“A norte-coreana Kim Hyun-hui certamente não aparenta
ser uma assassina em massa. Mãe de dois filhos, essa mulher de 51 anos é
dona de uma voz suave e de um sorriso gentil. Hoje ela vive reclusa em
algum lugar não revelado na Coreia do Sul com trauma por ter explodido
em 1987, seguindo instruções da Coreia do Norte, um avião de passageiros
da Korean Airlines, vindo a matar 115 pessoa a bordo.
Ela convive com o temor de que o governo da Coreia do Norte queira matá-la.
Kim Hyun-hui também acredita, talvez esperançosamente, que os dias da dinastia iniciada por Kim Il-sung estejam contados.
”A Coreia do Norte está em uma situação
desesperadora”, diz ela. “O descontentamento com Kim Jong-un é grande;
ele tem de acabar com isso.” “A única coisa que ele tem são armas
nucleares. Foi por isso que ele criou essa sensação de guerra, para
tentar angariar apoio popular.”
…sobre a sua família na Coreia do Norte; “soube
que eles foram retirados de Pyongyang e levados a um campo de trabalhos
forçados.”"
Rupert Wingfield-Hayes
A norte-coreana Kim Hyun-hui certamente não aparenta
ser uma assassina em massa. Mãe de dois filhos, essa mulher de 51 anos é
dona de uma voz suave e de um sorriso gentil.
Atualmente, ela vive reclusa em algum lugar na Coreia
do Sul – e não pode dizer onde. No dia em que nos encontramos, Kim
Hyun-hui estava, como sempre, acompanhada de um grupo de homens
fortemente armados e com ternos desalinhados.
Ela convive com o temor de que o governo da Coreia do
Norte queira matá-la. Há boas razões para isso. Kim Hyun-hui é uma
ex-agente do serviço secreto norte-coreano. Há 25 anos, seguindo ordens
de Pyongyang, ela explodiu um avião de uma companhia sul-coreana,
matando todos os 115 passageiros a bordo.
Sentada em um hotel na capital da Coreia do Sul, Seul, ela descreve
como, aos 19 anos, ela foi recrutada no campus de uma universidade de
elite da Coreia do Norte onde estudava japonês. Kim Hyun-hui treinou por
seis anos. Nos primeiros três, ela teve aulas de uma jovem japonesa,
Yaeko Tagushi, que havia sido sequestrada de sua casa no norte do Japão.
Nesse período, ela conta que Tagushi lhe ensinou a falar e agir como
uma verdadeira japonesa. Então, veio a missão que selaria para sempre
seu destino.
O ano era 1987, e a Coreia do Sul agilizava os prepativos para sediar
os Jogos Olímpicos em Seul. O líder da Coreia do Norte, Kim Il-sung, e
seu filho, Kim Jong-il, entretanto, estavam determinados a impedi-los.
“Recebi ordens de um funcionário do alto escalão da Coreia do Norte,
(dizendo) que explodiríamos um avião sul-coreano antes da Olimpíada”,
relata Kim Hyun-hui. “Ele disse que isso mergulharia a Coreia do Sul no
caos e na confusão. A missão representaria um duro golpe para
(favorecer) a revolução.”
Ordens diretas
Kim e um colega do serviço secreto embarcaram em um
voo da companhia Korean Airlines em Bagdá, no Iraque, com destino à
Coreia do Sul. Já dentro da aeronave, ela colocou uma bomba escondida
dentro de uma mala no compartimento superior. Durante uma escala em Abu
Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, os dois agentes da Coreia do Norte
desembarcaram e fugiram. Horas depois, quando o avião sobrevoava o
Oceano Índico, a bomba foi detonada. Todas as 115 pessoas a bordo
morreram. Mas o plano inicial deu errado. Os dois agentes foram
rastreados e localizados no Barein. Na fuga, o parceiro de Kim Hyun-hui
cometeu suicídio com um cigarro de cianureto. Kim Hyun-hui foi
capturada, levada para Seul e apresentada diante da imprensa
internacional.
“Quando eu desci as escadas do avião em que fui levada, não conseguia
ver nada”, diz ela. “Eu só olhava para o chão. Eles taparam a minha
boca. Achei que estava entrando na toca do leão. Tinha certeza de que
seria morta.” Em vez disso, ela foi encaminhada a um bunker subterrâneo
onde o interrogatório começou. Inicialmente, Kim Hyun-hui tentou manter a
mentira de que era japonesa. Mas finalmente contou a verdade.
“Confessei com relutância. Pensei no perigo que minha família na Coreia
do Norte corria; afinal, tratava-se de uma grande decisão. Mas eu
comecei a perceber que seria a coisa certa a fazer pelas vítimas, para
que elas pudessem entender a verdade.” Em sua confissão, Kim deixou
claro que as ordens para explodir o avião haviam partido de Kim Il-sung e
de seu filho e herdeiro, Kim Jong-il.
Figura divina
“Na Coreia do Norte, tudo girava em torno do
‘reinado’ de Kim Il-sung e de seu filho Kim Jong-il”, diz. “Sem sua
aprovação, nada acontecia. Nós fomos informados de que nossas ordens
haviam sido ‘confirmadas’. Eles somente usam essa palavra quando as
ordens vêm de cima.” “Kim Il-sung era uma figura divina. Tudo o que era
ordenado por ele podia ser justificado. Qualquer ordem teria que ser
posta em prática com extrema lealdade. Em outras palavras: você teria
que estar pronto a sacrificar sua vida por ele – e pela Coreia do
Norte.”
Por suas declarações, não há dúvidas sobre como Kim Hyun-hui passou
de uma fiel seguidora do regime para uma traidora odiada e com uma forte
sensação de vitimização pessoal. “Não há outro país senão a Coreia do
Norte”, ela diz. “Pessoas de fora não conseguem entender. O país inteiro
quer mostrar lealdade à família real. É como se fosse uma religião.”
“As pessoas são doutrinadas. Não há direitos humanos nem quaisquer
liberdades.” “Quando eu olho para trás, fico triste. Por que eu tive de
nascer na Coreia do Norte? Olhe o que o país fez comigo.”
Fim da dinastia?
Kim Hyun-hui também acredita, talvez
esperançosamente, que os dias da dinastia iniciada por Kim Il-sung
estejam contados. Com a morte do fundador, Kim Il-sung, e do filho, Kim
Jong-il, a Coreia do Norte é hoje controlada por Kim Jong-un, de 30
anos.
“A Coreia do Norte está em uma situação desesperadora”, diz ela. “O
descontentamento com Kim Jong-un é grande; ele tem de acabar com isso.”
“A única coisa que ele tem são armas nucleares. Foi por isso que ele
criou essa sensação de guerra, para tentar angariar apoio popular.”
Em 1989, um tribunal sul-coreano condenou Kim Hyun-hui à morte, mas o
então presidente Roh Tae-woo lhe concedeu perdão. Ela então se casou
com um funcionário da inteligência sul-coreana com quem teve dois
filhos.
Alguns podem dizer que Kim Hyun-hui não pagou o que devia,
considerando o que fez. Mas, em sua defesa, ela diz que ainda carrega um
grande peso na consciência. A ex-agente secreta norte-coreana afirma
que encontrou consolo no cristianismo, além de ter recebido o perdão das
famílias das vítimas. “Quando encontro familiares das vítimas”, diz
ela, “nos abraçamos e choramos juntos”.
Durante o nosso encontro de uma hora, houve apenas um
momento em que as emoções vieram à tona. Foi quando a questionei sobre a
sua família na Coreia do Norte. Com lágrimas nos olhos, ela balançou
sua cabeça. “Não sei o que aconteceu com eles”, afirma. “Soube que eles
foram retirados de Pyongyang e levados a um campo de trabalhos
forçados.”
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