Os 100 anos do massacre dos hereros trouxe à tona na Alemanha suas relações com a Namíbia. Seu vínculo colonial vinha caindo no esquecimento das novas gerações alemãs. Exposição fala do passado e do presente.
A história colonial da Alemanha não foi tão sangrenta quanto a de outros países. Em parte porque começou tarde, quando o imperialismo europeu já estava no auge; e também porque durou pouco, terminando com a Primeira Guerra Mundial. Mesmo assim, o que aconteceu há 100 anos com os hereros e os namas — dois povos da Namíbia — pode ser considerado hoje o primeiro genocídio da história da Alemanha, segundo o etnólogo Michael Bollig, da Universidade de Colônia, um dos organizadores de uma exposição na cidade renana.
Tanto esse capítulo negro da história colonial alemã, que teve início em 1904, quanto a situação atual no país são tema da exposição "Namíbia-Alemanha: uma história dividida — resistência, violência, lembrança". Ela pode ser vista no museu etnológico Rautenstrauch-Joest de Colônia até 3 de outubro, sendo exibida a seguir em Berlim.
Uma história dividida, contada de dois ângulos
A Namíbia chamava-se Sudoeste da África durante o período de colonização alemã de 1884 a 1915. O comerciante de tabaco alemão Adolf Lüderitz — cujo retrato é um dos 600 objetos exibidos — foi o primeiro a negociar a compra de terras com um dos líderes dos namas. O então chanceler Otto von Bismarck colocou essas posses sob protetorado alemão em 1884.
A Conferência de Berlim, nesse mesmo ano, consolidou o papel da Alemanha como potência imperial. Além do Sudoeste da África, surgiram colônias alemãs no oeste e no leste do continente (Camarões, Tanzânia, Togo), no Pacífico Sul (Micronésia, Nova Guiné, Samoa) e na China (Kiautshou).
Enquanto a primeira parte da exposição se ocupa das relações entre a Namíbia e a Alemanha no século 19, documentando desde as primeiras tentativas de cristianização dos africanos pelas missões, a segunda é dedicada à sangrenta guerra colonial de 1904 a 1918.
A terceira e última procura reconstruir a história de algumas famílias mistas e mostrar como vivem hoje brancos e negros numa Namíbia ainda dividida pelas conseqüências do apartheid a que o país esteve exposto durante quase todo o século 20.
Para contar essa "história dividida" era preciso realmente várias perspectivas, o que também se nota na organização da mostra: uma faixa branca conta os fatos relevantes do ponto de vista dos colonizadores; uma negra, da parte dos colonizados.
Interesses comerciais
Em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, tropas sul-africanas entraram no país, colocando fim ao período colonial alemão. O Tratado de Versalhes, em 1919, colocou a região sob mandato da Liga das Nações, encarregando o governo sul-africano da sua administração. A Namíbia foi um dos últimos países africanos a conseguir sua independência, em 1990, após anos de luta de organizações de resistência como a Swanu e a Swapo.
A base do colonialismo alemão foram os "contratos de proteção" negociados com os chefes locais. Em troca da promessa de ajuda em conflitos locais, o Império Alemão recebeu o direito de usar os territórios e seus recursos. Quem se recusava a assiná-los, era forçado sob ameaça de violência. Muitos foram executados.
A pecuária é até hoje uma das principais atividades dos descendentes de colonos alemães na Namíbia
Os comerciantes se interessavam por gado, peles, marfim (a exposição exibe uma bola de bilhar de marfim!) e penas de avestruz, produtos que eram trocados por armas, roupas e objetos de ferro. Com o tempo, estabeleceu-se um sistema de dívidas que representou a ruína dos povos africanos, principalmente após uma peste bovina. Alguns líderes começaram a vender terras aos europeus, em troca de mercadorias.
Revolta e morte no deserto
Uma série de tensões precedeu o levante dos hereros em 1904: exploração e práticas fraudulentas dos comerciantes brancos, discriminação, perda de terras, a constante violentação de mulheres africanas, bem como o início da construção de reservas para os hereros e outros grupos étnicos. Geralmente estas situavam-se em áreas inaproveitáveis economicamente.
A guerra colonial começou com um assalto dos hereros a fazendas e postos militares alemães em 12 de janeiro de 1904. Foi um dos primeiros levantes organizados contra o colonialismo na África. Após uma série de combates, os africanos sofreram uma forte derrota perto de Waterberg em agosto. Os sobreviventes foram encurralados no deserto de Omaheke. Cercados por um cinturão militar de 250 quilômetros, milhares morreram de sede.
Em outubro foi a vez dos namas se rebelarem contra o domínio colonial. Eles preferiram ataques menores a grandes batalhas e mantiveram sua resistência até 1908, embora o Império Alemão declarasse oficialmente a guerra por terminada em 31 de março de 1907.
Os primeiros campos de concentração
Os alemães recorreram pela primeira vez a campos de concentração nessa guerra colonial. A exposição mostra fotos de vários deles. O mais precário — as tendas eram de cobertores — era para prisioneiros e situava-se numa ilha próxima à Baía de Lüderitz, em que muitos morreram de frio.
Outro campo, em Swakopmund, era muito importante para a colônia, pois concentrava mão-de-obra para o porto, aonde chegavam mercadorias e tropas da Alemanha. Em Windhoek e outros campos, milhares morreram de inanição ou esgotamento, de tuberculose, escorbuto, tifo e outras doenças.
Os campos de concentração, bem como relato de corpos empilhados e fotografias macabras de crânios sendo encaixotados para envio à Alemanha, onde seriam usados para "fins científicos" (comparações anatômicas das raças), despertam necessariamente associações com o Holocausto posterior, que daria ao termo genocídio uma nova e trágica dimensão.
O termo Konzentrationslager (campo de concentração) surge pela primeira vez em um telegrama que o chanceler do Reich, príncipe von Bülow, enviou ao comandante das tropas coloniais em 11 de dezembro de 1904, ordenando a sua construção, para que ali ficassem reunidos os hereros sobreviventes.
O general implacável e as vítimas da guerra
A forma como o general Lothar von Trotha comandou a guerra colonial é encarada hoje pela maioria dos historiadores como genocídio. "Eu dizimo as tribos rebeldes com rios de sangue e rios de dinheiro", era uma das máximas do sanguinário militar prussiano, que já combatera rebeliões no leste da África e na China, e para quem as tribos africanas só se rendiam pela violência.
A guerra colonial terminou com um saldo de 1750 alemães mortos. Da parte africana só há estimativas, que vão de 35% a 80% dos hereros, ou seja, entre 40 mil e 100 mil, e até 50% dos namas, calculados em 22 mil. Enquanto a guerra colonial está praticamente esquecida na Alemanha, na Namíbia ela faz parte da memória coletiva e ainda é um trauma nacional. Até hoje o país africano espera um pedido oficial de desculpas de Berlim.
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