. Muitos dólares entrando, PIB crescendo em centenas de pontos percentuais.
Tamanho acúmulo de capital fez com a URSS o mesmo que o ouro sulamericano fez com a Espanha: alucinou os mandatários. Com essa "aparente" prosperidade, a URSS lançou guerra ao Afeganistão, o que retumbou numa tremenda cagada: ao invadir o Afeganistão, a Arábia Saudita entendeu que este era o primeiro passo soviético para tentar assumir o controle do petróleo abundante no Oriente Médio. Daí os Sauditas terem a idéia de se aliar aos norte-americanos, aliança que persiste firme e forte até hoje.
A invasão do Afeganistão por parte dos soviéticos tornou-se uma besteira porque, ao se sentir ameaçado, o governo saudita alterou radicalmente a política de preços do petróleo: liberou os preços às flutuações. O preço do barriu que beirava US$ 70 em inícios da década de 80, caiu instantaneamente a US$ 30. Entende o tamanho da bobagem? O PIB soviético que se sustentava nas exportações de petróleo, em função dos altos preços sofreu um enorme revés ao ver, da noite para o dia, os preços caírem abaixo da metade.
Com essa queda, a URSS perdeu US$ 20 bilhões de dólares, quantia sem a qual, simplesmente, o bloco soviético não poderia sobreviver. Diante da hecatombe, surgiram três opções: parar de manter os países satélites, o que significaria, na prática, renegar os resultados da Segunda Guerra Mundial, outra opção seria reduzir a importação de alimentos em 20 bilhões de dólares anuais - o que traria o caos e jamais, para a sorte do povo, jamais foi seriamente discutido e, por fim, diminuir os enormes gastos com o complexo militar. O que acarretaria agastamentos com as elites regionais - sim, elas existiam na burocracia do PCUS - das regiões que dependiam das instalações militares funcionando.
Infantilmente o que fez o governo soviético foi nada. Provavelmente - e esta conclusão é minha - esperavam que o problema desaparecesse. Incapaz de tomar alguma decisão, de implementar reformas que pudessem melhorar o quadro no longo prazo o que fez o governo soviético foi tomar empréstimos mundo à fora enquanto tinha crédito. Da metade da década de 80 até o colapso econômico em 1989.
Em 89 a economia parou. Mais uma vez a URSS tentaria empréstimos de consórcios internacionais, o que lhe foi negado. Diante disso, teve de negociar com governos ocidentais sob créditos políticos, para assim obter dinheiro destes, e iniciar desta maneira a lenta e agoniante derrocada de 1991 ao abandonar os avanços geopolíticos obtidos por todo o século XX, especialmente aqueles conquistados pela vitória na Segunda Guerra Mundial.
Gorbatchev pediu 100 bilhões de dólares para poder movimentar a economia soviética. Mas só teria acesso a estes recursos se abrisse mão, por exemplo, de atitudes militares contra as revoltas que levaram a independência da Polônia. Se enviasse tropas e tanques para Varsóvia sufocar o movimento, não teria os recursos. O mesmo aconteceu nos Balcãs. Uma a uma as regiões agregadas à URSS iam tornando-se independentes.
O último líder soviético estava num dilema: se esmagasse as revoltas para manter o controle do bloco, perderia os 100 bilhões - sem os quais, vale tornar a frisar, simplesmente não poderia governar. Mas se não as esmagasse, perderia todo o avanço político do comunismo pela Europa.
Ao tentar estabelecer um pacto com os militares e com Boris Yeltsin, Gorbatchev perdeu em definitivo o apoio dos linhas dura da KGB e do PCUS. Estes impuseram um golpe em agosto de 1991 para derrubá-lo do poder, e conseguiram. Mas a grande questão não era Gorbatchev, e sim: mesmo que conseguissem estancar os movimentos de independência por todo o bloco, de onde iriam tirar os US$ 100 bilhões indispensáveis para manter o país funcionando? Sem esse dinheiro, haveria fome - simplesmente não haveria comida para a população - e guerra civil.
Em 22 de agosto de 1991 acaba a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, quando o governo recebe uma carta do Vneshekonombank (Banco Estatal Soviético), dizendo que o estado não tinha um centavo nos seus cofres. O resto é história".
Glasnost na União Soviética
29 de julho de 1987
O que dizia a reportagem de VEJA
No fim deste 1987 comemoram-se os setenta anos da Grande Revolução de Outubro, como dizem os soviéticos - aquele extraordinário momento de 1917 em que Lênin e um punhado de seguidores, como que pegando a História no contrapé, forçaram passagem entre a falência do reinado dos czares e os escombros da I Guerra Mundial para invadir o século XX com um regime de tipo único no planeta. Eles queriam tudo - o perfeito regime da bonança, da justiça e da igualdade. De Lênin a Gorbachev alguma água passou sob as pontes do Rio Neva, na antiga capital, Petrogrado, rebatizada de Leningrado, e do Rio Moskva, em Moscou, para onde foi retransferida a sede do governo. Hoje, os setenta anos da Revolução coincidem com um fascinante momento de questionamento. Enquanto sob a liderança morna, quase preguiçosa, de Brejnev, os problemas eram jogados debaixo do tapete, com Gorbachev os soviéticos são convidados a encará-los. Brejnev era o líder para quem tudo corria da melhor maneira, no melhor dos mundos. Gorbachev esforça-se por denunciar o que está errado. Se há um traço principal em sua liderança, até agora, é a proclamação incessante de que há problemas e de que esses problemas poderão se transformar em perigos a curto prazo.
O que aconteceu depois
Com a adoção da glasnost, a abertura política proposta por Gorbachev, a União Soviética enfim tratou de forma aberta de seus principais dilemas: a pobreza da população, a dificuldade de se remodelar a economia, a oposição popular à guerra no Afeganistão e o desafio de manter o status de superpotência global. As mudanças foram rápidas e radicais. Em 1988, na primeira conferência do Partido Comunista em meio século, as práticas de Stálin foram criticadas abertamente. Em 1989, dois anos depois da publicação da reportagem de VEJA, acontecem as retiradas das tropas soviéticas do conflito afegão e as primeiras eleições no país desde 1917. Gorbachev também visitou Pequim e encerrou as tensões com a China, além de pressionar os líderes comunistas da Europa Oriental a adotar doutrinas similares à glasnost. O colapso do bloco soviético, no entanto, não foi evitado.
O descompasso entre o Kremlin e os outros governos comunistas da Europa e os problemas econômicos da superpotência minaram o poder de Gorbachev, que acabou enfraquecido entre os militares e a cúpula do partido - eles queriam um processo de abertura mais lento e gradual. O PIB do país encolheu 4% em 1990 e a agitação política aumentou, com os estados bálticos e a Geórgia exigindo independência. Gorbachev ainda assinou pactos históricos com os EUA e a Alemanha, aumentando ainda mais a insatisfação dos opositores do líder soviético. Em agosto de 1991, apenas dois dias antes da assinatura de um tratado para dar mais autonomia às repúblicas soviéticas, Gorbachev foi alvo de um golpe de estado. A jogada foi neutralizada em três dias, com resistência popular e apoio dos presidentes das repúblicas, sob liderança do russo Boris Yeltsin. Os golpistas foram presos, e Gorbachev, reconduzido ao poder. O comando, no entanto, já estava em outras mãos - Yeltsin e os outros presidentes passaram a governar na prática o império soviético.
Em agosto de 1991, Boris Yeltsin baniu o Partido Comunista e reconheceu a independência dos estados bálticos e da Ucrânia. Era o começo do fim da União Soviética. Em setembro, a dissolução da superpotência em quinze repúblicas foi decidida. Em 8 de dezembro de 1991, um tratado entre as repúblicas deu origem à Comunidade dos Estados Independentes, a CEI. Seu papel foi de suceder o comando central soviético e coordenar as políticas econômicas, comerciais e até militares dos países-membros. Em 25 de dezembro, Mikhail Gorbachev renunciou ao cargo de presidente da União Soviética. O cargo foi extinto. No dia seguinte, os EUA reconheceram as repúblicas soviéticas como nações independentes. Em 26 de dezembro de 1991, os escritórios e gabinetes soviéticos foram ocupados de forma definitiva pelos russos. A União Soviética deixou de existir.
Em 1996, cinco anos depois do colapso da superpotência comunista, Gorbachev se candidatou à presidência da Rússia - sua primeira disputa eleitoral numa longa carreira política. Com menos de 1% de apoio nas pesquisas de opinião pública, ele fracassou. O homem que galvanizou o mundo ao abrir o bloco soviético, é hoje um semi-aposentado quase sem amigos. Os nostálgicos do comunismo não o perdoam pelo colapso da União Soviética. Os reformistas não esquecem sua hesitação na hora de transformar a perestroika numa opção verdadeira pela economia de mercado. A maioria o vê como o culpado por todos os problemas sociais pós-soviéticos. Em setembro de 1999, Gorbachev sofreu outro duro golpe: a morte da mulher, Raisa, a dama da glasnost, vítima de uma leucemia fulminante.
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