P O D E R J U D I C I Á R I O
S Ã O P A U L O
C O N C L U S Ã O
Em 06 de maio de 2.008, faço estes autos conclusos para o MM. Juiz de Direito Auxiliar, DR. MAURÍCIO FOSSEN, em exercício neste 2º Tribunal do Júri da Capital - Foro Regional I Santana.
Eu,_______, Escr., subscrevi.
Processo nº: 274/08
VISTOS
1. Ante a comprovação da materialidade do crime através do laudo de exame necroscópico da vítima, que já se encontra encartado aos autos, e a existência de indícios de autoria em relação aos acusados ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, inclusive com individualização da conduta atribuída a cada um deles na prática do crime ali descrito, de competência deste Tribunal do Júri, recebo a presente denúncia oferecida pelo Ministério Público contra os réus, dando assim por instaurada a presente ação penal.
2. Designo interrogatório dos réus para o próximo dia 28 de maio de 2008, às 13:30 horas.
Expeça-se o competente mandado para citação e intimação dos réus, com as advertências de praxe.
P O D E R J U D I C I Á R I O
S Ã O P A U L O
Como os réus já constituíram Advogados nos autos, os mesmos deverão ser intimados pela Imprensa Oficial para comparecerem à audiência de interrogatório de seus clientes.
O mandado deverá ser cumprido até 10 dias antes da audiência.
3. Requisitem-se F.A. e eventuais certidões criminais dos acusados, como também os laudos periciais faltantes junto à D. Autoridade Policial, como pleiteado pelo Ministério Público.
Requisite-se também o serviço de estenotipia junto à E. Presidência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo para o dia do interrogatório dos réus.
Fica deferida também a oitiva das três testemunhas arroladas pelo Ministério Público além do limite legal, as quais serão ouvidas como testemunhas do Juízo com base no princípio da busca da verdade real no processo penal.
4. Por fim, quanto ao requerimento de decretação da Prisão Preventiva dos réus formulado pela D. Autoridade Policial e endossado pelo nobre representante do Ministério Público, entende este Juízo que tal pretensão deve realmente ser acolhida no presente caso concreto, já que se encontram presentes os requisitos legais exigidos para tanto pelos arts. 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal.
Porquanto este mesmo magistrado já tenha decretado, em momento anterior, a prisão temporária dos réus, o fato é que os fundamentos para a decretação da prisão preventiva são totalmente diversos e, portanto, em nada vinculam a presente decisão, uma vez que se tratam de medidas judiciais com finalidades totalmente diversas.
Isto porque a prisão temporária decretada anteriormente possuía um objetivo estritamente pré-processual, visando, no entendimento deste magistrado, impedir que a presença dos réus na cena do crime, naquele momento – sobre quem recaíam as suspeitas de autoria do delito – pudesse acarretar algum prejuízo aos trabalhos de campo que as perícias técnicas já designadas e que se mostravam imprescindíveis para o esclarecimento dos fatos, necessitavam ainda serem realizadas naquele local.
Tal providência, aliás, veio a se revelar bastante salutar, posto que exatamente durante o período que os réus tiveram sua liberdade restringida, é que foi realizada a grande maioria das provas técnicas que estão servindo de base a instauração da presente ação penal, uma vez que foi possível não apenas identificar novas marcas de sangue no apartamento onde os mesmos residiam – mesmo tendo os Srs. Peritos constatado que teria havido uma tentativa de adulteração da cena do crime, já que vários daqueles vestígios chegaram a ser removidas, sendo que graças à tecnologia empregada foi possível identificar a presença dos mesmos (fls. 674) – mas também realizar simulações para identificar a altura de onde as gotas de sangue caíram do corpo da vítima até atingir o solo, visando identificar a altura do agressor, como também no veículo da família, sem falar nos vestígios de pegadas no apartamento e na janela de onde a menina foi atirada, cujas provas permitiram aos Srs. Peritos tentar reconstituir a dinâmica dos fatos no dia do crime.
Além disso, a prisão temporária dos réus visava também evitar uma possível intimidação que a simples presença dos mesmos naquele local – onde possuem seu domicílio – poderia potencialmente causar às testemunhas – notadamente quanto àquelas ainda não ouvidas – que ali também residem e, com isso, inibi-las de prestarem outros esclarecimentos necessários à D. Autoridade Policial para a busca da verdade real a respeito da autoria do crime
em apuração.
Agora, no entanto, já estando encerrado o inquérito policial, após a conclusão dos laudos técnico-periciais que se mostraram pertinentes e ouvidas todas as testemunhas que a D. Autoridade Policial considerou importantes para elucidação dos fatos e individualização das condutas de cada um dos acusados, não há mais que se falar em prisão temporária, somente sendo possível decretar-se a segregação da liberdade dos acusados durante o transcorrer a instrução processual, enquanto ainda não existe sentença penal condenatório definitiva, através de prisão preventiva, a qual possui natureza jurídica totalmente diversa daquela primeira.
O Instituto jurídico da prisão preventiva encontra-se previsto nos arts. 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, o qual exige, para sua decretação, que esteja provada a materialidade do crime e haja indícios suficientes de autoria e, concomitantemente, que a medida se mostre necessária para uma garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal ou então para assegurar a futura aplicação da lei penal.
Não resta dúvida que a prisão processual constitui uma medida drástica, já que antecede uma eventual decisão condenatória definitiva; todavia, não é menos certo que, quando necessária em uma daquelas hipóteses, exige coragem por parte do Poder Judiciário que não deve se omitir na defesa da sociedade, posto que, na lição de Fernando da Costa Tourinho Filho, lembrando Bento de Faria, ao denominar a prisão preventiva como uma “injustiça necessária do Estado contra o indivíduo”, ressalva:
“Se é injustiça, porque compromete o ‘jus libertatis’ do cidadão, ainda não definitivamente considerado culpado, por outro lado, em determinadas hipóteses, a Justiça Penal correria um risco muito grande deixando o indigitado autor em liberdade.” (“Processo Penal”, Ed. Saraiva, 11ª edição, vol. 3, pág. 418).
Tanto é assim que a Constituição Federal expressamente excepciona a prisão em flagrante e as prisões processuais decretadas por Autoridade Judiciária da garantia à liberdade contida no inciso LXI, de seu art. 5º, o que demonstra que não há qualquer incompatibilidade entre aquelas hipóteses de custódias processuais e o princípio da presunção de inocência contida no inciso LVII do mesmo dispositivo constitucional, inclusive como já ficou assentado na Súmula nº 09 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
No presente caso concreto, ainda que se reconheça que os réus possuem endereço fixo no distrito da culpa, posto que, como noticiado, o apartamento onde os fatos ocorreram foi adquirido recentemente pelos mesmos para ali estabelecerem seu domicílio, com ânimo definitivo, além do fato de Alexandre, como provedor da família, possuir profissão definida e emprego fixo, além de não ostentarem outros antecedentes criminais e terem se apresentado espontaneamente à Autoridade Policial para cumprimento da ordem de prisão
temporária decretada anteriormente, isto somente não basta para assegurar-lhes a manutenção de sua liberdade durante todo o transcorrer da presente ação penal, conforme entendimento já pacificado perante a jurisprudência pátria:
“RHC – PROCESSUAL PENAL – PRISÃO PROVISÓRIA – A primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita não impedem, por si só, a prisão provisória” (STJ, 6ª Turma, v.u., ROHC nº 8566-SP, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julg. em 30.06.1999).
Na visão deste julgador, prisão processual dos acusados se mostra necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade e intensidade do dolo com que o crime descrito na denúncia foi praticado e a repercussão que o delito causou no meio social, uma vez que a prisão preventiva não tem como único e exclusivo objetivo prevenir a prática de novos crimes por parte dos agentes, como exaustivamente tem sido ressaltado pela doutrina pátria, já que evitar a reiteração criminosa constitui apenas um dos aspectos desta espécie de custódia cautelar.
Nesse sentido, podemos citar, apenas a título de exemplo, os seguintes ensinamentos, além daqueles já mencionados pelo Dr. Promotor de Justiça ao referendar o pedido de prisão preventiva formulado pela D. Autoridade Policial:
“Desde que a permanência do réu, livre e solto, possa dar motivo a novos crimes ou cause repercussão danosa e prejudicial no meio social, cabe ao juiz decretar a prisão preventiva ‘como garantia da ordem pública’. Nessa hipótese, a prisão preventiva perde seu caráter de providência cautelar, constituindo antes, como falava Faustin Hélie, verdadeira ‘medida de segurança’. A ‘potestas coercendi’ do Estado atua, então para tutelar, não mais o processo condenatório com o qual está instrumentalmente conexo e, sim, como fala o texto do art. 312, a própria ‘ordem pública’.
No caso, o ‘periculum in mora’ deriva dos prováveis danos que a liberdade do réu possa causar – com a dilatação do desfecho do processo – na vida social e em relação aos bens jurídicos que o Direito Penal tutela.” (JOSÉ FREDERIDO MARQUES, in “Elementos de Direito Processual Penal, Ed. Bookseller, Campinas-SP, vol. IV, pág. 63).
“Crimes que ganham destaque na mídia podem comover multidões e provocar, de certo modo, abalo à credibilidade da Justiça e do sistema penal. Não se pode, naturalmente, considerar que publicações feitas pela
imprensa sirvam de base exclusiva para a decretação da prisão preventiva. Entretanto, não menos verdadeiro é o fato de que o abalo emocional pode dissipar-se pela sociedade, quando o agente ou a vítima é pessoa conhecida, fazendo com que os olhos se voltem ao destino dado ao autor do crime. Nesse aspecto, a decretação da prisão preventiva pode ser uma necessidade para a garantia de ordem pública, pois se aguarda uma providência do Judiciário como resposta a um delito grave...” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”, Ed. RT, 6ª edição, SP, 2007, pág. 591, sem grifos no original).
Esse entendimento doutrinário também encontra amparo na jurisprudência pátria, como demonstra a ementa de acórdão proferido pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, a seguir transcrita:
“No conceito da ordem pública, não se visa apenas prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão. A conveniência da medida de ser revelada pela sensibilidade do juiz à reação do meio ambiente à ação criminosa” (STF, HC nº 60.043-RS, 2 Turma, Rel. Ministro Carlos Madeira, RTJ 124/033).
No mesmo sentido o teor do acórdão daquele mesmo Sodalício, em que foi relator o I. Ministro Carlos Aires Brito, cujo trecho de interesse aos autos, onde o credibilidade da Justiça é admitido como argumento válido para fundamentar o decreto de prisão cautelar se encontra assim redigido:
“HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ALEGADA NULIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR QUE SE APÓIA NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO SUPOSTAMENTE PRATICADO, NA NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA "CREDIBILIDADE DE UM DOS PODERES DA REPÚBLICA", NO CLAMOR POPULAR E NO PODER ECONÔMICO DO ACUSADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA
CONCLUSÃO DO PROCESSO.”
“O plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 80.717, fixou a tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto na ordem pública.” (STF, HC 85298-SP, 1ª Turma, rel. Min. Carlos Aires Brito, julg. 29.03.2005, sem grifos no original).
Sob esta ótica, pode-se constatar que a conduta imputada aos autores do crime descrito na denúncia deixa transparecer que se tratam de pessoas desprovidas de sensibilidade moral e sem um mínimo de compaixão humana, ainda mais em se tratando do fato de que a vítima seria filha de um deles e enteada do outro, a qual estava sob a responsabilidade dos mesmos, e que, se não por esta razão jurídica, ao menos pelo dever moral, deveriam velar por sua segurança, o que, no entanto, foi desprezado por eles, posto que além da acusação de esganadura contra a menina, a qual teria provocado um quadro de asfixia mecânica, como apontado na conclusão do laudo pericial juntado aos autos, foi ainda brutalmente atirada pela janela do 6º andar do prédio onde a família residia, sem nenhuma piedade. Queiramos ou não, o crime imputado aos acusados acabou chamando a atenção e prendendo o interesse da opinião pública – em certa medida, deve-se reconhecer, pela excessiva exposição do caso pela mídia que, em certas ocasiões, chegou a extrapolar seu legítimo direito de informar a população – o que, no entanto, não pode ser ignorado pelo Poder Judiciário e fazer-se de conta que esta realidade social simplesmente não existe, a qual dele espera uma resposta, ainda mais se levarmos em consideração que o inquérito policial que serviu de fundamento à presente denúncia encontra-se embasado em provas periciais que empregaram tecnologia de última geração, raramente vistas – o que é uma pena – na grande maioria das investigações policiais, cujos resultados foram acompanhados de perto pela população, o que lhe permitiu formar suas próprias conclusões – ainda que desprovidas, muitas vezes, de bases técnico-jurídicas, mas, mesmo assim, são conclusões – que, por conta disso, afasta a hipótese de que tal clamor público seja completamente destituído de Legitimidade.
Além disso, a prova pericial juntada aos autos apresenta fortes indícios de que o local do crime foi sensivelmente alterado, com o evidente intuito de prejudicar eventuais investigações que viessem a ser ali realizadas posteriormente, já que vários vestígios de sangue de aspecto recente no interior do apartamento teriam sido parcialmente removidos, inclusive em uma fralda de algodão encontrada dentro de um balde no local do crime, em processo de lavagem, onde foi obtido resultado positivo para sangue humano, como apontado nas conclusões contidas no laudo pericial já encartado aos autos (fls. 674, 693 e
707).
Embora se reconheça que tal prova pericial já foi realizada e que, em tese, a permanência dos réus em liberdade em nada alteraria o teor daquela prova técnica já produzida, não é menos certo que este comportamento atentatório à lealdade processual atribuído a eles constitui forte indício para demonstrar a predisposição dos mesmos em prejudicar a lisura e o bom resultado da instrução processual em Juízo, com o objetivo de tentar obter sua impunidade.
Assim, frente a todas essas considerações, entendendo este Juízo estarem preenchidos os requisitos previstos nos arts. 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, DEFIRO o requerimento formulado pela D. Autoridade Policial, que contou com a manifestação favorável por parte do nobre representante do Ministério Público, a fim de decretar a PRISÃO PREVENTIVA dos réus ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, por considerar que além de existir prova da materialidade do crime e indícios concretos de autoria em relação a ambos, tal providência também se mostra justificável não apenas como medida necessária à conveniência da instrução criminal, mas também para garantir a ordem pública, com o objetivo de tentar restabelecer o abalo gerado ao equilíbrio social por conta da gravidade e brutalidade com que o crime descrito na denúncia foi praticado e, com isso, acautelar os pilares da credibilidade e do prestígio sobre os quais se assenta a Justiça que, do contrário, poderiam ficar sensivelmente abalados.
Expeçam-se, pois, os competentes mandados de prisão em desfavor dos réus, na forma da lei, com as advertências de praxe.
Dê-se ciência do M.P.
Intime-se e diligencie-se.
São Paulo, 7 de maio de 2008.
MAURÍCIO FOSSEN
Juiz de Direito
D A T A
Em _____ de ____________ de 2008,
recebi os presentes autos em Cartório.
Eu, _______________ , Esc. subsc.
Frios e dissimulados
Pai e madrasta mataram Isabella, numa seqüência de
agressões que começou ainda no carro, conclui a polícia
Juliana Linhares
Fonte: Revista Veja
Montagem sobre ilustração Davi Calil e reprodução |
INDICIADOS Os resultados da perícia mostram que Nardoni jogou Isabella pela janela minutos depois de Anna Carolina, madrasta da menina, tê-la asfixiado |
O "monstro" que matou a menina Isabella e que seu pai, Alexandre Nardoni, em carta divulgada à imprensa, prometeu não sossegar até encontrar estava, afinal, diante do espelho. E a mulher, que também em carta afirmou ser a criança "tudo" na sua vida, ajudou a matá-la com as próprias mãos. Tal é a conclusão a que chegaram os responsáveis pelo inquérito policial que apura o assassinato de Isabella Nardoni, de 5 anos, ocorrido no dia 29 de março. A polícia está convencida de que Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá combinaram jogar Isabella pela janela na tentativa de encobrir o que supunham já ser um assassinato. Para os investigadores, Anna Carolina Jatobá asfixiou Isabella ainda no carro, no trajeto entre a casa dos pais dela e o apartamento da família. A menina ficou inconsciente e o casal achou que ela estava morta. Na sexta-feira, vinte dias depois da morte de Isabella, Nardoni e Anna Carolina foram indiciados por homicídio doloso e co-autoria de homicídio. A investigação que culminou no indiciamento do casal foi realizada por investigadores do 9º Distrito Policial de São Paulo. Ela não ficou a cargo da Delegacia de Homicídios porque se achou por bem manter no caso os policiais que a iniciaram. Com isso, ganhou-se em precisão. "Fizemos um trabalho sem pressa e sem pressão, privilegiando o aspecto técnico do caso", diz o delegado Aldo Galiano, diretor do Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap).
Filipe Araujo/AE |
"ASSASSINOS!" |
Não se sabe ainda o que motivou o crime, mas é certo que a brutalidade a que Isabella foi submetida no dia de sua morte teve início mais cedo do que se pensava até agora. Por volta das 21 horas do dia 29 de março, poucas horas depois de Nardoni e a mulher, aparentemente tranqüilos, terem sido filmados com os filhos fazendo compras em um supermercado de Guarulhos, a família compareceu a uma festa no salão do prédio onde moram os pais de Anna Carolina. Isabella correu e brincou na companhia de outras crianças, conforme imagens registradas por uma das dezesseis câmeras instaladas no edifício. Em determinado momento, como disseram à polícia testemunhas presentes à festa, a menina fez algo que enfureceu o pai. Nardoni, então, gritou com ela e lhe deu um safanão. Isabella caiu no chão e começou a chorar. Nesse momento, Nardoni, segundo as testemunhas ouvidas pela investigação, disse à filha: "Você vai ver quando chegar em casa". A ameaça começou a ser cumprida já no carro. No assoalho e no banco de trás do Ford Ka de Nardoni, a polícia encontrou marcas de sangue compatíveis com o de Isabella. Segundo os investigadores e os peritos, ela foi espancada e asfixiada pela madrasta no interior do veículo. Como sangrava ao chegar ao prédio, o casal usou uma fralda de pano para embrulhar e levar a menina desacordada até o apartamento, evitando, assim, que o sangue pingasse no chão da garagem e do elevador. No apartamento, o casal discutiu sobre o que fazer com Isabella. Por acreditarem que ela estava morta, ambos chegaram à decisão de simular um assassinato cometido por um invasor. O rosto sujo de sangue da menina foi limpo com uma toalha. Nardoni, então, cortou a tela de proteção da janela de um dos quartos e arremessou a filha para a morte. Quando foi lançada, Isabella estava viva, em estado de letargia por causa da asfixia sofrida no carro. Em seguida, o casal deu início a seu espetáculo de frieza e dissimulação.
Marcelo Liso |
ESCOLTA |
Alexandre Nardoni, de 29 anos, sempre teve uma vida confortável. Quando era estudante de faculdade, tinha um Vectra último modelo, comprado pelo pai, e uma moto esportiva Honda CBR 900 RR (hoje avaliada em 60 000 reais). Era dono de uma concessionária de motos e fazia estágio no escritório do pai, o advogado tributarista Antonio Nardoni. Apesar de ter se formado em direito em 2006 pelas Faculdades Integradas de Guarulhos, Nardoni ainda está impedido de exercer a advocacia, já que fracassou nas três tentativas de passar no exame da OAB: em abril e em agosto de 2007 e em janeiro deste ano. Em todas as ocasiões, foi reprovado ainda na primeira fase das provas. Nardoni se apresentava como "consultor jurídico" e dizia trabalhar no escritório de Antonio Nardoni, localizado no bairro de Santana, Zona Norte de São Paulo. Mas tanto funcionários do prédio onde fica o escritório quanto um vizinho de porta do advogado afirmaram nunca ter visto Alexandre Nardoni por lá. Amigos dizem que o sustento do rapaz e de sua família ainda provinha do pai. O apartamento na Zona Norte de São Paulo em que Nardoni morava com a mulher e os dois filhos – com três quartos, piscina, sauna, quadra poliesportiva e sala de ginástica, avaliado em 250.000 reais – também foi presente de Antonio Nardoni.
Na época em que Alexandre Nardoni começou a namorar Ana Carolina Oliveira, a mãe de Isabella, tinha 21 anos de idade e fama de "filhinho de papai", como dizia, em tom jocoso, a mãe de Ana Carolina, Rosa Maria Cunha de Oliveira, que no princípio não aprovou o namorado da filha. Três anos depois, durante a gravidez de Ana Carolina, Nardoni entrou na faculdade e conheceu Anna Carolina Jatobá, com quem passou a manter um romance paralelo. Em depoimento à polícia, a mãe de Isabella afirmou que a relação com Nardoni terminou em 2003 porque ela "teve a certeza e a convicção" de que o namorado a estava traindo. Com a madrasta de Isabella, Nardoni sempre teve uma relação tumultuada. Amigos e vizinhos relatam episódios de ciúme e agressão entre os dois. Se Nardoni tinha fama de briguento, Anna Carolina é freqüentemente descrita como "esquentada". Algumas vezes, era ela quem começava a bater no marido, segundo afirmaram à polícia vizinhos do prédio em que o casal morou antes de se mudar para o edifício em que Isabella morreu. Anna Carolina, ela própria, não vinha de uma família que se poderia chamar de harmoniosa. O pai, Alexandre Jatobá, responde a nove processos na Justiça (a maioria por não pagamento de dívidas e um por furto de energia). Em duas ocasiões, em 2004 e 2005, a própria Anna Carolina prestou queixa à polícia contra o pai por lesão corporal, injúria e ameaça. Um ex-empregado de uma loja de carros que Jatobá teve em Guarulhos descreve o ex-patrão como "um homem muito nervoso".
Reprodução/Futura Press e Tiago Queiroz/AE |
AMOR INCONDICIONAL |
Em depoimento à polícia, Ana Carolina Oliveira, a mãe de Isabella, disse que a filha nunca reclamou de maus-tratos por parte do pai ou da madrasta. Mas falou de dois episódios que sugerem que o casal, ao menos por duas vezes, maltratou seus dois filhos. Ambos teriam sido relatados a ela por Isabella. O primeiro dá conta de que Anna Carolina, em meio a uma discussão com o marido, motivada por ciúme, "jogou sobre a cama" o filho Cauã, de 11 meses, antes de partir para cima de Nardoni, furiosa. A criança teria começado a chorar e Isabella a acudiu. No outro episódio, Nardoni teria suspendido o filho mais velho, Pietro, de 3 anos, no ar e o soltado no chão, como forma de repreendê-lo por ter beliscado Isabella. Ainda que tenha presenciado esses episódios, Isabella não se sentia mal ao lado do pai e da madrasta. Mesmo pessoas ligadas à família de Ana Carolina Oliveira, mãe da menina, concordam que Isabella gostava do pai e da madrasta e afirmam que ela pedia para ser levada à casa deles. Isabella tinha especial afeição por Pietro, que estudava na mesma escola que ela.
Dois dias antes de Isabella morrer, a pedido dela, Pietro foi pela primeira vez à casa da irmã. Foi a avó materna da menina, Rosa Maria Cunha de Oliveira, quem contou o episódio a uma amiga. "Rosa disse que a Isa havia ficado muito feliz com a visita do irmãozinho", relata a amiga. Inicialmente, contou Rosa a ela, o pai da menina não queria permitir a visita, mas, diante da insistência de Isabella, concordou com o pedido e Pietro passou o dia na casa da irmã. Lá, sob a supervisão de Rosa, as duas crianças comeram pizza e brincaram. Isso aconteceu na quinta-feira. No sábado, Isabella foi morta. Pelo que foi possível reconstituir do crime até agora, a polícia acredita que Pietro assistiu a boa parte dos episódios que resultaram na morte da irmã. A delegada Renata Pontes, assistente no inquérito que investiga o caso, queria ouvir o menino, mas o Ministério Público foi contrário à idéia.
Rivaldo Gomes/Folha Imagem |
O SILÊNCIO DOS NARDONI |
Ao longo do inquérito que investiga o assassinato de Isabella, a delegada Renata acabou ficando próxima de Ana Carolina Oliveira, que lhe telefona todas as noites para saber do andamento das investigações sobre a morte da filha. Nessas ligações, Ana Carolina, que poucas vezes foi vista chorando em público, cai freqüentemente em prantos. Sua mãe, Rosa, contou na semana passada à mesma amiga que chegou a sair de casa um dia desses por não suportar assistir ao sofrimento da filha, que chorava compulsivamente enquanto recolhia objetos de Isabella pela casa. "Ela disse que Ana Carolina apanhava coisa por coisa: até uma presilha da menina que estava caída na garagem", disse a amiga. Rosa contou ainda que se sente aflita pelo fato de Ana Carolina "não se abrir com os pais e os irmãos". "Ela disse que a filha não comenta o que está acontecendo ou o que está sentindo. Fala só de coisas do passado: lembranças de festas de aniversário de Isabella, dos momentos que elas passaram juntas."
Ana Carolina, que é bancária, já voltou a trabalhar. Por iniciativa da sua chefia, ela foi temporariamente afastada dos serviços de atendimento ao público e está incumbida de atividades administrativas. Entre 2004 e 2006, a mãe de Isabella estudou na Universidade Nove de Julho, onde se graduou no curso de formação específica em administração de recursos humanos. Durante o curso, além de trabalhar em empresas da área, ela vendia roupas e bijuterias para reforçar o orçamento. No início da manhã de sexta-feira, data em que Isabella completaria 6 anos de idade, Ana Carolina visitou o túmulo da filha pela primeira vez.
A polícia tenciona pedir a prisão preventiva de Nardoni e Anna Carolina. Se condenados ao final do processo, a morte de Isabella não será a única e aterradora culpa que carregarão. Eles são pais de duas crianças, cuja vida estará para sempre marcada pelas cenas a que elas – muito provavelmente – assistiram aterrorizadas.
O crime passo a passo
FATO: Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, acompanhados dos dois filhos e de Isabella, participaram de uma festa no prédio onde moram os pais de Anna Carolina, em Guarulhos. A comemoração se deu por volta das 21 horas no salão de festas. Em dado momento, Nardoni se enfureceu com o que seria uma má-criação de Isabella. Gritou com ela e lhe deu um safanão. A menina caiu no chão. Ainda nervoso, ele disse à filha chorosa: "Você vai ver quando chegar em casa" EVIDÊNCIA: câmeras do prédio dos pais de Anna Carolina registraram imagens de Isabella brincando na festa. A agressão de Nardoni foi presenciada por convidados que prestaram depoimento à polícia
FATO: já no carro, de volta para casa, Nardoni e Anna Carolina começaram a espancar Isabella. A madrasta asfixiou-a a ponto de a menina desmaiar. Quando chegaram ao prédio, Isabella sangrava. O casal embrulhou a menina em uma fralda de pano para evitar que o sangue pingasse no trajeto até o apartamento EVIDÊNCIA: a convicção de que Isabella já subiu ferida se deve ao fato de a perícia ter detectado marcas de sangue no carro de Nardoni. O DNA do sangue é o mesmo de Isabella. Também foram encontrados no carro fios de cabelo da menina com bulbos. Isso significa que ela teve os cabelos puxados com força. O tamanho das marcas no pescoço de Isabella é compatível com o das mãos de Anna Carolina. A polícia encontrou a fralda que foi usada para envolver a menina lavada e pendurada no varal do apartamento – mas ainda foi possível encontrar vestígios de sangue.
FATO: o casal entrou em casa com Isabella no colo de Nardoni. O sangue começou a pingar já no hall do apartamento EVIDÊNCIA: a perícia detectou marcas de sangue de Isabella em vários lugares: no hall, na entrada do apartamento, no corredor, no quarto da menina e no quarto dos irmãos. Também havia sinais de sangue na sola do sapato de Anna Carolina
FATO: Anna Carolina e Nardoni iniciaram uma feroz discussão. Decidiram, então, simular um crime cometido por um suposto invasor. A polícia não encontrou indício nenhum da presença de um terceiro adulto no apartamento EVIDÊNCIA: vizinhos relataram à polícia ter escutado gritos e palavrões proferidos por Anna Carolina
FATO: com uma faca e uma tesoura, Nardoni cortou a tela de proteção do quarto dos meninos. Antes disso, limpou com uma toalha, que depois foi lavada, o sangue que escorria de um corte na testa de Isabella
EVIDÊNCIA: a perícia encontrou resíduos de tela na roupa que Nardoni usava naquela noite e vestígios do sangue de Isabella na toalha lavada e pendurada no varal
FATO: Nardoni jogou a filha pela janela EVIDÊNCIA: a perícia concluiu que é do seu chinelo a pegada encontrada no lençol da cama próxima à janela. Ele apoiou um dos pés na cama para lançar a filha. O buraco está a 1,60 metro de altura do chão, altura aproximada de Anna Carolina. A perícia concluiu que só alguém mais alto do que ela, como Nardoni, teria força suficiente para erguer Isabella, que pesava 25 quilos e media 1,13 metro de altura, até o buraco na tela
FATO: assim que Isabella caiu, Anna Carolina telefonou para o pai. Em seguida, Nardoni ligou para o seu e só então desceu para ver a filha caída EVIDÊNCIA: os registros das ligações feitas pelo casal mostraram que não houve tentativa de pedir socorro médico. O resgate foi solicitado por vizinhos
FATO: Anna Carolina desceu em seguida, com seus dois filhos, e começou a gritar que o prédio não tinha segurança. Dirigiu palavrões a todos à sua volta e chamou o marido de "incompetente" EVIDÊNCIA: vizinhos relataram a cena em depoimento à polícia
FATO: os bombeiros chegaram e tentaram reanimar Isabella. A menina foi declarada morta a caminho do hospital |
Com reportagem de Naiara Magalhães, Adriana Dias Lopes, Kalleo Coura e Renata Moraes
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