Em meio à convulsão política, o STF decidiu analisar a possibilidade do
Poder Judiciário se manifestar a respeito de atos de guerra e suas
consequências. Trata-se da Repercussão Geral nº 944, originado a partir
de caso em que descendentes de mortos em um ataque perpetrado por submarino alemão a um barco brasileiro em 1943 buscam responsabilizar a Alemanha. Nesse contexto, o STF pode vir a considerar que atos de guerra
estrangeiros não estão imunes à jurisdição.
Expliquemos um pouco melhor: existia, na doutrina jurídica, até
meados do Século XX, uma distinção forte entre atos administrativos e
políticos. Os atos políticos decorriam da autoridade constitucional e
eram impassíveis de revisão por parte do Poder Judiciário, ao contrário
dos atos administrativos.
O constitucionalismo brasileiro se ateve a tal tradição, impedindo
que atos políticos fossem revistos. Aos poucos, esta doutrina passou a
ser vista como autoritária; um dos últimos vestígios da sua aplicação se
deu nos Atos Institucionais, da ditadura militar, que negavam a
possibilidade de revisão judicial (inclusive concessão de habeas-corpus)
aos atos da chamada “revolução” (que boa parte dos historiadores hoje
chama de “golpe”). A Constituição Federal de 1988 prevê possibilidade
irrestrita de revisão judicial desde que haja lesão ou ameaça a direito.
De certa forma, porém, a doutrina dos atos políticos sobreviveu,
mesmo que tímida. Atos como a indicação de ministros de Estado ou a
aprovação de uma lei não se sujeitavam ao controle judicial reservado
aos atos administrativos (evidentemente, as leis sujeitam-se ao controle
de constitucionalidade). Aos poucos, o Poder Judiciário, provocado,
passou a imiscuir-se, mesmo que timidamente, em tais atos (como ficou
claro na polêmica envolvendo liminar que negou ao ex-presidente Lula o
cargo de ministro).
Agora, o STF ensaia dar um passo adiante na possibilidade de o Poder
Judiciário adentrar a seara exclusivamente política. A guerra sempre foi
vista como um ato de teor político e de soberania, alheio ao Direito.
Aos poucos, felizmente, o cenário foi modificado, mormente depois da
Segunda Guerra Mundial. A promulgação da Convenção de Genebra tentou pôr
ordem ao caos dos campos de batalha e permitir um mínimo de dignidade
aos afetados pelos conflitos, coisa que a anterior convenção de Haia não
conseguiu. A formação da ONU tem em sua gênese a tentativa de mediação
da comunidade internacional em prol da paz.
No referido tema 944, a primeira instância da Justiça Federal e o
Superior Tribunal de Justiça se manifestaram de forma contrária à
possibilidade de revisão do Poder Judiciário, alegando que a Alemanha
era Estado soberano e que o ato de guerra e suas consequências não são
apreciáveis judicialmente. O STF tem oportunidade de mudar tal
entendimento, mas a dúvida permanece: como o Poder Judiciário de um país
conseguirá, mesmo que se afirme constitucionalmente autorizado a tanto,
exercer jurisdição efetiva sobre país estrangeiro?
Do GGN - Por: Luiz Felipe Panelli - O Autor do texto é doutorando em direito e pesquisador do
Grupo de Estudos sobre Direito, Estado e Sociedade (GEDES) da Fundação
Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Atua
principalmente nos seguintes temas: direito constitucional, direitos
fundamentais e filosofia do direito.
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