A vingança das Cobras Fumantes

Fonte: Der Spiegel, 5 de janeiro de 2010 - Via Sala Guerra

Ao pensar no Brasil se pensa em caipirinha, Copacabana – e nazistas que fugiram para lá das ruínas do Terceiro Reich. Muito menos sabido: 25.000 brasileiros lutaram na Europa contra Hitler na Segunda Guerra Mundial. As “Cobras Fumantes” que fizeram isso ainda tomaram toda uma divisão do Exército Alemão.

A surpresa foi em ambos os lados, mas os alemães eram maioria: na sangrenta luta ao redor da cidade de Montese, no norte da Itália, em meados de abril de 1945, três soldados Aliados em patrulha se viram, de repente, lutando contra toda uma divisão do exército inimigo. Após uma dura mas breve batalha, Arlindo Lucio da Silva, Geraldo Baeta da Cruz e Geraldo Rodrigues de Souza estavam mortos. Impressionados com o espírito de combate dos oponentes, os alemães fizeram-lhes cruzes de madeira. Na inscrição se lia: “Três heróis brasileiros”.

Que sul-americanos lutaram na Segunda Guerra Mundial contra Hitler no meio da Europa, pouca gente hoje sabe. Pelo contrário, o subcontinente e o Brasil são vistos como um paraíso para os simpatizantes nazistas e esconderijo de muitos criminosos de guerra. Ironicamente, o Brasil, que se tornou após 1945 o refúgio do notório médico nazista Josef Mengele, em 1944 enviou uma força militar de 25.000 homens para lutar contra a Wehrmacht na Europa.

Muitos brasileiros pensaram na época que motivos obscuros levaram à guerra contra a Alemanha. “Mais fácil uma cobra fumar do que brasileiros irem à guerra”, era o ditado comum, e era grande o ceticismo entre o Amazonas e o Rio Grande. O presidente Getúlio Dornelles Vargas nunca escondera suas simpatias por Mussolini e o movimento fascista. Quando ele criou o “Estado Novo” no Brasil em 1937, seu modelo de governo focava-se pesadamente no modelo italiano.

Cinco navios afundados em 40 horas

Após o início da Segunda Guerra Mundial, Vargas esquivou-se e tentou permanecer na neutralidade. Em vista da maciça pressão política e de tentadoras ofertas de ajuda, ele deu aos Estados Unidos concessões graduais após a entrada dos americanos na guerra em 1941. Em outubro de 1941, a Marinha Norte-Americana ganhou o direito de usar os portos atlânticos no nordeste brasileiro, onde um esquadrão de hidroaviões americanos foi instalado. Em janeiro de 1942 o Brasil rompeu relações diplomáticas com as potências do Eixo. Mas ainda assim, Vargas recusou-se a declarar guerra a Hitler ou enviar tropas.

A ocasião foi providenciada pelos próprios alemães no primeiro semestre de 1942, após submarinos alemães afundarem um total de 13 navios mercantes brasileiros – de facto, o Brasil e o Terceiro Reich estavam em estado de guerra. Mas Vargas ainda hesitava. Então, o submarino U-507 torpedeou o Atlântico Sul entre 16 e 17 de agosto de 1942, e dentro de 40 horas, não menos que cinco navios de bandeira brasileira foram ao fundo. Mais de 600 vidas foram perdidas. Alguns dias depois, em 22 de agosto de 1942, o Brasil estava oficialmente em guerra contra a Alemanha e Itália.

Porém, as primeiras unidades da Força Expedicionária Brasileira somente desembarcaram em Nápoles, no sul da Itália – que tinha sido liberada pelos americanos em outubro de 1943 – em 2 de julho de 1944. Finalmente marchavam as tropas brasileiras, as “Cobras Fumantes”, identificados pelo emblema no ombro esquerdo de seus uniformes: uma cobra que, entre suas presas, fumava um cachimbo.

Brasileiros na “Linha Gótica”

O batismo de fogo das “Cobras Fumantes” se deu em 14 de setembro de 1944 no vale do rio Serchio, ao norte da cidade de Lucca, na Toscana. Após dois dias de luta, eles capturaram a cidade de Massa Rosa, de 20.000 habitantes, e celebraram sua primeira grande vitória. Então a situação se tornou menos jubilosa: o lendário General norte-americano Mark Clark, que engendrou a invasão da Itália, e era comandante do 5º Exército americano, ordenou que os brasileiros fossem para os Apeninos.

Lá, as cobras deveriam ajudar no combate às forças armadas da “Linha Gótica” – a pesadamente fortificada rede de defesas ao longo dos Apeninos entre Pisa e Rimini, com 30 quilômetros de profundidade, dotada de campos minados, valas antitanque, posições de artilharia e ninhos de metralhadora. E não somente isso: os tropicais sul-americanos se viram repentinamente em meio às duras condições do inverno no norte da Itália – junto ao tenaz inimigo havia também o frio do gelo.

Embora inicialmente tenha rompido a linha em muitos pontos, o ataque não pôde ser concluído com sucesso. Com enormes perdas, dificuldades de suprimento, falta de comida e tempo ruim, os Aliados foram forçados a esperar o inverno passar. Enquanto isso, os alemães fizeram dos congelados brasileiros alvo de guerra psicológica, lançando folhetos de propaganda e um programa de rádio diário em português chamado “Hora Auriverde”, que objetivava enfraquecer seu moral.

Uma divisão alemã capturada

Em fevereiro e março de 1945 os Aliados foram finalmente capazes de tomar posições-chave nas montanhas. Em meados de abril, as “Cobras Fumantes”, que irromperam após a Batalha de Montese e penetraram as linhas alemãs no norte. O Regimento Tiradentes tinha apenas 129 soldados.

Mas as cobras conseguiram um sucesso espetacular. Em 28 de abril de 1945, a sudoeste da vila de Ponte Scodogna, em Parma, às margens do rio Taro, toda a 148ª Divisão de Infantaria sob comando do Generalleutnant Otto Fretter-Pico, partes da 90ª Divisão de Infantaria Mecanizada e diversas unidades italianas se renderam. Dois generais, cerca de 900 oficiais e aproximadamente 20.000 soldados caíram em cativeiro dos brasileiros. Eles preferiram cair prisioneiros dos brasileiros, pois estavam cercados por partisans italianos.

Em 2 de maio finalmente o Exército Alemão se rendeu na Itália, no mesmo dia em que as “Cobras Fumantes” chegaram a Turim. Mais de 450 brasileiros pagaram com as vidas pela liberação da Europa dos nazistas. Seus restos inicialmente foram enterrados no cemitério de Pistoia, mas em 1960 foram trasladados para o Brasil. No Rio de Janeiro, o distrito do Flamengo hoje possui um monumento aos mortos na Segunda Guerra Mundial.



Patrulha brasileira no front italiano durante o inverno 1944-1945. Nem sempre os brasileiros lutaram com vestimenta de inverno.

Presidente Vargas negocia com o Presidente Roosevelt a bordo de um destróier americano em 2 de janeiro de 1943.

O Tenente Pedro Paulo de Figueiredo Moreira (indicado com a seta) embarcando no Rio de Janeiro para a Itália.

No caminho para a Itália, parte dos 25.334 brasileiros que foram combater os nazistas.

A tropa desfilando em frente ao Castel Nuovo, em Nápoles, logo após chegarem em 2 de julho de 1944.

General Clark (esq.) e o General Dutra (ao seu lado) inspecionam tropas durante visita do último à Itália, em outubro de 1944.

General Otto Fretter-Pico se rendendo à Força Expedicionária Brasileira.

General Willis Crittenberger (esq.) e General Clark (dir.) em frente à Torre de Pisa em 6 de setembro de 1944. Os brasileiros lutaram sob seu comando.

Cemitério de Pistoia, que inicialmente abrigou os mortos brasileiros.

Monumento aos mortos na Segunda Guerra Mundial, no Rio de Janeiro.