Os reguladores de segurança dos EUA que investigam o acidente fatal de
um jato da United Parcel Service Inc., ocorrido no ano passado,
ressaltaram os perigos de cansaço do piloto, uma questão crucial para as
tripulações dos aviões de carga, que frequentemente voam durante a noite.
Documentos divulgados ontem pelo Conselho Nacional de Segurança
nos Transportes dos EUA (NTSB, na sigla em inglês) mostraram que o
capitão havia reclamado da árdua programação noturna e que o copiloto
não havia aproveitado ao máximo a oportunidade de descansar antes de
começar seu turno. Ambos os pilotos morreram em uma aterrissagem
fracassada antes do amanhecer de 14 de agosto.
O peso de alternar entre um estilo de vida diurno e voos noturnos
pode prejudicar as respostas dos membros da tripulação a situações
críticas, disse Bill Waldock, que dá aulas sobre investigações de
acidentes na Universidade Aeronáutica Embry-Riddle. As autoridades de
segurança disseram que os pilotos do UPS voo 1354 cometeram erros quando
tentaram a aterrissagem em Birmingham, Alabama.
“Nós somos, basicamente, animais diurnos”, disse Waldock em
entrevista por telefone, de Prescott, Arizona. “Nós gostamos de ficar
acordados durante o dia e dormir à noite. Para muitas pessoas é difícil
inverter isso”.
A UPS, a maior empresa de entrega de pacotes do mundo, e a FedEx
Corp., a operadora da maior companhia aérea de cargas, realizam muitos
de seus voos à noite, quando há menos concorrência no espaço aéreo com
aviões de passageiros. Cerca de dois terços do volume da UPS é
movimentado em voos noturnos, disse Jeff Wafford, um porta-voz da
empresa.
Turnos dos pilotos
Voar à noite é um desafio maior porque é provável que os pilotos
tentem manter uma rotina normal durante o dia quando não estão
trabalhando, disse Bob Mann, ex-executivo da American Airlines que agora
é presidente da consultoria de aviação R.W. Mann Co. em Port
Washington, Nova York.
“Isso é real se você é um piloto de aviação geral ou um piloto de
uma companhia aérea que voa de dia ou um piloto de uma companhia aérea
de carga que voa de noite”, disse Mann, por telefone.
As companhias aéreas de cargas não estão sujeitas às regras de
trabalho e descanso mais estritas dos EUA, que passaram a vigorar no dia
4 de janeiro, para pilotos de companhias aéreas de passageiros. A UPS,
que tem sede em Atlanta, disse que a jornada doméstica máxima dos
pilotos é de 13,5 horas, enquanto o limite estabelecido para operações
de carga é de 16 horas, segundo a norma da Administração Federal da
Aviação dos EUA (FAA, na sigla em inglês).
Embora o trabalho por turnos esteja há muito tempo ligado a
riscos para a segurança e a saúde, segundo os Centros para Controle e
Prevenção de Doenças dos EUA, os pilotos que voam em horários
irregulares operam em um ambiente com menos espaço para erros -- e
consequências muito mais graves -- do que na maioria das outras
ocupações.
As operadoras de carga estão isentas dos novos padrões para
pilotos de aviões de passageiros, cujos turnos máximos de trabalho foram
limitados a uma faixa entre nove e 14 horas, em vez de 16. Pilotos de
companhias aéreas de passageiros que voam à noite, cruzando múltiplos
fusos horários ou executando numerosos pousos e decolagens foram
restringidos ao máximo.
O sindicato dos pilotos da UPS fez lobby no Congresso e acionou a
FAA para estender as novas regras de descanso para as companhias aéreas
de carga. Embora a UPS tenha dito que suas análises mostraram que os
pilotos do voo 1354 haviam cumprido as novas regras estabelecidas para
companhias aéreas de passageiros, o NTSB disse que o exame não levou em
conta nenhuma de suas viagens anteriores de vários dias.
“Eu não entendo, com a intenção declarada da FAA de manter apenas
um nível de segurança na indústria, por que isso é aplicado apenas para
o lado dos passageiros”, disse Mann. “O fracasso deles em colocar a
indústria de cargas aéreas dentro dessa meta não tem sentido”. O NTSB
repercutiu esse pedido ontem, dizendo que solicitou aos órgãos
reguladores da aviação nos EUA que apliquem os padrões de cansaço às
operações de carga.
“Não há motivo para excluir pilotos simplesmente porque eles
estão transportando pallets em vez de passageiros”, disse a presidente
do NTSB, Deborah Hersman, em entrevista coletiva após a audiência, em
Washington. Os pilotos que voam durante a madrugada “são ainda mais
suscetíveis ao cansaço”.
Da Exame
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