O Valor de Vieques
By Mario Murillo

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Em setembro deste ano, mais de duas mil pessoas se reuniram em frente à Casa Branca em sinal de protesto contra a presença naval dos Estados Unidos em Vieques, uma ilha pequena há seis milhas da costa de Porto Rico, que a Frota Naval Atlântica dos Estados Unidos tem usado como o seu campo de treino e área de bombardeios há guase sessenta anos. Centenas de pessoas foram presas, além de outras tantas durante os últimos dezenove mêses, por terem cometido atos de disobediência civil, a fim de atrair atenção ao impacto da marinha em Vieques e no resto de Porto Rico.

O protesto faz parte de um movimento que tem crescido e ganhado momento devido à morte do residente de Vieques David Sanes. Sanes era um guarda de segurança que estava na linha de tiros, e foi morto em abril de 1999 por uma bomba dos aviões da marinha que erraram o seu alvo. A morte de Sanes causou enormes protestos em Vieques, no resto de Porto Rico e nos Estados Unidos, reativando a resistência contra a presença militar dos Estados Unidos em Vieques desde a expropriaçao da maior parte dos 33 mil acres da ilha durante a segunda guerra mundial. Em janeiro deste ano (contra a vontade dos residentes de Vieques) o governador pro-estado de Porto Rico, Pedro Rosello, concordou com a ordem executiva do presidente Clinton, autorizando que testes de bombardeios recomecem em junho. O protesto intensificou, enfatizando o papel que Porto Rico representa para a estratégia militar dos Estados Unidos na região.

Todavia, Vieques não foi o primeiro território porto riquenho a ser expropriado pelo exército dos Estados Unidos. Em 1902, por exemplo, a ilha de Culebra era sede do Campo Roosevelt, o qual mais tarde tornou-se num posto naval. A tomada de Vieques em 1941 foi parte da ocupação naval do Caríbe contra os alemães durante a segunda guerra mundial. O Panamá era o objetivo maior, e a ocupação espalhou-se de Key West na Flórida, através de Guantanamo em Cuba, no Haiti, na República Dominicana, nas Ilhas Virgens, em Trinidade e em Porto Rico.[ ]Dentre as instalações mais importantes construidas durante a segunda guerra mundial foi a Estaçao Naval ‘Estradas Roosevelt’ em La Ceiba, construida para toda a marinha britânica, no caso de uma invasão nazista contra a Gra-Bretanha.[ ] Hoje, esta é a maior base americana fora do território contíguo dos Estados Unidos. A Estradas Roosevelt foi instrumental na estratégia militar dos Estados Unidos durante a guerra fria, na organização e preparação das tropas européias para o combate, e também nas suas inúmeras intervenções, incluindo a Granada e o Panamá na década de 1980. Vieques é considerada elemento chave da Estaçao Naval Estradas Roosevelt; funcionários do Pentagon vêem a ilha como fator indispensável para a segurança nacional dos Estados Unidos. Vieques é dividida em três áreas . Na parte central moram os residentes civís da ilha, que tem tradicionalmente vivido da pesca. Hoje, eles estão rodeados por um dos componentes mais importantes da Frota Naval Atlântica. No lado oeste fica uma enorme armazenagem de munições, que guarda centenas de explosivos. No lado leste, onde David Sanes foi morto, a marinha tem regularmente conduzido experimentos com novos sistemas de armas. É aqui que a marinha conduz bombardeios extensivos, operações amfíbias de aterrissagem e outros esquemas de guerra durante guase o ano todo; é aqui também onde muitas das missões globais são lançadas a outras partes do Caríbe e da Améerica Latina, ou para o Oriente Médio e Kosovo. O lado leste também tem sido o local de grandes protestos contra a marinha nos últimos dezenove meses. Dezenas de “encampamentos de paz” foram colocados aqui, permanecendo por mais de um ano, até que os protestantes foram removidos a força por marechais americanos. “Esta é uma extensão territorial excelente para a frota Atlântica, onde se pode trazer todas as áreas de combate juntas,” disse o tenente Mike Armis, o oficial da área interna da Frota Atlântica, que coordenou os testes de bombardeios em Vieques até 1998. “Este é o único lugar onde se pode treinar aterrissagem amfíbias dando superfície naval ao suporte de fogos.”[ ]

O local é também usado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), e pelas forças militares da América Latina e do Caríbe. Recentemente, descobriu-se que a marinha estava alugando parte da área de linha de tiros para governos com interesse de testar novos sistemas de armas. Muitos dos ativistas de Vieques questionaram se o interesse pela segurança poderia ser servido através da locaçao da ilha para outros países. Efetivamente, os protestantes defendem, Vieques nao é necessário para a segurança dos Estados Unidos sob qualquer cincunstância. Eles notam que a marinha passou um ano inteiro, durante os protestos dos acapamentos de paz, sem usar a ilha para armamento pesado de bombardeios ou outras manobras estratégicas. Se é possível passar um ano sem testes, porque não procurar outro lugar completamente diferente? Se os Estados Unidos não precisam realmente desta área para proteção, qual é então o papel real que Vieques desempenha na estratégia geral dos Estados Unidos nesta região?

C om a implementação do Tratado Carter-Torrijos, que estipulou a retirada dos Estados Unidos do Panamá, e com o abandono do Canal às autoridades panamênias, o comando sul dos Estados Unidos (United States Southern Command-SOUTHCOM), foi forçado a deixar o Panamá. Como resultado, Porto Rico tem se tornado a nova sede do exército sul dos Estados Unidos (US Army South-USARSO) e do Comando de operações especiais (Special Operations Command-SOCSOUTH), um comando de serviço conjunto. Os comandos conjuntos ficam nas bases principais dos Estados Unidos em Porto Rico, com algumas operações de treino conduzidas no Campo Santiago, operadas pela Guarda Militar Nacional de Porto Rico.[ ] Apesar da sede do SOUTHCOM ter mudado de Panamá para Miami, muitas das operações militares são conduzidas em PortoRico, tornando a ilha “no atuante principal da região,” de acordo com o general aposentado do exército Felix Santoni, o commandante-chefe delegado para a mobilizaçao e reservas do SOUTHCOM no início dos anos 1990.[ ]

Apesar de muitas das operações do SOCSOUTH conduzidas nas Estradas Roosevelt serem consideradas secretas, sabem-se que elas incluem os ‘Green Berets’, ‘Navy Seals’ e unidades de infantaria marinha que conduzem todas as tarefas especiais sob o SOUTHCOM. O seu mandado inclue operaçoes “anti-droga”e “anti-terrorista”, treinando forças militares regionais, e as chamadas missões humanitárias, como reforços de emergência.

Oficialmente, a função principal do SOCSOUTH em Porto Rico é de prover inteligência e suporte logístico para os 500 membros do time dos Estados Unidos em instalações contra drogas nas ilhas sob o controle holandês de Curaçao e Aruba, e para o controvertido campo aéreo “contra narcóticos” em Manta, Equador, logo ao sul da fronteira da Colômbia. Estas são os locais para operações dianteiras (Foward Operating Locations-FOLs), designados para apoiar missões aéreas contra drogas na América Central e nos Andes. Em Novembro de 1999, os Estados Unidos e o Equador assinaram um acordo de dez anos, permitindo que a Manta seja usada como campo aéreo para combates inter-agenciais contra as drogas. Este acordo atraiu uma oposição considerável no Equador vinda de grupos preocupados com o papel militar crescente dos Estados Unidos no país, como também com os perigos resultantes do involvimento do Equador nos conflitos da Colômbia.[ ]

Em março deste ano, os Estados Unidos assinou um acordo semelhante de dez anos com os Países Baixos para o FOL sobre a Aruba e o Curaçao, e com o El Salvador sobre o uso da base aérea de Comalapa, atraindo também considerável oposição das grupos anti-intervencionistas na região.[ ] Tais acordos demonstram que, com a removida do Panamá, Porto Rico tem se tornado o componente de coordenação e comunicações desta infra-estrutura militar regional.

Por exemplo, o SOUTHCOM opera pelo menos 17 sistemas de radar ostensivamente com o fim de detectar vôos carregando drogas. Três destes sistemas se encontram no Perú, e outros quatro na Colômbia. O resto está em locais não revelados, sob uma cadeia de radar, o Sistema de Radar da Bacia Caribenha da Força Aérea. Além disso, as instalações do sistema de radar extremamente ordenado, os radares relocáveis acima do horizonte da marinha (Relocatable Over the Horizon Radar- ROTHR), uma no centro-sul da cidade de Juana Díaz e a outra em Vieques, resultam num complexo sistema de radar com capacidade de detectar aviões nas florestas com produção de cocaína na bacia Amazônica, e de poder dar aos aviões a jato para combate suficiente inteligência para interceptar aviões carregando drogas.[ ] Portanto, a despeito do fim da guerra fria , a importancia de Porto Rico para os Estados Unidos como um centro militar não tem diminuido.

“A guerra contra as drogas tornou-se a justificativa dos Estados Unidos para a manutençao de sua presença militar, ao mesmo tempo em que as funcões civís e militares não se distinguem na área de enforço da lei” diz Jorge Rodriguez Beruf, um cientista político da Universidade de Porto Rico.

Ele e outros defendem que a estratégia dos Estados Unidos tem mudado somente a nível retórico, de “lutando contra a guerra fria” a “lutando a guerra das drogas” Mas o resultado é o mesmo: as forças militares mantêm dominancia forte na região, com o fim de se criar um hemisfério seguro para os interesses de Washington. Esses interesses frequentemente envolvem intervenção direta, como por exemplo o papel crescente dos Estados Unidos na guerra da Colômbia.

Como nada tem fundalmentamente mudado, ativistas de paz e justiça em Porto Rico continuam a se mobilizar. Enquanto que a demanda principal é de tirar a marinha de Vieques, eles também esperam atrairr atenção ao impactos negativos do exército na ilha e em todo o Porto Rico. Porém, de acordo com alguns observadores, estes ativistas não conseguirão remover o exército dos Estados Unidos, a menos que eles juntem forças com outros grupos anti-intervencionistas por toda a região, incluindo movimentos que se monitoram o crescimento da militarização na guerra das drogas, e o maior involvimento dos Estados Unidos nos conlflitos da Colômbia.



SOBRE O ESCRITOR
Mario Murillo é professor assistente de Comunicações na Universodade Hofstra e é apresentador e produtor do programa “Nossas Americas” na Rádio Pacífica. Ele é membro da quadro editorial da Nacla.

NOTAS BIBLIOGRAFIAS
1 Humberto Garcia Muniz, “U.S. Military Installation in Puerto Rico: Controlling the Caribbean,” em Edwin Melendez e Edgardo Melendez (eds.), Colonial Dilemma: Critical Perspectives on Contemporary Puerto Rico (Boston: South End Press, 1993).
2 Garcia Muniz, “U.S. Military Installations,” p. 55.
3 Excerto de uma entrevista com o autor que foi ao ar no documentário de radio
“Puerto Rico: Reflections on the Oldest Colony,” no dia 25 de julho de 1998. Esta atitude foi repetidamente reinforçada por vários oficiais da Marinha e do Pentágono, como também por legisladores, tal como o Senador James Inhofe, cadeira do Comitê Seleto do Senado sobre Prontidão Militar, durante a controvérsia a cerca da morte de David Sanes
3 Da “Valiaçao Meio-Ambiental sobre a Relocação do Comando de Operações Especiais, Elementos do Sul e do Seleto Exército Sul dos Estados Unidos na Republica de Panamá para a Estação Naval Estradas Roosevelt e Outros Locais,” preparado para o Exército Sul e SOCSOUTH, pelo Corpo de Engenheiros Militar, dezembro de 1998.
4 “Puerto Rico Becoming a Military Hub for U.S.,” Miami Herald, 6 de julho de 1999.
5 “Miedo al contagio narco-guerrillero y a desplazados,” El Tiempo, 23 de agosto de 2000.
6 “Consequências para o Combate às Drogas Resuntantes da Partida dos Estados Unidos de Panamá, testemunha de Ana Maria Salazar, Secretaria Delegada Assistente da Política e Suporte da Defesa do Esforço anti-Drogas, Comitê da Assembléia dos Estados Unidos sobre a Reforma Governamental do Subcomitê de Justiça Criminal, Política das Drogas e Recursos Humanos, 9 de junho de 2000.
7 Carmelo Ruiz Marrero , “La Estructura Del Comando Sur”, no sítio da internete viequeslibre.org, 2 de junho de 2000; veja também “RothR: Un Radar Militar Que No Combate el Narcotráfico,” reportagem publicada pela Frente Unida Pro-Defensa del Valle de Lajas, Lajas, Puerto Rico, 1998.