para a América Latina
O Cancelamento da Proibição Relativa
a Aeronaves de Caça
TENENTE-CORONEL ANTONIO L. PALÁ, USAF
Nota: Artigo de 1999 da Air & Space Power International mas de leitura muito importante para o contexto do FX2 da FAB.
Introdução
A decisão da Administração Clinton, em 1995, de modificar a Política de Transferência de Armas Convencionais e permitir a venda de tecnologias militares adiantadas à América Latina deflagrou um acalorado debate nos círculos político, acadêmico, industrial e militar. Um dos aspectos mais controvertidos dessa nova política refere-se à venda de caças das últimas gerações à América Latina. Este estudo estabelece que esta foi a decisão correta, no momento correto, pelos motivos corretos. O Hemisfério Ocidental de 1998 é consideravelmente diferente do panorama das décadas de 1970 e 1980. Nessas décadas, os regimes militares, os conflitos centro-americanos, as corridas armamentistas e a competição bipolar entre as superpotências eram o lugar comum em toda a região. Hoje em dia, o hemisfério se caracteriza por regimes democráticos, orçamentos de defesa decres- centes, integração econômica e tensão entre os países reduzida, sendo Cuba a única coisa que recorda o experimento político desacreditado.
Nossa pesquisa trata das principais críticas contra a decisão do presidente Clinton de vender aeronaves de caça e esboça a fraqueza desses argumentos. A discussão se concentrará, em sua maior parte, no impacto da nova política sobre sete países: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Esses países têm as maiores forças aéreas e são os candidatos mais prováveis a adquirirem caças. Desde 1995, a Força Aérea Chilena manifestou o desejo de modernizar suas aeronaves de caça. Em 1996, o Chile pediu as especificações técnicas dos F/A-18 e F-16 dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o Chile buscou dados similares da França, em relação ao Mirage 2000-5 e da Suécia, em relação ao JAS-39 Gripen.1 Em março de 1997, a Administração Clinton concordou em permitir que os fabricantes dos Estados Unidos fornecessem os dados técnicos classificados do F-16 e do F/A-18 e entrou em negociações para a possível venda das aeronaves.2 Em 1º de agosto, o presidente Clinton pôs fim à proibição que durava vinte anos e revogou a Presidential Directive 13 (PD-13) da Administração Carter que havia proibido a venda de tecnologia militar das últimas gerações para a América Latina. Nesses vinte anos, os Estados Unidos limitaram suas vendas de aeronaves na região a caças de tecnologia inferior, como os A-4 Skyhawk, o Northrop F-5, em diversas variantes, e o A-37 Dragonfly. A única exceção a essa política foi a venda de F-16s à Venezuela, pela Administração Reagan, em 1982. Infelizmente, a proibição que os Estados Unidos impuseram a si próprios não limitou a entrada de caças de últimas gerações na região nem exerceu a influência pretendida. Por mais de duas décadas, os franceses venderam mais de 200 caças para a América do Sul. Outras nações produtoras de aeronaves os seguiram. Os israelenses, os ingleses e os soviéticos também venderam seus caças a todos os principais países, sem serem intimidados pelos esforços dos Estados Unidos para limitar as vendas.
Os críticos da expansão das vendas de caças para a América Latina concentram-se em algumas áreas importantes. Primeiramente, sublinham a possibilidade de uma renovada corrida armamentista na América Latina e um impacto socioeconômico negativo que o cres-cimento da venda de armas pode ter sobre essas democracias frágeis. Outros enfatizam o fato de que essas nações não precisam de caças de últimas gerações para sua segurança. Por outro lado, os defensores da venda sublinham os benefícios econômicos para os Estados Unidos e para a nossa base industrial relacionada com a defesa. Além disso, sugerem que essas vendas gerarão benefícios para a segurança e criarão laços mais estreitos para com nossos aliados regionais. Além do mais, com a exceção de Cuba, todos os países do hemisfério estão atualmente com governos democráticos e, desse modo, têm legitimidade para determinar a espécie de estrutura de força militar que devem ter para prover à própria defesa.
Este estudo propõe que os Estados Unidos vendam aeronaves de caça de últimas gerações a países selecionados caso a caso. Os Estados Unidos devem fazê-lo para aperfeiçoar a interoperabilidade, promover contatos entre militares na região e ajudar as forças aéreas regionais a modernizarem seus estoques com equipamento compatível com o da USAF. Essas vendas devem adequar-se aos princípios formulados na Conferência de Ministros da Defesa do Hemisfério, de Williamsburg, 1995, que enfatizou a transparência, a responsabilidade e a cooperação mútua. Este artigo não propõe a abertura de um “bazar de armas”, mas, ao contrário, um crescente envolvimento dos Estados Unidos na estruturação e modernização das forças aéreas latino-americanas.
Se o propósito primordial da proibição unilateral da parte dos Estados Unidos era manter as aeronaves de caça fora da região, ele certamente não alcançou os resultados desejados. Nossos aliados europeus e outras nações tiveram a máxima boa vontade em fornecer as aeronaves às forças aéreas latino-americanas, enquanto os fabricantes dos Estados Unidos ficavam de fora. Um executivo graduado da Indústria de Aeronaves Israelense (IAI) ressaltou recentemente este ponto: “As companhias americanas foram mantidas fora do mercado por algum tempo… houve um vácuo que preenchemos com êxito”.3 Os Estados Unidos devem envolver-se em vendas responsáveis e promovê-las para aumentar nossa participação na região e promover a interoperabilidade.
Aspectos históricos
O registro histórico das transferências e vendas de armas para a América Latina e a legislação associada a isso pode-se ver como uma série de picos e vales. Em numerosos casos, a política foi um reflexo direto do presidente dos Estados Unidos e de seu modo de ver a região ou a situação internacional da época. O Foreign Assistance Act, de 1961, foi a pedra angular da transferência de armas durante os primeiros períodos da Guerra Fria.4 Com raízes na “Doutrina Truman” de contenção, essa lei dava aos Estados Unidos os meios legais de vender ou transferir armas a governos estrangeiros que apoiassem nossos objetivos de segurança nacional. Em 1969, a “Doutrina Nixon”, que emergiu do pântano da Guerra do Vietnã, promoveu a idéia de que os Estados Unidos usariam a transferência de armas como um modo de conter a influência soviética. Armar nações amigas lhes permitiria defenderem-se sem pôr em risco vidas americanas. As conseqüências da “Doutrina Nixon” permanecem sendo motivo de acalorado debate. William Hartung argumenta que essas transferências contribuíram para o surgimento de governos autoritários e que muitas das armas vendidas pelos Estados Unidos foram usadas para reprimir a população civil.5 O Arms Export Control Act, de 1976, apresentado pelo senador Hubert H. Humphrey (D-Minn.) começou a limitar a capacidade de o presidente transferir armas para outras nações, dando ao Congresso o poder de veto sobre as vendas e estendendo o pedido de carência para trinta dias. Contra os desejos da Administração Ford, diversos países sofreram restrições ainda maiores ba-seadas no histórico dos direitos humanos nesses países. Foi o caso do Chile, em 1976, conforme a Lei 94-329. Essa legislação, geralmente chamada “Emenda Kennedy”, proibia auxílio para segurança, treinamento militar e venda de armas ao regime militar repressivo do General Pinochet.6
Em 1997 o presidente Jimmy Carter expediu a Presidential Directive 13 (PD-13) com a intenção de revogar a “Doutrina Nixon”. O presidente Carter exigia que as transferências de armas estivessem diretamente relacionadas com levar adiante os interesses de segurança dos Estados Unidos e as associou muito estritamente ao histórico do tratamento dos di- reitos humanos pelos governos que as receberiam.7 A PD-13 impôs limites às quantias em dólar das vendas e estabeleceu a restrição de que os Estados Unidos não introduziriam na região armas mais sofisticadas do que aquelas que já existiam ali, limitou a produção de armas pelos Estados Unidos, desenvolvidas exclusivamente para exportação, e impôs numerosas outras limitações. Enquanto o presidente Carter restringia a venda de aeronaves para a América Latina propunha um dos maiores negócios de vendas de aeronaves para Israel, Arábia Saudita e Egito, na primavera de 1978, dando um exemplo claro da incoerência de sua política de armas.8 A presidência Carter era incoerente na aplicação da PD-13 e sofreu grande oposição até dos escalões de sua própria administração. Em suma, os críticos da PD-13 argumentam que “entre os diversos fracassos da política latino-americana dos Estados Unidos na Administração Carter nenhum foi mais completo do que o fracasso da política de transferência de armas.9
O presidente Reagan via as transferências de armas de maneira consideravelmente di-ferente da de seu predecessor, enquadrando-as como “elemento essencial de nossa política global” e, subseqüentemente, revogando numerosas das limitações impostas pela PD-13.10 A Administração Reagan procurou rearmar os Estados Unidos e seus aliados, e apoiar as insurgências anticomunistas em todo o mundo. Durante seu primeiro mandato, o presidente Reagan triplicou a venda de armas à América Central e à América do Sul, inclusive as transferências de armas para regimes repressores como os de Guatemala, El Salvador e Argentina.11 A Administração Reagan aprovou a venda de caças F-16 à Venezuela, em 1982, para fazer frente à aquisição cubana dos caças-bombardeiros MiG-23 construídos pelos soviéticos.12O negócio dos F-16 com a Venezuela, há cerca de 17 anos, foi a última venda de um caça de última geração construído nos Estados Unidos para a região. A parte do leão das transferências de armas para a América Latina, durante o remanescente dos anos Reagan, dirigiu-se à América Central, para fazer face às insurgências esquerdistas em El Salvador e seus vizinhos.
O presidente Bush (Pai) continuou com uma transferência de armas relativamente aberta, mas não vendeu nenhuma das aeronaves de caça de últimas gerações. Com o final dos conflitos centro-americanos e o subseqüente fim da Guerra Fria, a Administração Bush desviou a maior parte de sua concentração na América Latina para a guerra contra as drogas. Além disso, a maior parte dos governos da região voltou ao controle civil e implementou reduções drástricas no efetivo de suas forças armadas. Talvez a Argentina seja o exemplo mais claro desta reversão no efetivo e na influência das forças armadas. Entre 1983 e 1993 as forças armadas argentinas foram reduzidas de 175.000 homens para 65.000.13 As forças aéreas latino-americanas, em sua maior parte, não adquiriram qualquer aeronave nova no começo da década de 1990. Suas aeronaves de caça continuaram a envelhecer e peças de reposição tornaram-se de aquisição mais difícil. O êxito das armas dos Estados Unidos durante a Guerra do Golfo e o enve-lhecimento das esquadrilhas da maior parte das forças aéreas latino-americanas reacendeu o debate a respeito da venda de aeronaves de últimas gerações para a região.
Candidato a presidente, Bill Clinton propôs limitar as vendas de armamento dos Estados Unidos, mas, após a eleição, enfrentando o desaparecimento de inumeráveis empregos relacionados com a defesa, o tratamento de Clinton rapidamente mudou. Em 1996, 79 membros da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos enviaram uma carta ao presidente Clinton sugerindo que já não seria mais apropriado manter a proibição relacionada com as aeronaves de caça, como o era nas condições anteriores.14 Estas idéias tinham apoio dos dois partidos, incluindo os senadores Bob Graham (D-Fla.) e Richard Lugar (R-Ind.), que achavam essas vendas, na verdade, boas para a região, sustentando:
Outras nações estão mais do que dispostas a mascatear seus artigos militares nas Américas; assim, suspender a moratória e submeter as vendas propostas de armas aos controles estritos do Departamento de Estado aumentará nossa influência sobre aqueles que compram armas na América Latina.15
Essas propostas e outras de natureza econômica levaram o presidente Clinton a redigir a Política do Presidente Relativa à Transferência de Armas Convencionais, corporificada na Presidential Decision Directive 34 (PDD-34). Segundo a PDD-34, as transferências de armas convencionais se vêem como instrumento legítimo da política exterior dos Estados Unidos quando capacitam os Estados Unidos a ajudar aliados e amigos a impedirem agressões, promoverem estabilidade regional e incrementarem a interoperabilidade das forças militares dos Estados Unidos e aliadas.16 Além disso, a PDD-34 enfatiza que apoiar uma base industrial de defesa forte e sustentável nos Estados Unidos é uma preocupação fundamental de segurança nacional dos Estados Unidos e não apenas uma questão de preocupação comercial. Portanto, a PDD-34 eleva a um nível mais alto do que o fazia a legislação anterior o valor das considerações nacionais econômicas significativas no processo de tomada de decisão para transferência de armas.17 Entretanto, esta alteração de política, embora aplaudida pelos fabricantes de armas dos Estados Unidos, está, atualmente, sendo uma séria questão de debate.
As críticas: argumentos contra
o cancelamento da proibição
O elenco de críticos que condenam a decisão do presidente Clinton de cancelar a proibição é amplo e ilustre. Os oponentes incluem o ex-presidente da Costa Rica e Prêmio Nobel da Paz Oscar Arias e diversos legisladores dos Estados Unidos, nomeadamente os senadores Joseph Biden (D-DE) e Christopher Dodd (D-CT) e a deputada Nita Lowey (D-NY). Os críticos argumentaram que os custos da venda de armas de alta tecnologia à região contrabalançam largamente qualquer ganho político ou econômico relativo aos interesses dos Estados Unidos. Especificamente, os oponentes argumentam que as vendas de armas podem solapar os esforços da administração de Clinton para promover a estabilidade econômica e o desenvolvimento, fortalecer as instituições políticas democráticas na América Latina e garantir a paz e a segurança do hemisfério.18
Argumentam que a venda de sistemas de armas de alta tecnologia, especialmente aeronaves de combate, não pode dar solução às “novas” ameaças de segurança que a região enfrenta, como o florescente tráfico de drogas, a crescente desigualdade econômica, a perturbação social, disputas fronteiriças não resolvidas e incômodos movimentos de guerrilha.19 Na verdade, como declararam recentemente o ex-presidente Jimmy Carter e Oscar Arias, abrir um bazar de armas aos compradores latino-americanos interessados apenas tornará as coisas piores ou reverterá o progresso alcançado nos últimos 15 anos na área da democratização, da estabilidade macroeconômica e da cooperação e segurança hemisféricas. 20 No esforço de restaurar a moratória por intermédio do consenso hemisférico, Carter e Arias receberam o apoio de 27 chefes de estado. O grupo propõe uma moratória de 2 anos na aquisição de equipamento militar de últimas gerações. A recomendação deles propõe um período de “esfriamento” para dar à região tempo de estudar as ameaças regio-nais de segurança e o impacto social, político e econômico de uma corrida armamentista na região, e tratar desses problemas.21
O principal argumento econômico contra a venda de armas é que um aumento das despesas militares desviará recursos escassos dos programas sociais e econômicos que deles têm muita necessidade, como os de educação, saúde e criação de empregos. Em um período de despesas restritas por parte do Estado e estabilidade macroeconômica, a aquisição de equipamento militar reduz ainda mais os recursos disponíveis para o investimento social. Segundo o Banco Mundial, esses países precisam investir seus recursos limitados na produção para o mercado local e para exportação, bem como em infraestrutura física e serviços sociais como educação e saúde. A América Latina necessita gastar cerca de US$ 1 bilhão por semana para manter e aperfeiçoar sistemas de comunicação, água e transportes que, ou não existem, ou estão deteriorados.22
Além disso, os críticos argumentam, o desvio de recursos para aquisições militares vai complicar ainda mais os problemas sociais crescentes da região. A pobreza e as desigualdades de renda aumentaram como resultado do ajustamento estrutural e das políticas de austeridade implementadas pelos governos latino-americanos nos últimos dez anos. O nível de pobreza permanece em cerca de 35% na região e o crescimento anual per capita aumentou apenas 1,3% entre 1990 e 1995.23 Outros indicadores sociais, como mortalidade infantil, acesso à educação e serviços de saneamento, também só exibiram uma melhora limitada. A pobreza cresce em termos absolutos, mas a desigualdade de rendas está crescendo com um ritmo maior. Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento, os 10% mais ricos da população aumentaram sua participação na renda nacional de 58%, em 1985, para 66%, em 1995.24 Esse nível de pobreza e desigualdade de rendas retirará legitimidade às instituições democráticas, tornando-as vulneráveis à violência e a outras ameaças do pós-Guerra Fria. Como disse recentemente o ex-presidente da Colômbia Ernesto Samper, um crítico ardente da política dos Estados Unidos, “desviar os gastos sociais para outros fins pode contribuir para que o nosso sistema democrático perca legitimidade, tornando-o mais vulnerável a ameaças como o terrorismo e o tráfico de drogas”.25 Em poucas palavras, uma economia em estagnação e um elevado desemprego combinados com serviços sociais em declínio produzirão as próprias condições que os Estados Unidos estão procurando evitar: colapso institucional e insegurança regional. As verbas gastas na aquisição de armas dispendiosas privam outros setores da economia de recursos críticos, necessários ao combate da pobreza crescente. Da perspectiva política e econômica, esses países simplesmente não se podem dar ao luxo dessas compras.
Outro argumento contra o cancelamento da proibição é seu impacto na democracia e no controle civil das forças armadas. Os críticos afirmam que reduções adicionais nos dispêndios sociais solaparão a confiança nos processos e nas instituições democráticas à medida que os níveis de pobreza cresçam. Além disso, a venda de armas terá o efeito negativo de fortalecer a instituição que sempre ameaçou os governos na América La-tina—as forças armadas. Em uma época em que a democracia e suas instituições ainda estão frágeis e em transição, a venda de armas envia um sinal ambíguo, considerando-se a situação de controle civil limitado ou incerto que continua a existir em alguns países como Chile, Honduras e Peru. O nível de consolidação de instituições críticas como parlamentos, tribunais e partidos políticos permanece duvidoso. Como resultado, os mecanismos que possam garantir o controle civil ainda estão em gestação e, desse modo, vulneráveis à interferência e às prerrogativas das forças armadas.26
Diversas forças armadas latino-americanas mantêm uma autonomia institucional considerável, especificamente nas áreas de orçamento e segurança interna. Além disso, tentativas de golpe na Venezuela e no Paraguai e a continuação do papel de “guardiães” que as constituições conferem às forças armadas sugerem que o controle civil está longe de estar consolidado, a despeito de significativos processos no governo democrático, nos últimos 13 anos.27 Em poucas palavras, os quadros institucional e legal continuam a favorecer a ameaça do pretorianismo na América Latina. Os críticos da política dos Estados Unidos sustentam que a “profissionalização” e modernização dos sistemas de armas da América Latina podem ter um resultado semelhante ao da década de 1960, quando a profissionalização levou à intervenção militar no contexto de questões socioeconômicas. Resumindo: vender sistemas de armas de alta tecnologia à América Latina não oferece vantagem significativa para apoiar ou consolidar democracias ou controle civil frágeis.
Finalmente, os que se opõem à política dos Estados Unidos argumentam que as vendas de armas ameaçam a paz e a segurança no hemisfério por causa da corrida armamentista potencial entre países que têm disputas de fronteiras não-resolvidas. Como mostra o conflito entre o Equador e o Peru, animosidades históricas ou conflitos de fronteira podem ser facilmente reacendidos. A venda de armas apenas a alguns países é suficiente para iniciar uma corrida armamentista que pode levar à desestabilização da região, especialmente se se vendem coisas como aeronaves de combate, que dão às nações uma evidente vantagem estratégica sobre seus vizinhos. A aquisição pelo Chile de armas de alta tecnologia pode ser interpretada pela Argentina, Bolívia e/ou Peru como um esforço chileno de obter uma vantagem estratégica. Isto pode induzi-los a entrar no mercado de armas em uma época em que dificilmente se podem dar ao luxo de fazê-lo. Além disso, esses sistemas de armas são completamente inadequados para tratar das novas e não-tradicionais ameaças de segurança que o hemisfério enfrenta no pós-Guerra Fria. A América Latina alcançou um nível de paz e cooperação regionais sem precedentes que pode ser facilmente solapado por uma corrida armamentista iniciada pela decisão de qualquer governo de modernizar seu equipamento militar. Os acordos de segurança cooperativa e outros mecanismos, como transparência na defesa e medidas de construção de confiança, estão em seus estádios iniciais, e qualquer tentativa de modernizar os sistemas de armas obviamente solapará esses processos.
Todos esses fatores estão interligados. O desvio de recursos levará a uma perda de confiança na democracia e, afinal, ao seu colapso. Em conseqüência, instituições militares mais poderosas ou, se a democracia desaparecer, regimes autoritários e seus novos sistemas de armas garantidamente criarão um ambiente regional instável que conduzirá ao ressurgimento do conflito entre países. Segundo os críticos, o cancelamento da moratória não interessa aos Estados Unidos no longo prazo. Embora o cancelamento da proibição possa trazer uma animação às exportações de armas no curto prazo, a longo prazo solapará objetivos de política exterior, desviando o investimento de capital do desenvolvimento das nações para gastos militares. Isto resultará na perda de oportunidades de exportação das indústrias não-bélicas e uma perda de empregos relacionados com exportação. Além disso, o conflito regional como resultado de uma corrida armamentista terá um impacto direto e negativo na segurança nacional dos Estados Unidos. Resumidamente, exceto para os fornecedores da defesa nos Estados Unidos, o cancelamento da proibição terá poucos vencedores e muitos perdedores. No final, como conclui Oscar Arias, o principal crítico da política do presidente Clinton,
Embora existam democracias em toda a América Latina seria ingênuo acreditar que elas sejam fortes. Introduzir armas de alta tecnologia na região augura um futuro de erupções violentas, instabilidade regional, crescente corrida armamentista. As atuais escaramuças de fronteira serão intensificadas. O controle civil frágil sobre forças armadas tradicionalmente fortes será mais enfraquecido. Os recursos nacionais serão desviados para satisfazer os egos dos soldados profissionais. Como pode um continente progredir no século XXI quando os governos estão ocupados construindo arsenais e não escolas? Como pode o povo continuar sua luta pela paz quando é gasto mais dinheiro em modernizar aviões de caça do que em hospitais…?”28
Sem dúvida, os argumentos apresentados pelos críticos da expansão das vendas militares expressam preocupações legítimas a respeito do bem-estar e da estabilidade da região. Suas afirmativas parecem mais fortes à luz das atuais condições socioeconômicas, da história intervencionista das forças armadas e da natureza frágil dos regimes democráticos. Tendo em mente esses fatores, que possíveis vantagens, além dos lucros e mercados crescentes para a indústria de armas dos Estados Unidos, poderia haver em reabrir a porta para a venda de aeronaves de caça?
As Falhas dos argumentos
dos críticos
Os opositores do cancelamento da proibição derivam seus argumentos de cinco idéias principais. A primeira é o custo econômico de desviar recursos escassos para aquisição de armas, concentrando-se no impacto econômico sobre a população e o desenvolvimento dessas nações frágeis. A segunda é que sugerem que as forças aéreas latino-americanas simplesmente não precisam de caças de tecnologia adiantada, por causa da ausência de ameaças viáveis. A terceira linha de raciocínio afirma que os governos civis serão enfraquecidos por essas vendas e, portanto, que elas darão mais poder e prestígio às forças armadas. Este enfraquecimento democrático pode resultar em que elas voltem ao poder ou, no mínimo, expandam suas prerrogativas. O quarto argumento é que a introdução dessas tecnologias desestabilizará a região, talvez, até, o ponto de iniciar uma corrida armamentista entre Estados vizinhos, ou realimentar disputas históricas de fronteiras. A quinta objeção citada pelos opositores sugere que a pressão da indústria aeronáutica dos Estados Unidos, em seu fervor para aumentar vendas e lucros, forçou a Administração Clinton a cancelar a proibição. Os críticos da nova política do presidente Clinton citam um ou todos esses cinco pontos em seus esforços para interromper as iniciativas de reabrirem-se as vendas de aeronaves.
À luz dos argumentos dos críticos, é importante enfatizar um ponto fundamental: a proibição não funcionou! Mesmo se os Estados Unidos continuarem a proibir as vendas, haverá outros Estados dispostos a adiantarem-se para preencher a necessidade. É irônico que os líderes de uma nação que cons-truiu sua economia usando as leis da oferta e da procura não compreendam que enquanto existir procura de aeronaves de caça na região aparecerá um fornecedor. Com o final da Guerra Fria, novos atores, como a Bielorrússia, apareceram no mercado internacional de armas vendendo tecnologia militar de segunda mão. A Bielorrússia vendeu um excedente de MiG-29s com um complemento de mísseis ar-ar ao Peru, em 1995.29 A análise minuciosa das cinco críticas contra o cancelamento da proibição sublinhará a fraqueza destas afirmativas.
O argumento mais forte que os críticos apresentam é baseado na economia. Sem dúvida, a região lucraria mais concentrando seus recursos financeiros limitados em programas sociais e econômicos, em vez de em gastos militares. Entretanto, não há absolutamente qualquer indicação de que se os Estados Unidos se recusarem a vender caças o dinheiro será gasto em programas sociais. A natureza soma-zero do argumento não pode ser provada, especialmente se o governo decidiu vincular esses fundos à defesa. É inocente crer que os Estados Unidos podem influenciar o modo pelo qual um estado soberano gastará seus recursos. Na realidade, perdemos capacidade de influência ao nos ausentarmos da mesa. Este fato foi sublinhado por Heliodoro González em um estudo a res-peito da política dos Estados Unidos relativa à transferência de armas para a América La-tina: “o chamado ‘pragmatismo comercial’ da parte de países como a França tornou rigo-rosamente inúteis os esforços dos Estados Unidos para diminuir o fluxo de equipamento sofisticado para a América Latina”.30 Os Estados Unidos podem conectar essas vendas a iniciativas econômicas e de segurança e garantir que as aquisições envolvam algumas limitações e sejam tecnologicamente factíveis para o Estado que compra. A pesquisa acadêmica a respeito das motivações latino-americanas para a importação de armas apontaram que a disponibilidade de recursos econômicos nas nações é uma consideração política primordial.31 Se o governo civil tomou a decisão orçamentária de aplicar os fundos na aquisição de aeronaves, seja por causa da pressão das forças armadas, seja por causa da segurança nacional, o argumento de “trocar espadas por arados” é questionável.
A segunda crítica das vendas de aeronaves argumenta simplesmente que essas forças aéreas não necessitam desse tipo de equipamento, com base nas suas missões e nas ameaças que enfrentariam. Antes de tratar da questão da necessidade, há uma dimensão pertubadora neste argumento que precisa ser trazida à consideração. Quem, exatamente, determina quais são as necessidades de um país? Não é papel dos Estados Unidos ou dos ex-presidentes Arias e Carter determinar ou estipular as necessidades de defesa de outro país. Será que a Força Aérea dos Estados Unidos precisa realmente do bombardeiro B-2 em uma época em que não enfrenta um competidor que esteja verdadeiramente no seu nível? Será que o presidente dos Estados Unidos respeitaria ou seguiria uma moratória de aquisição ou desenvolvimento de aeronaves imposta do exterior porque alguns líderes estrangeiros acreditam que eles não sejam necessários para nossa defesa nacional? Entretanto, esses dois pesos e duas medidas podem ser explicados pelo argumento realista das relações internacionais: “os fortes fazem o que têm poder para fazer e os fracos fazem o que devem”. Sem dúvida, essa linha de raciocínio é uma violação da soberania desses governos eleitos democraticamente e um tapa na face de sua capacidade de determinar a política de defesa de suas nações. Essencialmente estamos-lhes dizendo que eles precisam se desmilitarizar, enquanto continuamos a manter nossas capacidades militares.
Além disso, esta linha de raciocínio ignora a realidade atual de que numerosos Estados latino-americanos estão tentando integrar-se na comunidade internacional. Diversos deles têm aumentado significativamente sua participação nas missões de manutenção da paz patrocinadas pelas Nações Unidas. Eles têm contribuído com os soldados para iniciativas regionais de paz como a Missão de Observadores Militares entre Equador e Peru (MOMEP). A Argentina participou da Guerra do Golfo e apoiou a posição dos Estados Unidos durante a crise haitiana.32 A primeira aeronave a voar para Bagdá, após o cessar-fogo, foi um Boeing 707 da Força Aérea Argentina; os chilenos operaram helicópteros no Kuwait, após a Guerra do Golfo, e os uruguaios usaram seus recentemente adquiridos transportes C-130 para apoiar suas tropas de manutenção da paz no Camboja. Não é inconcebível que essas forças armadas se incorporem a missões mais complexas, como as zonas de exclusão aérea patrocinadas pela ONU, atualmente em vigor no Iraque e na antiga Iugoslávia. Para fazer isso, necessitarão de modernas aeronaves de caça, juntamente com a doutrina e o treinamento que lhes permitam uma incorporação sem percalços. As forças armadas argentinas têm buscado envolvimento em missões que exigem um grau superior de competência militar especializada ou a oportunidade de participar de missões com forças militares mais adiantadas, a fim de obter treinamento e prestígio para suas tropas.33 Além disso, a Argentina foi recentemente nomeada um Aliado Importante Não-Pertencente à OTAN, o que deve aumentar sua boa vontade para participar de operações multinacionais e, talvez, até, oferecer a possibilidade de fornecer recursos para a missão da OTAN na Croácia. Excluir essas forças armadas de ope-rações assim envia um sinal negativo a essas democracias emergentes, o sinal de que elas simplesmente não são suficientemente boas para participar da arena internacional. Além disso, condena os países mais adiantados a expandirem continuadamente o papel de policiais globais, o que drena seus recursos naturais e suas forças armadas.
A terceira linha de raciocínio supõe que a venda de aeronaves de caça ou de outros sistemas militares adiantados, no que diz res-peito a isto, enfraquece governos democráticos. De maneira realista, poder-se-ia argumentar exatamente o contrário, estabelecendo que proibir vendas a esses governos enfraquece o prestígio deles aos olhos dos setores nacionalistas de suas sociedades e de suas forças armadas. Os que criticam os Estados Unidos argumentam que nossa meta é desarmar as nações deles afim de fortalecer nossa posição hegemônica no hemisfério.
Na arena internacional, os países mais ricos tentam implementar sua “nova ordem mundial”, uma filosofia que divide as nações em dois grupos: de primeira e de segunda categoria; as últimas são condenadas ao subdesenvolvimento com a intenção de impedi-las de se tornarem competidores no palco da economia internacional… A regra básica desse projeto é impor uma atitude subserviente aos países “de segunda categoria” a fim de que eles se resignem ao estado humilhante de permanente subdesenvolvi- mento social, econômico, político e militar. Também, para que se conformem de maneira dócil a seu papel de reservas estratégicas dos países “de primeira categoria, consumidores de seus produtos acabados ou fornecedores de matérias-primas e de mão-de-obra não- qualificada. Para facilitar a consecução desse objetivo maquiavélico, um dos objetivos estratégicos importantes deve ser destruir o orgulho e a vontade nacionais desses países, e eles sabem que, nesses países, as forças armadas constituem um dos grupos organizados que têm o conhecimento e a visão estratégica necessários para denunciar esses objetivos ou para servir como opositores ao colonialismo internacional. É óbvio, então, que as forças armadas desses países são um dos alvos primários da estratégia deles.34
O comentário citado acima foi feito pelo então comandante do Comando Geral do Ar brasileiro, em 1993, e reflete as crenças de um crescente setor das forças armadas e do situa-cionismo político latino-americano. Numerosos líderes na região crêem que seus países estão sendo mantidos, pelo mundo desenvolvido, em um estado de subdesenvolvimento. Em maior escala, colocam o argumento na moldura de um eixo norte-sul, com as nações desenvolvidas mantendo os Estados em desenvolvimento em um “apartheid tecnológico”. Essencialmente, negamos-lhes a tecnologia de modo que possamos subordiná-los a nossa vontade. Além disso, eles usam esse mesmo raciocínio para sugerir que a negação de tecnologia militar também enfraquece sua segurança em relação a seus vi-zinhos. Este raciocínio pode levar ao desenvolvimento ou à expansão da produção nacional de armas, o que se revelará mais custoso do que a simples compra, e pode, mesmo, causar uma carga maior para sua sociedade. As nações latino-americanas, em toda parte, reduziram ou des-truíram sua capacidade nacional de produção de armas. Essas reduções provocaram pressões de setores das forças armadas e dos sindicatos. Entre 1980 e 1987, a US Arms Control and Disarmament Agency classificou o Brasil como um dos 10 principais exportadores de armas para o Terceiro Mundo, mas, hoje em dia, muitas das fábricas que produziam armas estão ociosas ou fechadas.35 A figura 1 ilustra o declínio tanto em exportação quanto em importação de armas na América do Sul, nos anos recentes.
Além disso, esta linha de pensamento coloca os governos civis numa situação peculiar, questionando seu controle sobre as forças armadas. Sem dúvida, o grau de autonomia das forças armadas varia de país para país, com base em sua retirada do poder, na legitimidade do governo civil e incontáveis outros fatores. No Chile, as forças armadas mantiveram uma grande quantidade de prerrogativas, enquanto, na Argentina, as forças armadas têm pouca influência ou prestígio.36 Qualquer que seja o caso, é imperativo que esses governos sejam capazes de formular o desenvolvimento da política de defesa, ou contribuir para a formulação dela, e não apareçam como sendo apenas marionetes dos Estados Unidos.
Na verdade, alguns especialistas regionais sugeriram que liberalizar a política de transferência de armas pode ajudar a melhorar as relações civis-militares. Patrice Franko, um autor que trata da comunidade brasileira de defesa, declarou, em recente entrevista, que tornar a política mais flexível “mostrará às forças armadas que há uma vantagem na espécie de políticas que têm estado buscando, de maior controle civil e tensões regionais reduzidas”.37 A democracia tornou-se a norma na região e esses regimes democráticos adotaram a maior parte das reformas econômicas neoliberais que lhes exigiram, mas nos recusamos a reconhecer-lhes o direito de determinarem unilateralmente suas necessidades de defesa. Essencialmente, estamos-lhes dizendo que sabemos o que é bom para eles e que eles não estão suficientemente amadurecidos para determinar sua própria política. Para numerosos latino-americanos, este argumento parece, na melhor das hipóteses, uma atitude condescendente de superioridade e, na pior das hipóteses, um caso de etnocentrismo.
O quarto argumento contra as vendas baseia-se na noção de que elas desestabilizarão a região ao introduzir novas tecnologias e armas, deflagrando, desse modo, uma corrida armamentista. A revisão histórica fornece indícios de que os embargos dos Estados Unidos podem revelar-se contraproducentes. Um exemplo claro disto ocorreu no final da década de 1970, durante a Administração Carter, quando os Estados Unidos recusaram-se a vender aeronaves e carros de combate ao Peru. O governo peruano voltou-se para a União Soviética e adquiriu caças SU-22 e um número significativo de carros de combate pesados, artilharia e helicópteros. As vendas alarmaram o Equador, vizinho do Peru, que, por sua vez, solicitou que os Estados Unidos lhe vendessem aeronaves para corrigir o desequilíbrio. De acordo com as políticas da Administração Carter, os Estados Unidos recusaram-se a vender, e iniciaram uma cadeia de acontecimentos que demonstrou a inutilidade da posição dos Estados Unidos. Após a recusa dos Estados Unidos, o Equador tentou comprar 24 caças Kfir de Israel, por US$152 milhões. Os Estados Unidos bloquearam a venda, porque os Kfir usavam um motor General Electric J-79 e Israel precisava receber a aprovação dos Estados Unidos antes de qualquer transferência deles para terceiros. Finalmente, o Equador voltou-se para a França e negociou a compra de 24 Mirage F1 por US$ 260 milhões.38 A tentativa, por parte da Administração Carter, de limitar a entrada de caças na região perturbada resultou em fracasso em diversos níveis. As aeronaves foram compradas a despeito disso, sem usar fontes dos Estados Unidos e a um custo maior do que o que se previa inicialmente. Além disso, isto forçou os equatorianos a comprarem o Mirage F1, uma aeronave consideravelmnente mais sofisticada do que as que estavam tentando comprar originalmente. Ironicamente, anos mais tarde, os peruanos comprariam o Mirage 2000 para contrabalançar a ameaça representada pelos F-1 equatorianos. Lamentavelmente, a história se repetiria em 1995, após o conflito mais recente entre Peru e Equador. Depois do conflito, a Força Aérea Peruana comprou MiG-29 Fulcrum da Bielorrússia para repor as perdas em combate. Além disso, os peruanos adquiriram mais de 100 mísseis ar-ar AA-10 e AA-8 para os MiG-29, como parte da compra. Os equatorianos, por outro lado, voltaram-se para Israel e adquiriram 4Kfir C-7 da Força Aérea Israelense.39
Fonte: Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), SIPRI Yearbook, 1997: Armaments, Disarmament and International Security (New York: Oxford University Press, 1997)
Figura 1: Importações versus exportações de armas pela América do Sul
A falta de disposição dos Estados Unidos de entrar no mercado de aeronaves na América Latina não limitou nem impediu a entrada dessa tecnologia, nem diminiu a possibilidade de uma corrida armamentista. Nos últimos anos a Força Aérea Chilena continuou a adquirir aeronaves, incluindo-se a compra de 25 Mirage V da Força Aérea Belga para substituir os Hawker Hunter que se estavam tornando velhos. Além disso, os chilenos estão negociando a compra de mais aeronaves de alerta antecipado (EW) para acrescentarem-se a seu único Condor (uma plataforma EW variante do Boeing 707, cons-truída em Israel). Essa expansão dará aos chilenos uma vantagem significativa em EW, em coleta de informações e em gerenciamento da batalha, reduzindo significativamente a necessidade deles de caças adicionais.40 Além disso, o Chile tornou muito claro que os Estados Unidos não são o único concorrente para sua próxima compra de, talvez, cerca de 60 caças.41 Durante a FIDAE 1998 (um show aéreo de grande importância aeronáutica) no Chile, os franceses e os suecos fizeram intensiva propaganda de suas aeronaves que entram na competição, na tentativa de fechar um negócio lucrativo. Em uma recente entrevista a um jornal chileno, o ex-ministro da defesa da Suécia, Anders Bjorck, sublinhou que o Chile era, sem dúvida, da mais alta prioridade de seu país e que os suecos não impõem restrições a suas vendas de armas, ao contrário dos Estados Unidos.42
Talvez um mais forte argumento contra a possibilidade de uma corrida armamentista seja o registro histórico. A América Latina, como região, tradicionalmente, gastou menos em defesa, em porcentagem do PNB, e teve menos conflitos entre países do que a maior parte das regiões do mundo (figura 2).
*Informação referente a 1985 não disponível
Fonte: International Institute for Strategic Studies (INSS), The Military Balance, 1996/98 (London: INSS, 1998)
Figura 2 – Dispêndio regional em defesa como porcentagem do PNB
Mesmo durante os anos de governos militares, os dispêndios deles foram comparativamente baixos. A análise das despesas com defesa, país a país, demonstram que não houve virtualmente qualquer diferença no resultado. Na sua maior parte, os países latino-americanos mantêm suas despesas militares abaixo de 2%, mostrando um declínio nos últimos dez anos (figura 3).
aInformação referente a 1985 não disponível
bInformação referente a 1996 não disponívelFonte: Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), SIPRI Yearbook, 1997: Armaments, Disarmament and International Security (New York: Oxford University Press, 1977)
Figura 3 – Dispêndios para a defesa por país em porcentagens do PNB
Além disso, os líderes regionais se têm encontrado, numa tentativa de padronizar o cálculo dos gastos em defesa, para uma trans-parência ainda maior. Em julho de 1998, durante a 5ª Reunião da Comissão Permanente de Segurança Argentino-Chilena, os líderes de ambos os países concordaram em seguir as orientações para gastos em defesa propostos pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina (CEPAL).43 Este marco significativo é coerente com o espírito das Conferências Ministeriais de Williamsburg e Bariloche.
No seu argumento final, o quinto, os críticos acusam a Administração Clinton de dobrar-se à pressão da indústria aeronáutica dos Estados Unidos e outros fabricantes de armas no seu esforço de promoverem seus bens na região. O ex-presidente da Costa Rica, Oscar Arias, um dos que apresentam essa crítica, afirmou recentemente:
A locomotiva do comércio de armas já não encontra mais combustível na política Oriente-Ocidente. Agora, ela é dirigida por motivos apenas econômicos, pela ganância, com comerciantes de armas buscando impulsivamente novos clientes, especialmente no mundo em desenvolvimento. E enquanto os governos desses países em desenvolvimento compram bilhões de dólares por ano em armas, seus povos permanecem sujeitos à arrepiante realidade da pobreza.44
Além de qualquer benefício econômico que a venda de armas possa trazer às companhias dos Estados Unidos que fornecem para a defesa, o cancelamento da proibição pode ter um impacto direto e positivo nos interesses dos Estados Unidos. Em outras palavras, é uma questão mais interessante ver não tanto o que uma mudança na política poderia realizar para as companhias que fornecem para a defesa e seus empregados, mas, sim, para metas mais amplas dos Estados Unidos na América Latina. Pode-se argumentar que as vendas são necessárias para manter a base industrial para a defesa e criar empregos para os trabalhadores dos Estados Unidos. Além disso, as proibições põem em risco a competitividade das compa-nhias dos Estados Unidos no mercado global e a situação se torna pior pelos cortes orçamentários que reduzem os financiamentos dos programas de pesquisa e desenvolvimento.45 Contudo, este é um argumento estreito que poderia ser considerado excessivamente egoísta, pelos críticos da venda de armas. Um argumento mais amplo e mais concentrado em favor de como as vendas de armas protegem e favorecem os interesses dos Estados Unidos na região é mais persuasivo. Na realidade, acreditamos que a falta de disposição dos Estados Unidos de venderem caças pode atrapalhar a venda de outras aeronaves ou tecnologias, como o avião de treinamento T-6 “Texan-2”, o que diminuiria nossa presença nesse teatro. A Raytheon, fabricante do T-6, acredita que haverá mercado para 300 a 400 aviões de treinamento na América Latina, no futuro próximo, e espera conseguir uma fatia desse mercado.46 O T-6 competiria contra aviões de treinamento construídos no exterior, como o “Super Tucano” brasileiro e o PC-9 “Pilatus”, construído na Suíça. A incapacidade dos fabricantes dos Estados Unidos de vender aviões de treinamento na região criaria uma distância ainda maior entre a Força Aérea dos Estados Unidos e nossos aliados regionais que, tradicionalmente, têm confiado em nossos manuais de treinamento, nos intercâmbios de instrutores e nos conteúdos de cursos para seus programas de treinamento de pilotos.
O mercado latino-americano de aeronaves de caça é demasiadamente pequeno para ter um impacto significativo na indústria aeroespacial dos Estados Unidos. Com toda probabilidade, diversos países comprariam aeronaves militares excedentes, como os modelos mais antigos do F-16. Numerosos outros caças foram retirados do acervo da USAF, da Air National Guard e Air Force Reserve. A diminuição drástica das forças armadas dos Estados Unidos, especialmente desde a Guerra do Golfo, forçou muitas dessas aeronaves a enfrentar uma aposentadoria precoce no deserto do Arizona. A venda dessas aeronaves poderia fazer-se com alguns “acordos de compensação” que exigissem que algumas funções de montagem e manutenção dos caças fosse feita no país que compra. Essas “compensações” reduzem ainda mais os benefícios econômicos de uma tal venda. Este foi o caso do programa A-4R “Fightinghawk”, na Argentina. Cerca de 2/3 dos A-4Rs serão montados na fábrica Lockheed-Martin, em Córdoba, Argentina, diminuindo os benefícios econômicos e as oportunidades de empregos nos Estados Unidos.47
É imperativo que os Estados unidos permaneçam envolvidos na região e, para isto, precisam estar dispostos a tratar das necessidades e preocupações de segurança de seus vizinhos. Essas necessidades incluem a aquisição de aeronaves de caça para modernizar suas frotas que estão envelhecendo. Se não nos envolvermos, outros atores se adiantarão para preencher o vácuo, e nossa influência continuará a diminuir. Uma revisão de nossos interesses na região é crítica a fim de compreender a crescente importância da participação militar dos Estados Unidos na América Latina.
Vendas de armas: interesses
dos Estados Unidos,
cooperação para a segurança
e desenvolvimento socioeconômico
As vendas de armas oferecem meios de construir e manter contatos entre militares numa época em que os Estados Unidos perderam significativa influência e capacidade de interferir nas forças armadas latino-americanas. Samuel Fitch observou que a influência militar dos Estados Unidos declinou significativamente desde antes do final da Guerra Fria, sendo que muito disto resultou das diminuições espetaculares na ajuda militar e nas transferências de armas.48 A continuação do declínio das quantias alocadas pelos Estados Unidos para o financiamento do programa de educação e adestramento militar internacio-nais (IMET) para a América Latina (tabela 1) é uma evidência adicional dessa perda de influência e de envolvimento diminuído. Quanto mais intensa for a relação na defesa, maior será a capacidade de Washington de influenciar as forças armadas da região para que respeitem os direitos humanos e as instituições democráticas e promovam o profissionalismo. O interesse supremo é envolver-se em contatos entre militares para aperfeiçoar a segurança, construir a estabilidade econômica e promover a democracia.
Finalmente, as vendas militares resultarão em maior intercâmbio, em exercícios interaliados e em maior compreensão mútua. Em outras palavras, as transferências permitirão maior envolvimento no estabelecimento de canais novos e mais amplos de comunicações entre forças armadas e governos. Não obs-tante, como observa o professor Fitch, o impacto disto na transformação dos valores e das crenças dos oficiais latino-americanos é limitado. Contudo, isto fornecerá um acréscimo importante às políticas dos Estados Unidos em favor da democratização ou do controle de drogas, “porque fornecem bens tangíveis e intangíveis que se perderão se aqueles que os recebem agirem de maneira contrária às políticas dos Estados Unidos”.49
Tabela 1
GASTOS DO IMET NA REGIÃO
(em milhares de dólares)
PAÍS | 1996 REAL | 1997 REAL | 1998 ESTIMADO | 1999 SOLICITADO | ||||
Alocações totais | Alunos Treinados | Alocações totais | Alunos Treinados | Alocações totais | Alunos Treinados | Alocações Totais | Alunos Treinados | |
Argentina | $542 | 186 | $603 | 179 | $600 | 178 | $600 | 189 |
Brasil | $200 | 38 | $222 | 42 | $225 | 42 | $225 | 42 |
Chile | $366 | 187 | $395 | 167 | $450 | 190 | $450 | 190 |
Colômbia | $147 | 30 | $0 | 0 | $900 | 100 | $800 | 89 |
Equador | $500 | 135 | $425 | 118 | $500 | 138 | $500 | 139 |
Peru | $400 | 75 | $483 | 133 | $450 | 124 | $450 | 124 |
Venezuela | $430 | 114 | $388 | 100 | $400 | 103 | $400 | 103 |
Fonte: Adam Isaacson e Jay Olson, Just the Facts: A Civilian’s Guide to U.S. Defense and Security Assistance to Latin America and the Caribbean, (Washington, DC: LATAM Working Group, 1988)
Na verdade, a transferência de armas também pode aumentar a influência dos Estados Unidos em questões que não são militares ou de segurança. Um estudo recente demonstrou que a transferência de armas dos Estados Unidos são um componente importante de um pacote genérico que aumenta a capacidade de influência dos Estados Unidos sobre os países que as recebem.50 Coerente com a teoria do funcionalismo, que declara que o poder e a influência são fungíveis, as vendas militares e a cooperação em segurança podem facilmente traduzir-se em influências em outras questões políticas e econômicas. As transferências de armas caso a caso oferecem a oportunidade de substituir a hegemonia perdida, reimplantando o exercício do que Joseph Nye chamou “aumento de influência pela dureza do poder”. Quer dizer, restaurar a capacidade de pressionar outros países a conformarem-se a nossas políticas, reinstalando os instrumentos de influência (por exemplo sistemas de armas) que podem ser usados depois para ameaçar com a retirada ou sanções se certas expectativas não forem cumpridas.51 Em poucas palavras, as vendas de armas aumentarão o nível de contato, a capacidade de influência e a camaradagem política que pode ser usada para exercer influência em um amplo espectro de questões, especialmente as relacionadas com a democracia e a paz e a segurança do hemisfério.
Nos anos recentes, um número menor de pilotos de caça latino-americanos estão recebendo treinamento de vôo nos Estados Unidos, enquanto um número crescente o está fazendo na França e em Israel. Nos últimos 10 anos, a Força Aérea dos Estados Unidos desativou o programa de treinamento de A-37 na Base Aérea Howard, Panamá, e o esquadrão de treinamento em F-5, na Base Aérea Williams, Arizona. Centenas de pilotos de caça latino-americanos passaram por essas escolas e tiveram contato com a doutrina e os pilotos da Força Aérea dos Estados Unidos. Com a exceção do Programa de Liderança na Aviação em T-37 e o limitado número de vagas no treinamento de A/T-38, poucos latino-americanos têm a oportunidade de receber treinamento nos Estados Unidos. Os pilotos de caça continuam a ser uma grande parte da chefia presente e futura das forças aéreas latino-americanas, e é imperativo que a Força Aérea dos Estados Unidos mantenha laços estreitos com esses oficiais.
O ex-secretário de defesa William Perry observou que a venda de aeronaves dos Estados Unidos é, sem dúvida, mais estabilizadora que desestabilizadora, porque vem com treinamento nos Estados Unidos, contato entre militares ou diálogo com as nossas forças armadas controladas de maneira democrática, e com o controle dos Estados Unidos sobre as peças de reposição.52 Isto dá um certo grau de poder sobre como o equipamento dos Estados Unidos seja empregado. O mau uso potencial das armas pode ser minimizado pela dependência de suprimentos, treinamento, peças de reposição e outros apoios dos Estados Unidos. Quanto mais os Estados Unido se encaminharem para a posição de principal fornecedor de todo o grupo de países, mais poderão determinar o equilíbrio relativo do armamento na região. Se os Estados Unidos fornecerem o mesmo equipamento a países vizinhos, estão em posição de promover medidas de construção da confiança por meio de manobras combinadas com a Força Aérea e a Marinha dos Estados Unidos, já que a doutrina tende a acompanhar o equipamento.53
A interoperabilidade dos sistemas de armamentos entre os países do hemisfério é um componente importante da espécie de coope-ração para a segurança que pode ser alcançada por meio de manobras interaliadas e de operações interamericanas eficazes e missões de manutenção da paz. A interoperabilidade é um meio crítico para interagir de maneira cooperativa com outras nações na região. Com exceção dos F-16 da Venezuela, não há forças aéreas latino-americanas operando com caças encontrados atualmente no acervo da USAF (tabela 2). Além disso, a maior parte dos caças na região têm mais de 20 anos e, freqüentemente, há falta do fornecimento de peças sobressalentes. Isto é especialmente o caso com os caças construídos nos Estados Unidos. Mesmo os A-4 Skyhawk recentemente remodelados, comprados pela Argentina e Brasil, são aeronaves antigas com aviônica aperfeiçoada e, no caso da Argentina, radares. É correto supor que a vida em serviço desses A-4 não será tão longa quanto a de um F-16. Este último é operado por numerosas forças aéreas e está programado para permanecer no acervo da USAF por muitos anos futuros. O equipamento comum facilita a interoperabilidade para operações interaliadas de socorro em catástrofes, manutenção da paz e combate ao tráfico de drogas. Em grande medida, do mesmo modo que a doutrina acompanha o equipamento, a interoperabilidade também contribui para o desenvolvimento de uma doutrina compartilhada, procedimentos negociados, exercícios de rotina e comando e controle compatível.
Tabela 2
AERONAVES DE CAÇA NAS PRINCIPAIS FORÇAS AÉREAS DA AM. LAT.
AERONAVE | ORIGEM | FABR. | FORÇA AÉREA E QUANTIDADE |
AMX A -1 | BR/IT | 1989 | BR (28) |
A-4 Skyhawk | US | 1972 | AR (48) some a/c on order |
A-37 | US | 1967–77 | CH (35), CO (26), EC (10), PE (11), VE (?) |
F-5 Tiger | US | 1972 | BR (56), CH (16), VE (18) |
F-16A Falcon | US | 1978 | VE (24) |
Jaguar | UK | 1972 | EC (11) |
Mirage III | FR | 1965 | AR (15), BR (18) |
Mirage V | FR | 1970 | AR (5), CH (29), CO (13), PE (11), VE (?) |
Mirage F-1 | FR | 1976 | EC (14) |
Mirage 50 | FR | 1980 | CH (15), VE (17) |
Mirage 2000 | FR | 1982 | PE (10) |
Kfir C-2/7 | IS | 1975 | AR (22), EC (9), VE (12) |
SU-20/22 Fitter | URSS | 1970–73 | PE (20+) |
SU-25 Frogfoot | URSS | 1970–88 | PE (14) |
Mig-21 Fishbed | URSS | 1958 | CU (150) |
Mig-23 Flogger | URSS | 1971 | CU (38) |
Mig-29 Fulcrum | URSS | 1982–86 | CU (34), PE (18) |
Fonte: Lt Col Luis F. Fuentes, “Air Forces of the Americas Almanac,” Airpower Journal International, 5 de maio de 1998.
Mais uma vez a interoperabilidade nessas áreas não apenas aperfeiçoa a cooperação, mas, também, a capacidade de Washington de influenciar a América Latina em outras áreas de interesse nacional para os Estados Unidos. Como afirma competentemente o estudioso e elaborador de políticas brasileiro Thomas Guedes da Costa:
A ameaça soviética não mais existe, mas se, por exemplo, os Estados Unidos quiserem mais do que uma participação simbólica dos países latino-americanos em iniciativas internacionais coletivas de manutenção da paz ou imposição da paz, é preciso que seja feito um esforço para construir capacidades operacionais militares comuns a fim de permitir a eficiência no campo de operações. A falta de padrões tecnológicos comuns, de armamentos e de táticas pode frustrar a formação de uma força internacional para operações interaliadas.54
As transferências de armas também colocam os Estados Unidos em uma posição singular e de maior influência para fortalecer a cooperação hemisférica para a segurança e as medidas de construção de confiança e segurança (CSBMs). Estabelecer um bazar de armas em vez de tomar decisões caso a caso não contribui para a paz e a segurança do hemisfério. Limita a capacidade dos Estados Unidos de manter conexões e exercer influências no estabelecimento de um sistema de segurança cooperativa. As vendas militares precisam estar acompanhadas de transparência em planejamento para a defesa, aquisições e orçamentos, exercícios interaliados, reuniões periódicas de alto nível, civis e militares, e outras CSBMs que contribuirão para construir boa fé, confiança e compreensão mútua entre as forças armadas da região. A arquitetura da segurança coope-rativa, desenvolvida pelo 1º Encontro de Ministros da Defesa, em Williamsburg, Virginia (julho de 1995) oferece a moldura para a salvaguarda da paz e da segurança na região; desse modo, diminui o potencial da corrida armamentista e do conflito, que poderiam resultar da venda de armas para a região. Em outras palavras: recebendo melhores informações a respeito das compras de armas e planos de defesa e capacidades dos vizinhos, os países da região devem ser capazes de avaliar com mais confiança suas próprias necessidades de segurança e, desse modo, evitar compras de armas desnecessárias.
A reunião de Williamsburg estabeleceu um conjunto de princípios que se tornaram a pedra angular de um novo arranjo de segurança no hemisfério. Primeiro, a resolução de notórias disputas por acordos negociados e a adoção generalizada de medidas de cons-trução de confiança em um horizonte temporal consistente com a paz e a integração econômica do hemisfério. Segundo, o aumento da transparência nos assuntos de defesa, por meio de trocas de informação, relatando gastos de defesa, e um maior diálogo civil-militar. Finalmente, promover maior cooperação para a defesa, para apoio de operações voluntárias de manutenção da paz aprovadas pelas Nações Unidas.55 O estabelecimento de um Centro Interamericano de Estudos da Defesa na National Defense University não é apenas um esforço importante para ampliar a competência especializada civil em segurança regional e questões de defesa, mas é crítico para construir programas de cooperação e de boas relações entre líderes civis e militares da América Latina.
Finalmente, há poucas razões para acreditar que as vendas de armas dos Estados Unidos levarão a uma explosão dos gastos em defesa e ao enfraquecimento das instituições democráticas, como argumentaram alguns críticos. Primeiro, isto supõe, numa época de austeridade fiscal e de neolibera-lismo, que os governos da América Latina entrarão em consumismo nos gastos militares. A decisão do governo chileno de suspender a compra de aeronaves de combate por causa de restrições orçamentárias devidas à atual crise financeira global demonstra um nível de responsabilidade fiscal que os críticos não estão dispostos a reconhecer. Além disso, a América Latina gasta menos de 2% do produto nacional bruto em defesa. Não há razão para acreditar que cancelar a proibição levará inevitavelmente a um aumento nos gastos irresponsáveis para defesa. Em outras palavras, não há uma relação de soma-zero entre comprar armas e o desenvolvimento socioeconômico. Finalmente, o argumento de que o gasto em defesa tem efeitos negativos sobre o cres-cimento econômico e as condições sociais tem sido coerentemente revelado falso pelos dados.56 Na verdade, alguns estudos encontraram a relação entre “armas e crescimento” como sendo positiva.57 Karl DeRouen recentemente observou que as aquisições de defesa nos regimes militares da América Latina não têm um efeito positivo nem negativo na pobreza e no desenvolvimento socioeconômico da região.58 Como se observou, as vendas de armas, se acompanhadas de transparência e de um esforço de comum acordo para estabelecer um arranjo de segurança cooperativa no hemisfério, por meio das CSBMs, não colocará em perigo a segurança nem o desenvolvimento socioeconômico das Américas.
Conclusões
O elemento fundmental na política de vendas de armas dos Estados Unidos para a América Latina é adotar um tratamento mais realista que permita que as vendas de armas sejam um componente do poder e da influência dos Estados Unidos, particularmente sobre as forças armadas da região, enquanto tentam manter ou ampliar o nível de paz e segurança, por intermédio das medidas de construção da confiança e dos arranjos de cooperação para a segurança, como esboçado nas reuniões dos ministros da defesa, em Williamsburg e Bariloche, Argentina. Este artigo argumentou contra a proibição e contra o bazar de armas. Nenhuma dessas alternativas extremas oferece garantia de paz, segurança e cooperação no hemisfério. Além disso, também não há indícios de que essas alternativas contribuam, necessariamente, nem para o fortalecimento das instituições democráticas, nem para que recursos sejam canalizados para o desenvolvimento socioeconômico. Na verdade, não há evidência de que a transferência de armas tenha um efeito negativo sobre a democratização, a paz e a segurança do hemisfério, ou sobre o desenvolvimento socioeconômico da região. Os críticos das vendas de armas apenas ofereceram hipóteses, e nenhum indício real de que as transferências de armas terão um impacto deletério sobre a democracia, a segurança e o desenvolvimento na região.
Em vez de fazer pender as relações civis-militares em favor das forças armadas, como a maior parte dos críticos sustenta, as vendas de armas podem ser elemento de uma relação mais estável, que pode contribuir para a democratização. Militares profissionais e bem treinados que se envolvam em exercícios interaliados e operações globais, como manutenção da paz, irão, crescentemente, despolitizar as forças armadas e favorecer o controle civil. Não há correlação entre fornecer aos chilenos um esquadrão de aeronaves de caça F-16 e o enfraquecimento da democracia. As forças armadas chilenas não precisam de aeronaves de caça para solapar a democracia. Em relação à segurança hemisférica e à militarização, as transferências de armas taambém não levarão, necessariamente, a uma corrida armamentista ou a conflitos, se forem feitas no contexto da transparência, da cooperação e das medidas de construção da confiança, como exercícios combinados e contato entre as forças armadas. Os princípios de Williamsburg fornecem à segurança hemisférica a moldura ou arquitetura necessária para fazer das transferências um componente da paz e da segurança, em vez de um componente da militarização e do conflito.
Finalmente, os críticos das vendas de armas argumentam que a compra de sistemas de armas desviará recursos dos programas sociais e econômicos que deles muito necessitam. Mais uma vez, não há evidência segura de que isto seja verdade. Na verdade, os governos democráticos da região têm, de fato, reduzido os gastos com defesa nos últimos dez anos, sem significativo acréscimo no gasto social. As democracias são compelidas pelas preferências do eleitorado, que não podem ignorar. Se, de fato, houver uma relação de soma zero entre compra de armas e desenvolvimento socioeconômico, as democracias sempre optarão por satisfazer as exigências de seus eleitorados. Wendy Hunter observa, em sua análise da escolha racional, que os governos civis sempre contestarão e, em seguida, desbastarão a influência militar, como resultado da prática democrática e da necessidade de satisfazer às exigências do eleitorado.59
Em suma: as transferências de armas podem, de fato, ser usadas como um instrumento de construção da paz e da democracia na América Latina, em vez de serem fontes de militarismo e conflito. Contudo, as transferências de armas precisam ser realizadas caso a caso e dentro do contexto de uma moldura consolidada de segurança hemisférica que aperfeiçoe a segurança hemisférica e a cooperação por meio das CSBMs. Afinal, as transferências de armas podem tornar-se elemento integral da política e dos interesses mais amplos dos Estados Unidos na região: democracia, paz e segurança, desenvolvimento e restauração ou o aperfeiçoamento do poder e da influência dos Estados Unidos na América Latina.
Notas
1. Phillip Finnegan, “U.S. Firms Find Little Room in Latin American Market,” Defense News (18–24 March 1996), p. 1.
2. Phillip Finnegan, “Latin Policy Shift Prompts Calls for U.S. Arms Provisos,” Defense News, (7–13 April 1997), pp. 1.
3. Phillip Finnegan, “U.S. Firms Find Little Room in Latin American Market,” Defense News (18–24 March 1996), p. 1.
4. Michael N. Beard, “United States Foreign Military Sales Strategy: Coalition Building or Protecting the Defense Industrial Base,” (Air War College Research Report, Maxwell AFB, 1995), p. 8.
5. Mary H. Cooper, “Arms Sales: Should the U.S. Cut its Weapons Exports,” CQ Researcher, Vol. 4, No. 46 (9 Dec 1994), p. 1090.
6. 22 U.S. Code Sec. 2370, 1976.
7. Ibid., p. 1091.
8. Ernest Graves, “The Future of U.S. Security Assistance and Arms Sales,” The Washington Quarterly (Summer, 1991), p. 52.
9. Heliodoro González, “U.S. Arms Transfer Policy in Latin America: Failure of a Policy,” Inter-American Economic Affairs, Vol. 29, No. 3, (1978), p. 67.
10. Cooper, p. 1093
11. Ibid., p. 1094
12. “U.S. Ranks First in Latin Sales”, Aviation Week and Aerospace Technology, (15 Sept 1997), p. 42.
13. Phillip Finnegan, “Argentine Cuts Devastate Military Operations,” Defense News, (18–24 March 1996), p. 4.
14. Stockholm International Peace Research Institute, SIPRI Yearbook: 1997, (Oxford University Press, 1997), p. 269
15. Bob Graham e Richard Lugar, “How U.S. Policies Prevent Arms Race in Latin America, “ The Miami Herald, (19 October 1997).
16. Congressional Research Service (CRS), “Conventional Arms Transfers to Developing Nations, 1988–1995” (Washington, DC: CRS/Library of Congress, Government Printing Office, 1996), p. 2
17. Ibid., p. 3
18. Para breve revisão do impacto negativo das vendas de armas para os interesses Estados Unidos na América Latina, veja-se Thomas Cardamone, “Arms Sales to Latin America,” Foreign Policy in Focus, vol. 2 no. 53 (December 1997), pp. 1–5.
19. Lt Col Daniel L. Scott, Limiting Combat Aircraft Sales to Latin America. National Defense Fellow, University of Miami (17 April 1998).
20. Veja-se Jimmy Carter, “Statement on Arms Sales to Latin America,” The Carter Center, Office of Public Information; 9 January 1998; e Oscar Arias, “Human Security: Our Common Responsibility,” Disarmament, vol 19, no. 3 (1997), pp. 7–17.
21. Todd Robberson, “Latin American Leaders Fear Costly Weapons Race: They Lament End of US Ban on Arms Sales in Region,” Dallas Morning News (9 August 1997), p. 1A.
22. The World Bank, World Development Report 1997: The State In a Changing World (New York: Oxford University Press, 1997), p. 43.
23. Comisión Económica para América Latina (CEPAL), La brecha de la equidad (Santiago, Chile: Naciones Unidas, 1997), pp. 25–26.
24. IDB, Economic and Social Progress in Latin America: Adjusting to Reform (Washington, DC: Johns Hopkins University Press, 1997), p. 12.
25. Os comentários de Samper foram recolhidos em Howard LaFranchi, “Bullets or Books? US May Tip Balance in Latin America,” Christian Science Monitor (16 October 1997), p. 1.
26. Veja-se Felipe Aguero, “Toward Civilian Supremacy in South America,” in Consolidating the Third Wave Democracies, eds. Larry Diamond, Marc F. Plattner, Yn-han Chu and Hung-mao Tien (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1997), pp. 177–206.
27. Para uma excelente resenha da manutenção de poder e influência das forças armadas latino-americanas sobre o processo de democratização, veja-se Brian Loveman, “Protected Democracies and Military Guardianship: Political Transitions in Latin America, 1978–1993,” Journal of Inter-American Studies and World Affairs, vol. 36, no. 2 (Summer 1994), pp. 105–190.
28. Oscar Arias, “A New Arms Code,” The Nation, vol. 264, no. 21 (2 June 1997), p. 6.
29. SIPRI Yearbook: 1997, p. 273
30. H. González, (1978), p. 76.
31. William P. Avery, “Domestic Influences on Latin American Importation of U.S. Armaments,” International Studies Quarterly, Vol. 22, No. 8 (March 1978), pp. 121–140.
32. Para uma discussão completa da participação latino-americana em operações multinacionais, veja-se Maj Antonio L. Palá, “The Increased Role of Latin American Armed Forces in UN Peacekeeping: Opportunities and Challenges,” Airpower Journal, Vol. 10, Special Edition 1995, pp. 17–28.
33. Antonio L. Palá, “Peacekeeping and Its Effects on Civil-Military Relations: The Argentine Experience,” in International Security & Democracy: Latin America and the Caribbean in the Post-Cold War Era, Jorge I. Dominguez Ed., (Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1995), pp. 140–145.
34. Comentário do Brigadeiro Ivan Moacyr Frota, Comandante do Comando Geral do Ar brasileiro, em 12 de maio de 1993, citado em “El Complot para Aniquilar las Fuerzas Armadas de Iberoamerica”, (Mexico City: Mexico, 1993), pp. 390–391.
35. Carlos Acuña e William Smith, “Arms and Democracy in the Southern Cone: Demilitarization and Regional Cooperation,” North-South Issues, Vol. 4, No. 1, (1995), p. 5.
36. Para uma comparação das prerrogativas militares no Cone Sul, veja-se Wendy Hunter, “Contradictions of Civilian Control: Argentina, Brazil and Chile in the 1990s,” Third World Quarterly, Vol. 15, No. 4 (1994), pp. 633–653.
37. Finnegan (April 7–13, 1997), p. 27.
38. H. González, (1978), p. 81.
39. SIPRI Yearbook 1997: p. 304.
40. David A. Fulghum, “Chile’s Air Force Considers Smaller, Cheaper AWACS,” Aviation Week and Space Technology, (6 April 1998), p. 67.
41. David A. Fulghum, “Chilean Air Force Requires Sixty-Fighter Minimum, Cheaper AWACS,” Aviation Week and Space Technology, (30 March1998), p. 34.
42. Patricio González Cabrera, “Dicen Autoridades de Suecia: No Condicionan Venta de Cazabombardero Gripen,” El Mercurio, (data?), p. 4.
43. Reimpressão de um artigo em “El Mercurio”, do Chile, em El Nuevo Herald (20 July 1998).
44. Charles M. Senecott, “U.S. Weighs End to Arms Sales Curb; Advanced Weapons Would Go to Latin America; Foes Hit Plan,” The Boston Globe (21 February 1997), p. A1
45. Para a análise do impacto das vendas de armas dos Estados Unidos sobre os fornecedores para a defesa e modernização de armas, veja-se Jeffrey Record, “Lifting the Latin Arms Ban: “Much Ado about Not Much,” Defense Week (6 October 1997), p. 16; Donald Scantlan, “Foreign Military Sales: Good or Evil,” Army Logistician (March–April 1995), pp. 10–11; e Lt. Col. Michael Beard (Air Force), United States Foreign Military Sales Strategy: Coalition Building or Protecting the Defense Industrial Base (Maxwell AFB: Air War College, 1995).
46. David A. Fulghum, “Puzzlement Persists About Which Trainer Chile Will Buy,” Aviation Week and Space Technology, 6 April 1998, pp. 69.
47. David M. North, “Three South American Air Forces Choose Refurbished Skyhawks,” Aviation Week and Space Technology, (6 April 1998), p. 68.
48. J. Samuel Fitch, “The Decline of U.S. Military Influence in Latin America,” Journal of Inter-American Studies and World Affairs, vol. 35, no. 2 (Summer 1993), pp. 1–35.
49. Ibid., p. 9.
50. John Sislin, “Arms as Influence: The Determinants of Successful Influence,” Journal of Conflict Resolution, vol. 38, no. 4 (December 1994), pp. 665–689.
51. Joseph Nye, “The Changing Nature of Power,” Political Science Quarterly, vol. 105 no. 2 (Summer 1990), pp. 177–192.
52. Para os comentários de Perry, veja-se Steven Lee Myers, “U.S. Lifts a Ban on Weapon Sales to Latin America,” New York Times (6 August 1997), pp. 1, 4.
53. Mark Falcoff, “Arms Sales: An Old Issue Revisited,” American Enterprise Institute for Public Policy Research, June 1997.
54. Thomaz Guedes da Costa, “Post-Cold War Military Relations between the United States and Latin America,” in Security, Democracy, and Development in U.S.-Latin American Relations, eds. Lars Shoultz, William C. Smith e Augusto Varas (Coral Gables: North-South Center/Transaction, 1994), p. 142.
55. William J. Perry, Defense Ministerial of the Americas Report (Washington, DC: DOD, July 1995).
56. O primeiro a desenvolver este argumento foi Edwin Lieuwen, “Militarism and Politics in Latin America,” in The Role of the Military in Underdeveloped Politics ed. John Johnson (Princeton: Princeton University Press, 1962).
57. B. Biswas e Rati Ram, “Military Expenditures and Economic Growth in Less Developed Countries: An Augmented Model and Further Evidence,” Economic Development and Cultural Change, vol. 34, no. 2 (1986), pp. 361–372.
58. Karl DeRouen, “Defense Spending and Economic Growth in Latin America: The Externalities Effects,” International Interactions, vol. 19, no. 3 (1994), pp. 193–212.
59. Wendy Hunter, Eroding Military Influence: Politicians against Soldiers (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1997).
Colaborador
O Tenente-Coronel Antonio L. (“Tony”) Palá (Bacharelado, Florida International University; Mestrado, Webster University; Doutorado [pendendo a defesa de tese], University of Miami, Florida) é professor-assistente de espanhol e presidente do Grupo de Estudos Latino-Americanos na Academia da Força Aérea dos EUA (USAFA). Possuindo mais de 3.000 horas de vôo em B-52 e treinadores, serviu, de 1984 a 1987, como instrutor de idioma estrangeiro e de T-41 na USAFA. Nos três anos seguintes foi piloto de intercâmbio do programa de instrução de vôo junto à Força Aérea Espanhola, . Em 1990, tornou-se chefe dos cursos de vôo por instrumentos e, finalmente, diretor dos cursos de oficiais na Academia Inter-Americana das Forças Aéreas, Base Aérea de Homestead, Flórida. Nesta qualidade, viajou extensivamente pela região avaliando os programas de instrução das forças aéreas latino-americanas. Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e a Escola de Comando e Estado-Maior, ambas da USAF, bem como a Escola de Comando e Estado-Maior do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. Autor de diversos artigos e trabalhos publicados, já realizou preleções na Escola de Altos Estudos do Poder Aéreo da USAF e muitas conferências sobre as forças armadas latino-americanas.
O Dr. Frank O. Mora (Bacharelado, George Washington University; Mestrado, Doutorado, University of Miami) é professor-assistente de estudos internacionais e diretor do Programa de Estudos Latino-Americanos na Rhodes College, em Memphis, Tennessee. Trabalha desde 1995 com a Escola de Altos Estudos do Poder Aéreo, na Base Aérea Maxwell, Alabama, como consultor convidado. O Dr. Mora é autor de vários trabalhos sobre relações civis-militares, segurança hemisférica, e relações EUA-América Latina.
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