Empresa norte-coreana é única com uma estrela em ranking de qualidade. Aviões soviéticos são decorados à moda antiga e têm divisão de classes.
Uma viagem no tempo. Assim o gaúcho Gabriel Britto, de 36 anos, descreve
sua experiência de voar pela companhia Air Koryo. A empresa
norte-coreana é a única que tem apenas uma estrela no Skytrax, um
conhecido ranking que avalia a qualidade de companhias aéreas no mundo
todo, baseado em mais de 800 itens que são analisados por uma equipe.
O avião soviético que transportou Gabriel até a Coreia do Norte
Segundo o Skytrax, a classificação de uma estrela é dada àquelas
companhias que têm “padrões muito baixos”, com “qualidade inconsistente
de serviço prestado a bordo e no entorno do aeroporto”. Sozinha na
categoria de estrela única, a Air Koryo é considerada, por esse
critério, a "pior companhia aérea do mundo".
Gabriel, que viajou para a Coreia do Norte em setembro de 2012, não se
intimidou com essa informação, nem quando soube que voaria em uma
aeronave russa Ilyushin Il-62M – que, nas palavras de seu guia, teria
sido fabricada “com sorte, na década de 70”. “A Air Koryo tem alguns
aviões russos mais modernos também, mas eu queria viver a experiência de
voar em um avião muito antigo e soviético”, diz.
Gabriel Britto em Pyongyang
Ele diz que se tranquilizou quando fez uma pesquisa no histórico de
acidentes da companhia (foram registrados apenas dois casos em 50 anos),
apesar de saber que os dados passados pela ditadura comunista não são
confiáveis. “Fiquei um pouco tenso, claro, mas nada de mais”, afirma.
Ele só preferiu não contar à mulher e aos pais que voaria pela Air
Koryo, para poupá-los da preocupação.
'Casa de bisavó'
Produtor de conteúdo e redator publicitário, Gabriel gosta de viajar para destinos exóticos, e conta suas aventuras no blog Gabriel quer viajar.
Ele afirma que tinha muita vontade de conhecer a Coreia do Norte, o
país mais fechado do mundo. “É o lugar mais diferente que existe no
mundo atual. Queria conhecer essa outra realidade”, afirma.
Aeromoças servem cerveja de garrafa produzida na Coreia do Norte
Para driblar a grande burocracia que envolve pedir uma permissão de
viagem diretamente para o governo do país, ele optou por comprar um
pacote de uma agência de viagens chinesa.
O voo de Pequim para Pyongyang (capital da Coreia do Norte) saiu com
duas horas de atraso e estava lotado. Muitos dos passageiros eram
turistas ou estrangeiros que desenvolviam ações humanitárias no país.
Os norte-coreanos podiam ser facilmente identificados pelo broche com a
figura dos falecidos ditadores Kim Il-sung (chamado de “Grande Líder”) e
Kim Jong-il (“Querido Líder”).
Apesar de pertencer a um país comunista, o voo tinha divisão de classes: econômica e executiva.
A decoração interna seguia padrões estéticos antigos. “O interior
parecia coberto por um papel de parede estampado, bege, que dava um ar
de casa de bisavó para o ambiente. As poltronas tinham um tecido grosso,
que parecia lã”, descreve Gabriel.
O espaço era tão apertado como o de outras aeronaves atuais, mas as
poltronas se inclinavam tanto para trás quanto para a frente, o que
permite esticar as pernas caso a cadeira da frente esteja vazia – “uma
ideia maravilhosa dos soviéticos”, observa Gabriel.
As comissárias de bordo pareciam um pouco tensas e recriminavam os
passageiros que pegassem na câmera fotográfica com um aviso de “No
photo”.
A comida servida no voo
Entre as opções de bebida, água, cerveja norte-coreana (em garrafa de vidro) e refrigerantes locais – nada de Coca-Cola.
O entretenimento a bordo consistia apenas em uma revista em coreano, em
que aparecia com frequência o atual líder do país em poses sorridentes e
lugares bonitos. “Era totalmente um material de propaganda do governo”,
diz Gabriel.
Revista de bordo com propaganda do governo
O voo durou menos de duas horas. Logo na decolagem, uma peça do
acabamento se soltou do teto. “Não foi nada que comprometesse, mas foi
engraçado. Você já está naquela situação, num avião russo, antigo. Na
hora de decolar o negócio solta. Lembro que uma turista deu uma
gargalhada muito alta”, conta ele. O restante do voo não teve
intercorrências.
Gabriel Britto viajou com norte-coreanos
que conheceu em um boliche ainda na China.
Na chegada, já era possível ver no Aeroporto Internacional Sunan, a 24
km da capital, alguns dos problemas enfrentados pelo país. Cheio de
militares, o local estava "largado", diz Gabriel. "Tinha muito capim
alto do lado da pista. Os ambientes eram escuros, com luz fraca. A torre
de controle ficava em um prédio completamente caindo aos pedaços, com
remendos com madeira”, descreve.
"Free shop" do aeroporto de Sunan
Mas, no geral, a experiência superou as expectativas de Gabriel: “Achei
um voo tranquilo, muito bom. Teve alguns problemas, mas, sinceramente,
já vi companhias aéreas piores”.
Fonte: Flávia Mantovani (G1, em São Paulo - Via Aviation News) - Fotos: Arquivo pessoal/Gabriel Britto
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