A decisão do presidente Barack Obama de colocar um chefe de inteligência na direção do Pentágono e um general de quatro estrelas na direção da Agência Central de Inteligência (CIA) é a mais recente evidência de uma mudança significativa na forma como os Estados Unidos travam suas batalhas na última década: diminuindo as fronteiras entre soldados e espiões em missões secretas americanas no exterior.

Nesta quinta-feira, Obama anunciou que Leon Panetta, o diretor da CIA, será o novo secretário da Defesa - substituindo Robert Gates - e que o general David Petraeus vai voltar do Afeganistão para aceitar o cargo de Panetta na CIA.

Como diretor da CIA, Panetta acelerou a transformação da agência de espionagem em uma organização paramilitar, coordenando uma forte escalada da campanha de bombardeios da CIA no Paquistão utilizando aeronaves não-tripuladas, e um aumento no número de bases e agentes secretos em partes remotas do Afeganistão.


O general David Petraeus e Leon Panetta, atual diretor da CIA que deve assumir o Pentágono

Petraeus, por outro lado, agressivamente posicionou os militares em território da CIA, usando tropas de Operações Especiais e empreiteiros de segurança privada para realizar missões secretas de inteligência. Como comandante do Comando Central dos Estados Unidos, em setembro de 2009, ele também assinou uma ordem confidencial que autorizava tropas de Operações Especiais americanas a coletar inteligência na Arábia Saudita, Jordânia, Irã e outros lugares fora das zonas de guerra tradicional.

O resultado disso é que os militares e agentes de inteligência dos Estados Unidos são muitas vezes indistinguíveis uns dos outros quando realizam operações confidenciais no Oriente Médio e na Ásia Central. Alguns membros do Congresso reclamam que essa nova forma de guerra permite pouco espaço para debate sobre a abrangência e dimensão das operações militares. Na verdade, agências militares e de espionagem americanas agora operam em tamanho sigilo que muitas vezes é difícil encontrar informações específicas sobre o papel dos Estados Unidos em missões importantes no Iraque, Afeganistão, Paquistão e agora Líbia e Iêmen.

As operações também têm criado tensões com aliados importantes como o Paquistão e provocam dúvidas sobre se os espiões e soldados merecem as mesmas proteções jurídicas.

Oficiais reconhecem que as diferenças entre soldados e espiões têm diminuído.

"É realmente irrelevante se você chama isso de uma ação de espionagem ou de uma operação militar especial", disse Dennis Blair, um almirante de quatro estrelas aposentado e ex-diretor nacional de inteligência. "Realmente não acho que haja qualquer distinção".

O fenômeno de a CIA estar cada vez mais como o Pentágono e vice-versa tem críticos dentro de ambas as organizações. Alguns dentro do serviço de espionagem acreditam que a campanha de ataques no Paquistão, que se tornou fundamental na estratégia do governo Obama contra o terrorismo, tem distorcido a missão histórica da CIA como uma agência de espionagem civil e a transformado em um braço do Departmento de Defesa.

Henry Crumpton, um oficial de carreira da CIA e ex-oficial de alto escalão contra o terrorismo do Departamento de Estado, elogiou Petraeus como "um dos mais sofisticados consumidores da inteligência". Mas Crumpton alertou de forma mais ampla contra a "militarização da inteligência", conforme oficiais antes uniformizados assumem altos postos de trabalho no aparato de inteligência cada vez maior dos Estados Unidos.

Por exemplo, James R. Clapper Jr., um general da Força Aérea aposentado, é o atual diretor nacional de inteligência, principal assessor de Obama na questão. O major-general Michael Flynn, ex-oficial de inteligência no Afeganistão, em breve se tornará um dos principais assistentes de Clapper.

"Se a comunidade de inteligência for tomada por oficiais militares, eles compreensivelmente irão refletir as suas experiências", disse Crumpton.

No Pentágono, os novos papéis criam questões legais. Quanto mais os soldados são usados para operações de espionagem no exterior, mais eles correm o risco de serem presos e terem negadas as proteções da Convenção de Genebra, caso sejam capturados por governos hostis.

Ainda assim, poucos acreditam que a tendência possa ser revertida. Uma sucessão de guerras gerou tensão entre os agentes tanto do Pentágono quanto da CIA, e os Estados Unidos passaram a acreditar que muitos de seus inimigos atuais podem ser combatidos de maneira mais eficaz fazendo uso de informações de inteligência ao invés de poder de fogo.

Esses fatores aproximaram as operações militares e de inteligência nos anos seguintes aos ataques de 11 de setembro de 2001.

"Na prática, há uma indefinição nas missões", disse o senador Jack Reed, democrata de Rhode Island e integrante do Comitê de Serviços Armados, que serviu como oficial da 82 ª Divisão Aérea. "As operações militares podem poupar tempo na reconstrução das forças de segurança locais, mas a inteligência é a chave para essas operações e para antecipar as ações de seu adversário".

Autoridades americanas afirmam que as tensões e ressentimentos são agora muito menores do que quando o secretário da Defesa Donald Rumsfeld expandiu as operações de coleta de informações do Pentágono para se tornar menos dependente da CIA.


A "Ordem de Execução" sigilosa assinada por Petraeus em setembro de 2009 autorizou tropas de Operações Especiais dos Estados Unidos a realizar missões de reconhecimento e a construção de redes de inteligência - em todo o Oriente Médio e na Ásia Central - a fim de "penetrar, interromper, derrotar e destruir" grupos militantes e "preparar o ambiente" para futuros ataques militares americanos. Mas essa ordem que ampliou o papel dos militares na espionagem foi elaborada em conjunto com a CIA, segundo oficiais do governo.

Petraeus tem trabalhado em estreita colaboração com a CIA desde a missão na Bósnia nos anos 1990, um relacionamento que cresceu durante suas turnês de comando no Iraque e Afeganistão. Na realidade, algumas das missões que ele supervisionou parecem ter sido mais parecidas com operações clandestinas do que missões militares tradicionais.

Mesmo antes de Petraeus assumir como chefe do Comando Central dos militares supervisionando as operações no Oriente Médio, há quase três anos, ele encomendou um estudo sobre a ameaça representada por militantes em um país no qual poucos políticos americanos haviam se concentrado – o Iêmen. O braço da Al-Qaeda no Iêmen é considerado a ameaça mais imediata para os Estados Unidos.

A relação do generalal com o presidente do Iêmen Ali Abdullah Saleh foi bem documentada nos dossiês diplomáticos divulgados pelo WikiLeaks no ano passado. E as operações militares no país, começando com ataques aéreos em dezembro de 2009, estão envoltas em um sigilo ainda maior do que os ataques aéreos da CIA no Paquistão.

Saleh, no entanto, impôs um limite no pedido de Petraeus de enviar consultores americanos para acompanhar os soldados iemenitas em operações de contraterrorismo.

Agora, com o governo Saleh ameaçado de cair, Petraeus irá assumir o controle da CIA – e voltará a ser parte da guerra secreta dos Estados Unidos no Iêmen.

Fonte: IG