Em setembro de 1945, terminou a Segunda Guerra Mundial. Seis anos de
tragédia e sofrimento para a humanidade finalmente chegaram ao fim. Logo
a seguir, milhares de soldados, unidades militares e equipamentos
começaram a ser desmobilizados.
Vista panorâmica do cemitério de aeronaves militares do AMARG |
A aviação tinha desempenhado um papel fundamental durante a guerra, e
milhares de aeronaves foram produzidas pelos americanos durante os anos
em que estiveram envolvidos na guerra. Subitamente, deixou de haver
necessidade de tantas aeronaves, e seus tripulantes estavam retornando à
atividade civil. Restava, então, uma imensa tarefa: encontrar um
destino adequado para essas aeronaves. Muitas sequer tinham sido
entregues pelos fabricantes às forças armadas.
Republic F-84 empilhados para venda aos sucateiros, na década de 1960 |
Antes e durante a guerra, muitas bases aéreas de treinamento foram
construídas em lugares remotos, longe da atividade de aeronaves civis e
de lugares densamente povoados. Grande parte dessas bases foram
construídas nos desertos do sudoeste americano. Uma dessas bases,
denominada Davis-Monthan Landing Field, foi construída como aeroporto
municipal na cidade de Tucson, Arizona, em 1925. O nome da base
homenageou dois pilotos nascidos em Tucson, da época da Primeira Guerra
Mundial, que morreram em desastres separados, Samuel H. Davis e Oscar
Monthan. Os militares começaram a usar o aeroporto a partir de 1927, e
em 1940, o campo foi denominado Tucson Army Air Field. A partir dessa
época, o aeroporto civil de Tucson foi realocado para outro lugar. Em 3
de dezembro de 1941, o campo foi rebatizado de Davis -Monthan Army
Airfield, às vésperas do ataque japonês a Pearl Harbor.
Impressionante número de aeronaves fora de serviço no AMARG. A maioria jamais voltará a voar novamente |
Davis-Monthan serviu como base de treinamento para, pelo menos, 20
unidades de bombardeiros pesados e muito pesados, que utilizavam,
principalmente, aeronaves Boeing B-17 Flying Fortress, Consolidated B-24
Liberator, e Boeing B-29 Superfortress, durante a Segunda Guerra
Mundial. No fim da guerra, no entanto, tais unidades foram praticamente
desfeitas e a situação da base ficou em um impasse, e considerou-se a
hipótese de sua total desativação.
Os McDonnell-Douglas F-4 Phanton dominam a paisagem no AMARG |
Todavia, como o Exército precisava de locais para armazenar as aeronaves
retiradas de serviço ativo, a base foi mantida. O clima seco e de solo
alcalino de Tucson era ideal para preservar aeronaves, pois evitava a
corrosão das suas estruturas. O solo endurecido possibilitava armazenar
aeronaves fora das áreas pavimentadas, mesmo se fossem muito pesadas.
Davis-Monthan passou a servir, então, como muitos outros campos no
deserto do sudoeste, como cemitério de aeronaves inservíveis, até que se
encontrasse um destino final para as mesmas.
Belo exemplar do Convair B-58 Hustler, salvo entre as aeronaves do tipo sucateadas em Davis-Monthan AFB, em 1976. |
As atividades de armazenamento e reciclagem das aeronaves militares
ficaram a cargo do 4105th Army Air Force Unit. Em setembro de 1945, tais
atividades empregavam 11.614 pessoas. Durante essa época, entre junho
de 1945 e março de 1946, alguns dos alojamentos da base também serviram
como campos de prisioneiros de guerra.
Míssil nuclear de médio alcance Thor, desmontado no AMARC |
As principais aeronaves armazenadas em Davis-Monthan foram,
inicialmente, os Boeing B-29 Superfortress e os Douglas C-47. Como tais
aeronaves tinham grandes chances de reaproveitamento posterior, foram
preservadas cuidadosamente. Entre os aviões preservados nessa época na
base estavam os dois B-29 que lançaram as bombas atômicas sobre o Japão,
em agosto de 1945, o Enola Gay e o Bock's Car.
F/A 18 Hornet armazenados no AMARG |
Em 1948, com a criação da United States Air Force (USAF), a base foi
redenominada Davis-Monthan Air Force Base (AFB). A unidade que
administrava as aeronaves armazenadas foi denominada 3040th Aircraft
Storage Depot. Em 1965, o 3040th foi redenominado Military Aircraft
Storage and Disposition Center (MASDC), e passou a abrigar todas as
aeronaves desativadas das forças armadas americanas. A marinha
americana, que tinha mantido, até então, seu próprio cemitério de
aeronaves em NAS Litchfield Park, em Goodyear, Arizona. Em fevereiro de
1965, cerca de 500 aeronaves da Marinha, Fuzileiros Navais e Guarda
Costeira, fora de serviço, foram deslocadas para o MADSC. A NAS
Litchfield Park foi desativada em 1968, e virou um aeroporto civil.
Continuou a servir como cemitério de aeronaves, agora civis, e até hoje
mantém tal atividade, como destino final de aeronaves comerciais.
Aeronaves salvas da destruição e agora expostas no Pima Air & Space Museum |
Ao redor da base, foram se estabelecendo, gradativamente, empresas civis
de processamento de metais reciclados, assim como um Museu, o Pima Air
& Space Museum, aberto ao público em maio de 1976. O Pima Museum
tornou-se um dos maiores museus aeroespaciais do mundo, com mais de 300
aeronaves em exposição, muitas delas de grande porte e raras, como os
Boeing B-52, Convair B-58 Hustler, Lockheed SR-71A Blackbird, Lockheed
Constellation, Boeing KC-97, Convair B-36 Peacemaker e outras igualmente
muito interessantes.
Na década de 1980, o MASDC passou a servir como centro de reciclagem de
antigos mísseis balísticos intercontinentais nucleares (ICBM - Intercontinental Ballistic Missiles), sendo redenominado Aerospace Maintenance and Regeneration Center (AMARC), para refletir sua real função.
Fim da linha para os Lockheed Galaxy C-5, no AMARG |
Normalmente, Davis-Monthan armazena somente aeronaves militares.
Eventualmente, aeronaves civis aparecem por lá, no entanto. Durante a
década de 1980, o Departamento da Defesa iniciou um programa de
remotorização dos aviões-tanque Boeing KC-135 Stratotanker, para um
modelo denominado KC-135E. Os Boeing KC-135 são originários do mesmo
protótipo que originou os Boeing 707, e mostraram ser excelentes
aviões-tanques, exceto quanto à motorização. Equipados com motores
turbojatos Pratt & Whitney J-57-P59W, que desenvolviam 10.000 lbf de
empuxo seco e 13.000 lbf de empuxo "molhado" (com injeção de água),
essas aeronaves tinham sérias restrições de peso e de consumo, além de
não serem equipadas com reversores de empuxo.
Alguns Boeing 707 civis comprados para o Programa KC-135E |
Quando as empresas aéreas passaram a substituir suas frotas de 707 por
aeronaves mais modernas, entre o final do anos 70 e começo dos anos 80, a
Força Aérea começou a adquirir, agressivamente, todas as células
disponíveis no mercado, por preços que variavam de US$ 850.000 A US$
950.000, dependendo da condição geral do avião.
Restos de aeronaves vendidas à Southwest Alloys. Notem o Boeing 707 antes operado pela Transbrasil, com matrícula brasileira PT-TCQ. |
Entre setembro de 1981 e novembro de 1990, 186 Boeing 707 e 720 foram
removidos para o AMARC, acrescidos por mais 102 células quase completas
até 1993. No AMARC, esses aviões tiveram seus econômicos e potentes
motores Pratt & Whitney JT-3D removidos, para reequipar os KC-135.
Pátio do ferro velho da Southwest Alloys, um dos muitos instalados ao redor do AMARC |
Uma vez despojados dos seus componentes mais úteis aos KC-135, os aviões
tinham suas derivas removidas, para compensar o deslocamento do centro
de gravidade pela remoção dos motores, e eram, finalmente, colocados à
venda no mercado civil de sucata. Alguns desses antigos Boeing 707 ainda
permanecem em poder dos militares.
B-52 esperando pela guilhotina |
Em 31 de julho de 1991, os Estados Unidos e a União Soviética assinaram um acordo de redução de armas estratégicas, o SALT 1 (STrategic Arms Reduction Treaty),
que incluiu a eliminação de 365 bombardeiros Boeing B-52. Como tal
destruição deveria ser conferida por fotos de satélite pelos soviéticos,
os aviões foram cortados por guilhotinas de 13 mil libras, erguidas por
guindastes e cabos de aço, e depois por serras circulares elétricas,
para melhor eficiência e possibilidade de reaproveitar peças de
reposição. A maior parte desses B-52 cortados em pedaços ainda permanece
em Davis-Monthan AFB. O número de peças de reposição disponibilizados
no AMARC para os B-52 e para os KC-135 contribui, sem dúvida, para que a
vida útil dessas aeronaves possa ser prorrogada até a década de 2040.
Super Guppy ex-NASA em Davis-Monthan, após o fim do Projeto Apollo |
Durante os últimos anos, uma média de 4.500 aeronaves têm permanecido no
AMARC, ao mesmo tempo. Se a unidade fosse uma força aérea independente,
seria a segunda maior do mundo.
Em maio de 2009, o comando do AMARC foi transferido para o 309th
Maintenance Wing, e redenominado AMARG - 309th Aerospace Maintenance and
Regeneration Group.
Existem quatro categorias de armazenamento para aviões dentro do AMARG:
- Longo Prazo: As aeronaves são mantidas intactas e cuidadosamente preservadas para uso futuro;
- Recuperação de Peças: As aeronaves são armazenadas para desmontagem, sendo utilizadas como fonte de peças de reposição;
- Aeronaves em Stand-by de curto prazo: As aeronaves são mantidas intactos para estadias mais curtas do que as de longo prazo, para possível reutilização imediata;
- Aeronaves excedentes do Departamento da Defesa: As aeronaves são vendidas inteiras ou em partes, para civis ou governos de nações amigas.
O AMARG emprega, atualmente, 550 pessoas, quase todas civis. Os 2.600 hectares (11 km2)
das instalações estão adjacentes à Davis Monthan AFB . Para cada dólar
que o governo gasta funcionamento da estrutura do AMARG,
ele recupera ou produz 11 dólares pela recuperação, reutilização ou
venda de aeronaves ou peças de reposição no mercado. O Congresso dos
Estados Unidos determina quais são os equipamentos que podem ser
vendidos, e para quais clientes.
Lockheed C-141 Starlifter, cortado para venda como sucata |
- Todas as armas, cargas de cadeiras de ejecção e hardware (aviônicos) classificados como de uso restrito às Forças Armadas são removidos;
- O sistema de combustível é protegido por esgotamento, reabastecendo-se com óleo leve, e depois esgota-se novamente. Isso deixa uma película de óleo protetor no interior do tanque;
- A aeronave é selada e protegida da luz solar, poeira e temperaturas elevadas. Isto é feito utilizando uma variedade de materiais, que vão desde um composto de plástico de vinil em spray, chamado spraylat, fornecido pela Spraylat Corporation, de uma cor opaca branca e pulverizado sobre a aeronave, até simples lonas e sacos de lixo, de material plástico. A aeronave é, então, rebocada por um jipe ou trator até a sua posição de armazenamento.
Recentemente, o AMARG esteve envolvido na destruição sumária e total das
aeronaves Grumman F-14 Tomcat. Apreensivos com a possível venda de
componentes dessas aeronaves à Força Aérea do Irã, no mercado negro, que
ainda utiliza o tipo, o Departamento da Defesa ordenou a total
destruição desses aviões, retirados de serviço pela marinha americana,
sem oferecer sequer um componente intacto para o mercado civil. Até
mesmo alguns F-14 cedidos para museus foram confiscados e destruídos.
Fim de um F-14, no AMARG |
O acesso ao AMARG é, obviamente, restrito a empregados civis e militares
das forças armadas, ou a pessoas por eles autorizadas. Entretanto, a
sua visitação é possível, a bordo de ônibus operados pelo vizinho Pima
Air & Space Museum, exceto nos finais de semana. Não é permitido
descer do ônibus durante o passeio. O Pima Museum também oferece um
passeio ao Titan Missile Museum, um silo de míssil ICBM, com um míssil
desarmado Titan II ainda em seu interior, Um passeio no Pima Air &
Space Museum, então, é um programa realmente imperdível para o turista
que visita o Arizona.
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