Qualquer observador atento sobre o que se passa no Médio Oriente estará, certamente, a centralizar as suas atenções ao recente diferendo entre Israel e a Turquia, grandes aliados dos Estados Unidos e influentes militarmente falando. Embora no passado, a expulsão de diplomatas israelitas pela Turquia e o congelamento de relações diplomáticas já se tenha verificado, nunca os dois países viveram uma crise, nas relações bilaterais, como esta. O caldo entornou quando há duas semanas a ONU tornou público um relatório em que considerava “legal o bloqueio naval israelita”, mas “excessivo” o uso de força por parte de Israel contra o navio civil em que morreram nove cidadãos da Turquia. O Governo turco exigia que as autoridades israelitas formulassem um pedido de desculpas público, facto rejeitado por Tel Aviv, que alegou que as suas forças de segurança terão agido correctamente.Seguiu-se uma onda de ameaças de sanções por parte da Turquia, ante a contenção verbal de Israel, em que a expulsão de diplomatas israelitas até ao segundo secretário da embaixada foi, até agora, o apogeu.Outras ameaças seguem-se, nomeadamente o de envio de navios militares para o mar Mediterrâneo para escoltar embarcações civis com ajuda para as populações sitiadas da Faixa de Gaza.
O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, voltou a afirmar, durante a visita à Tunísia, que Israel não podia fazer o que queria no Mediterrâneo oriental e que navios de guerra turcos podiam estar lá a qualquer momento. Washington pede contenção às duas partes, numa altura em que o agudizar da situação entre os dois países pode ter sérias implicações na paz regional e no futuro da OTAN.

Como se sabe, a Turquia é membro da Organização do Tratado do Atlântico do Norte, um pacto cuja Carta determina, entre outras coisas, que um ataque a qualquer um dos membros significa um ataque à Organização. Israel, não sendo membro da OTAN, goza de relações privilegiadas com os Estados Unidos que, por sua vez, é também aliado e co-parceiro da Turquia na aliança militar.

Alguns países membros como os Estados Unidos, a França e a Inglaterra, bem como as instituições no seio do pacto militar, nomeadamente o Alto Conselho, e outras como a ONU devem fazer esforços no sentido de uma reversão desta situação. Embora não pareça, os dois países, ao manterem irredutíveis as suas posições, caminham perigosamente para uma confrontação militar. Por um lado, o Estado de Israel, que já fez saber que pretende ver reduzida a tensão com a Turquia, defende que o bloqueio naval à Faixa de Gaza deverá ser mantido.

A Turquia, pela voz do seu primeiro-ministro disse que o Mediterrâneo deixará de ser um mar em que as forças navais israelitas ditem as regras, prometendo confrontar o bloqueio à Faixa de Gaza até nas instituições internacionais.

A rota de colisão entre os dois países é clara e, numa altura em que os turcos parecem vivamente interessados em recuperar o papel de influentes na região, parece que o seu governo não vai parar. Basta ver como foi encarada, no mundo árabe, a reacção turca na confrontação com Israel, ao ponto do primeiro-ministro ter sido recebido de forma entusiástica no Egipto, ­Tunísia e Líbia.
A morte dos nove turcos, a rejeição do pedido de desculpas, a primavera árabe e a questão palestiniana alimentam a Turquia, numa altura em que a influência islâmica sobre o Governo de Istambul suplanta o secularismo que se inspira no pai fundador da Turquia moderna, Kemal Ataturk. Espera-se que a guerra de palavras entre as duas potências regionais, cujas relações se deterioraram desde que Israel matou nove turcos a bordo de um navio de ajuda dirigido para Gaza no ano passado, não resvale para uma confrontação militar propriamente. Nada indica que se chegue até aí, mas qualquer confrontação militar obrigará a invocação do chamado artigo de defesa colectiva. Resta saber até onde a Turquia e Israel, cada uma à sua maneira, vão esticar a corda, levando os Estados Unidos a uma difícil gestão desta crise.

Fonte: Jornal de Angola - Por Faustino Henrique