Os vagões voadores na Força Aérea Brasileira
Texto adaptado e complementado de Fernando Almeida Vasconcelos (Os vagões voadores - INCAER, 2007) - Por JONAS LIASCH - Blog Cultura Aeronáutica
Após a Segunda Guerra Mundial, a fábrica americana Fairchild projetou e desenvolveu aviões especificamente voltados para operações aeroterrestres. Nos modelos até então utilizados, como o DC-3, havia sempre o risco de o pára-quedista chocar-se com o estabilizador horizontal da aeronave. O modelo concebido pela Fairchild previa uma fuselagem totalmente isolada da empenagem; esta era mais alta que o corpo do avião e a ele era ligada por tubos (“booms”) que partiam das asas, nos pontos onde eram instalados os motores. O cone traseiro da fuselagem tinha duas portas que podiam ser abertas em vôo para o salto dos pára-quedistas. O próprio cone traseiro podia ser aberto, para permitir o embarque de cargas volumosas, ou mesmo retirado, nos vôos em que fosse realizado o lançamento desse tipo de carga. A altura do compartimento de carga tinha a mesma altura dos caminhões para facilitar o embarque ou desembarque da carga a ser transportada.
O primeiro avião construído pela Fairchild com essas características foi o C-82 Packet (foto abaixo). Seu compartimento de carga tinha uma seção quadrada que caracterizava a aerodinâmica de sua fuselagem. Era um avião muito simples, e a simplicidade estava evidenciada no enorme painel com poucos e grandes instrumentos (para navegação só dispunha de dois radiocompassos, bússola e giro direcional). A bequilha não tinha controle direcional, sendo o táxi realizado por meio dos freios e dos motores. Outra característica singular era a operação do trem de pouso: em vez do sistema hidráulico utilizado na maioria das aeronaves, no C-82 o recolhimento ou abaixamento era realizado por um enorme parafuso, acionado por um motor elétrico.
Posteriormente, a Fairchild desenvolveu o C-119 Flying Boxcar (foto ao alto).O conceito da fuselagem separada da empenagem foi mantido. O compartimento de carga tinha a mesma altura, volume e seção quadrada do C-82, porém a fuselagem que o envolvia era muito mais aerodinâmica. A aviônica era bem mais avançada: além dos ADF, dispunha de RMI, VOR e ILS; comunicação por HF, VHF e UHF. Um primitivo piloto automático mantinha a atitude desejada, não necessariamente a altura e o curso previstos – para tanto eram necessárias contínuas e constantes correções.
Seu maior avanço em relação ao C-82 foi a motorização. Era equipado com dois motores dos mais avançados para a época, os Wright R3350 e os Pratt & Whitney R4360: dispunham de supercompressores e de turbinas que aproveitavam parte da energia desenvolvida pelos gases do escapamento e forneciam uma potência de 3.400 a 3.500 HP em cada eixo. Injeção de metanol podia ser utilizada durante a decolagem para melhorar o seu desempenho. Os motores eram de tal forma potentes que requeriam um cuidado especial para que seus limites não fossem excedidos, o que implicaria em “overboost”, condição em que a estrutura dos cilindros ficaria comprometida. A decolagem exigia perfeita coordenação da tripulação. Inicialmente, era calculado o torque mínimo para retirar do solo a aeronave, em função do peso, da altitude e das condições de temperatura e umidade reinantes. Também se calculava, em função das mesmas variáveis, qual a compressão máxima que os cilindros poderiam suportar, acima da qual ocorreria o “overboost”. Após aplicar 30 polegadas de compressão e verificar os instrumentos dos motores, o 1P (comandante) soltava os freios e iniciava a corrida de decolagem, com a preocupação de manter apenas a reta. O 2P (co-piloto) aumentava a potência atento somente ao indicador de pressão de admissão, a fim de evitar que o limite calculado fosse ultrapassado. O mecânico monitorava o indicador de torque e avisava quando o mínimo calculado era alcançado, o que permitia ao piloto prosseguir com a decolagem, ciente de que teria condições inclusive de superar a pane em um dos motores. Caso o torque mínimo não fosse alcançado, o sinal negativo do mecânico implicava na aplicação do reverso e a decolagem era abortada. Este era um dos exemplos que eu citava para cada turma de novos alunos que chegava a Guaratinguetá, como prova da importância da função por eles desempenhada e do espírito de equipe reinante entre as tripulações de vôo.
C-82 - 2207 da Força Aérea Brasileira em cores SAR - Observar que os motores foram removidos para revisão.
O combustível normalmente utilizado era a gasolina 115/145 octanas, nem sempre encontrada nos aeroportos, o que levava a um complexo planejamento e operação da aeronave. Onde não houvesse a gasolina recomendada, os tanques internos eram reabastecidos com gasolina 100/130. A decolagem e a subida eram realizadas utilizando a gasolina 115/145 existente nos tanques externos. Na altitude de cruzeiro passava-se a utilizar a gasolina 100/130, até secar completamente os tanques internos. Lembro-me bem do silêncio reinante e da atenção de toda a tripulação no indicador de pressão do combustível que apontaria a secagem total e a necessidade de imediata troca de tanque.
O C-82 foi imortalizado no filme “O Vôo da Fênix”, de 1965, no qual uma aeronave pilotada por James Stewart cai no deserto e os sobreviventes montam um novo avião usando um motor, um “boom” e outras partes da aeronave acidentada. Uma versão mais recente do filme (2004) utiliza um C-119. Apesar de as cenas aéreas decorrerem de efeitos computacionais, as cenas no solo têm um significado especial para aqueles que tiveram a oportunidade de dominar aquela máquina tão especial.
A Força Aérea Brasileira adquiriu, inicialmente, doze C-82. Nesse tipo de aeronave realizamos nosso primeiro salto de pára-quedas, na década de 50. Posteriormente, a FAB comprou doze C-119. Cada um deles equipava um dos esquadrões do 1º GTT, sediado no Campo dos Afonsos, e ambos foram utilizados na ponte aérea que deslocou tropas brasileiras para a República Dominicana, na década de 60. Cada um tinha capacidade para transportar um helicóptero H-13, com as pás desmontadas. Quando ocorria um acidente, um vagão voador transportava o H-13, sua tripulação e uma equipe do PARASAR para a base que sediaria as operações de busca. Localizada a aeronave acidentada, a equipe do PARASAR era lançada e preparava a clareira para o H-13 fazer o resgate. Três técnicas eram utilizadas para realizar o lançamento por pára-quedas. No primeiro, o mestre de salto, de dentro do avião, solicitava ao piloto as correções de rumo necessárias para colocar a aeronave no correto eixo de lançamento. No segundo, uma equipe de precursores, do solo, orientava o piloto pelo rádio. O terceiro, mais utilizado para lançamento de carga pesada, era totalmente comanda do pela tripulação da aeronave.
Considerando a balística de queda da carga e, depois da abertura do pára-quedas, sua deriva em função do vento reinante na zona de lançamento, a tripulação calculava o ponto em que ela deveria ser lançada. O treinamento era realizado com tambores cheios de água amarrados a uma plataforma. Em uma longa final para o lançamento, diversos procedimentos eram realizados, sendo a carga progressivamente liberada de suas amarras ao avião. No ponto previsto, uma forte cabrada da aeronave faria a carga deslizar pelos “pallets” e ser lançada. Em um desses treinamentos, todo o procedimento foi cuidadosamente realizado, porém o controlador no solo informou que a carga não tinha saído. O mecânico desceu para o compartimento de carga e confirmou que ela tinha sido lançada. Uma busca no terreno localizou a carga, que tinha caído no meio de uma praça em Vila Kennedy e não atingiu alguém por um verdadeiro milagre. Tal incidente motivou um total reestudo dos procedimentos para o lançamento por esta modalidade.
Na década de 60, os antigos Territórios eram administrados e apoiados pelas Forças Armadas. À Marinha cabia o Amapá, ao Exército os antigos Territórios de Iguaçu e Porto Velho; e à Aeronáutica, os de Boa Vista e Fernando de Noronha. Daí o grande número de viagens que os aviões do GTT faziam transportando carga de e para aquelas localidades. No caso de Fernando de Noronha, a aeronave ficava baseada em Recife, alguns dias, realizando duas pernas por dia para a Ilha. Na ida transportava carga de toda ordem, inclusive combustível, pois muitas eram as carências do Território. No retorno, transportava para Recife toneladas de peixe de excelente qualidade, o que significava divisas para o Território. Numa dessas pernas, além de peixes, foram transportados caranguejos vivos e que se soltaram durante o vôo. Devido à possibilidade de os crustáceos danificarem os cabos de comando da aeronave, ela só pôde retornar ao vôo após rigorosa e minuciosa inspeção em todos os seus compartimentos. E esse tipo de carga passou a ser considerada perigosa e proibida nas demais missões.
Em 1968, os De Havilland C-115 Búfalo passaram a ser operados pelo 1º/1º GTT, em substituição aos C-82. A partir de 1972, a deterioração dos componentes elétricos e eletrônicos passou a limitar a operação dos C-119, que foram posteriormente substituídos pelos C-130, os quais cumprem, até hoje, com muito maior eficiência e segurança, as missões anteriormente atribuídas aos “vagões voadores”.
C-82 - 2210 da Força Aérea Brasileira
As aeronaves C-82 foram operadas pela FAB de 1955 a 1968. e os C-119 voaram de 1962 a 1975. Três dessas aeronaves foram preservadas, dois C-119G e um C-82. Um C-119 encontra-se no Museu Aerospacial - MUSAL, no Rio de Janeiro, em excelentes condições. Uma das semi-asas foi removida para que o avião coubesse no espaço a que foi destinado, mas está preservada ao lado da aeronave. Um C-82 está do lado externo do Musel, e está sendo restaurado de forma bastante lenta. Outro C-119G encontra-se no 2º/1ºGTT, também no Rio de Janeiro, preservado inteiro mas a céu aberto (acima).
| | | |
Brazilian s/n | US s/n | msn | Remarks |
2200 | 48-584 | 10219 | Original serial number: 2065. To Brazilian operator Amazonia Ind e Comercio as PT-DLP. Scrapped in October 1970. |
2201 | 48-586 | 10221 | Stored at Museu Aerospacial (MUSAL), Rio de Janeiro, Brazil? |
2202 | 48-585 | 10220 | Preserved at Museu Aerospacial (MUSAL), Rio de Janeiro, Brazil. |
2203 | 48-583 | 10218 | Scrapped after retirement. |
2204 | 48-580 | 10215 | Scrapped after retirement. |
2205 | 48-587 | 10222 | Scrapped after retirement. |
2206 | 48-577 | 10212 | Scrapped after retirement. |
2207 | 48-578 | 10213 | To Brazilian operator Amazonia Ind e Comercio as PT-DNZ. Crashed 28 October, 1970, Serra do Norte, Brazil. |
2208 | 45-57822 | 10192 | Scrapped after retirement. |
2209 | 48-573 | 10208 | Scrapped after retirement. |
2210 | 48-571 | 10206 | Scrapped after retirement. |
2211 | 48-576 | 10211 | Scrapped after retirement. |
| | | |
0 Comentários