Enquanto os americanos penam para se libertar da imagem negativa provocada pelas invasões no Iraque e no Afeganistão, franceses e britânicos viram na repressão da revolta popular na Líbia como a oportunidade perfeita para retomarem um lugar de destaque na política internacional. Analistas avaliam que, depois de terem ignorado as manifestações que derrubaram ditaduras no Egito e na Tunísia, os líderes europeus agora tentam reverter o fiasco e se fixarem como apoiadores mundiais da democracia, custe o que custar.
Ao mesmo tempo em que o presidente americano, Barack Obama, hesitou em aprovar uma intervenção militar na terra de Muammar Kadafi e deseja que a operação seja o mais breve possível - herança das campanhas impopulares no Oriente Médio -, Nicolas Sarkozy e David Cameron estimam que a ação da coalizão não tem data para acabar e insistem para que os bombardeios aos alvos militares do ditador só cessem quando ele demonstrar que cumpre os cessar-fogos que anuncia. Sarkozy chegou a tentar impedir que o comando das operações fosse parar nas mãos da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
"Desde 2008, a política francesa não ocupava um papel protagonista no cenário internacional", lembra Bertrand Badie, especialista em Relações Internacionais e professor da Sciences Po, a prestigiada escola superior francesa de ciências políticas e sociais. Badie explica que, com os Estados Unidos evitando entrar em novas polêmicas e os alemães decididos a não participar do confronto na Líbia, os franceses se aliaram aos britânicos para assumirem a liderança da coalizão. Depois de uma longa fase de afagos com a chanceler Angela Merkel, de Berlim, agora chegou a vez de o presidente francês se voltar para a outra poderosa liderança do Velho Continente, o Reino Unido.
Já do ponto de vista de Cameron, o comando franco-britânico convém a Londres não apenas para atenuar as manchas deixadas pelas invasões precedentes na região, sob o governo Tony Blair, mas também para fortalecer a parceria de longa data que mantém com os americanos: historicamente, quando um não deseja, o outro assume a responsabilidade. "Uma batalha aparentemente justa, que tem como foco a busca pela democracia, cai como uma luva tanto para Sarkozy quanto para Cameron. Já para Obama, a situação é mais delicada, já que as feridas de guerras recentes são, para eles, mais profundas", diz Badie.
Para completar, a Líbia também é o alvo perfeito para uma operação que tem como pano de fundo a chegada da democracia: se conseguir atender seus objetivos, a coalizão ainda derruba um ditador que incomoda os ocidentais há décadas e de quem não viam a hora de ser verem livres, estima Badie. "Kadafi não é popular no Ocidente nem no mundo árabe, onde ele tem poucos aliados. É diferente do caso da Síria, por exemplo, onde uma operação militar internacional seria quase impossível", avalia.
A investida na Líbia - autorizada pela ONU e, agora, assumida oficialmente pela Otan - ainda tem a função de atenuar a imagem de ingerência ocidental arbitrária nos países árabes, como ocorreu no Iraque e no Afeganistão. Ao contrário destes países, na Líbia a ofensiva foi festejada pelos insurgentes que lutam por democracia, destaca Jean-Pierre Maulny, diretor-adjunto do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), de Paris, e doutor em Defesa.
"Essa guerra é fundamental para diminuir a imagem de 'Ocidente contra países árabes', que acabou marcando as polêmicas invasões no Iraque e no Afeganistão. Agora, a ideia é mostrar a intenção de uma aliança: Ocidente ajuda países árabes a se livrar de seus ditadores", afirmou Maulny.
"Essa operação é muito mais política do que estratégica", disse Badie. "É uma vantagem poder mostrar os aviões em ação, mas não tenho dúvidas de que este não foi um dos fatores levados em consideração na hora de optar pelo conflito", afirmou Maulny.
O Brasil é um dos países que estudam as propostas americana e francesa, além de uma terceira, sueca, para a compra de 36 novos caças para renovar a frota da Força Aérea Brasileira.
A violência dos confrontos entre as forças de Kadafi e a resistência rebelde, durante os quais milhares morreram e multidões fugiram do país, gerou a reação da comunidade internacional. Após medidas mais simbólicas que efetivas, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a instauração de uma zona de exclusão aérea no país. Menos de 48 horas depois, no dia 21 de março, começou a ofensiva da coalizão, com ataques deFrança, Reino Unido e Estados Unidos
Fonte: Terra
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