Fonte: Recanto das Letras

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No começo do século passado a marinha de Guerra do Brasil era uma das instituições que demonstrava de forma mais evidente o comportamento escravista dos seus superiores. As medidas disciplinares então aplicadas aos infratores das regras militares incluíam o uso do açoite, e como a esmagadora maioria dos marinheiros compunha-se de homens negros, a impressão deixada pela execução de tal castigo era a de que o tempo do pelourinho ainda não terminara nos navios da armada brasileira. Os marujos penalizados com a brutal condenação eram açoitados diante dos companheiros, que por determinação da oficialidade branca se viam obrigados a assistir àquela cena infamante no convéns das belonaves.

Com isso criaram-se condições de revolta no seio da marujada, porque os seus membros não aceitavam mais passivamente a situação humilhante de que eram vítimas. Sob o comando do marinheiro João Cândido (à direita, na ilustração, lendo o manifesto), a tripulação dos encouraçados Minas Gerais e São Paulo (esta liderada pelo cabo Gregório), contando ainda com o apoio dos marujos do Barroso e do Bahia (as q uatro embarcações estavam fundeadas na baía de Guanabara), amotinaram-se exigindo aumento de soldo, melhoria geral das condições de trabalho dos marinheiros e, principalmente, a extinção das penas corporais que na época ainda vigoravam na marinha de guerra brasileira.

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Tudo começou no dia 22 de novembro de 1910, quando o marinheiro negro chamado Marcelino recebeu um total de 250 chibatadas diante de toda a tripulação formada no convés do encouraçado Minas Gerais, e apesar do infeliz ter desmaiado durante a aplicação do castigo, os açoites continuaram até alcançarem o total estipulado pela punição contra ele determinada. Diante da selvageria desse procedimento, os demais marinheiros, liderados por João Cândido, resolveram antecipar o movimento que vinha sendo articulado de forma discreta, sublevando-se imediatamente: dessa forma, no final da tarde desse mesmo dia, num golpe rápido eles se apoderaram dos principais navios da marinha de guerra brasileira, e em seguida enviaram mensagem ao presidente da República e ao ministro da Marinha, exigindo a adoção de diversas providências, entre elas a extinção do uso da chibata. Iniciou-se dessa forma a Revolta da Chibata, de rápida duração, mas durante a qual os insurretos ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro.

Segundo relatos da época, o pânico tomou conta de grande parte da população da cidade, e com isso alguns milhares de pessoas fugiram para Petrópolis. Os navios amotinados hastearam bandeiras vermelhas e silenciaram rapidamente os navios fiéis ao governo que tentaram duelar com eles. Tal situação criou um impasse institucional, pois se de um lado a Marinha pretendia punir os amotinados pela morte de alguns de seus oficiais, de outro o governo e os políticos sabiam que os marinheiros estavam militarmente mais fortes do que a própria Marinha de Guerra, pois além de comandarem praticamente a armada, tinham os canhões das belonaves apontados para a capital da República.

Diante dessa situação, muitas reuniões políticas foram realizadas em busca de uma solução. Entre os participantes dessas negociações encontrava-se o político e escritor Rui Barbosa, que condenou veementemente os “abusos com os quais, na gloriosa época do abolicionismo, levantamos a indignação dos nossos compatriotas”. Como resultado dessas discussões, o Congresso aprovou um projeto de anistia para os amotinados e comprometeu-se a abolir os castigos corporais do regime disciplinar da Marinha. Com isso os marinheiros desceram as bandeiras vermelhas dos mastros dos seus navios, e depuseram suas armas, encerrando oficialmente a rebelião no dia 26 de novembro. A revolta havia durado exatamente cinco dias, e terminava vitoriosa.

Segundo relatos jornalísticos da época, as forças militares mantinham-se inconformadas com a solução política encontrada para a crise e por isso apertaram o cerco contra os marinheiros fazendo aprovar um decreto autorizando a demissão sumária de qualquer integrante da corporação naval, comprovando, assim, ter sido a anistia uma farsa utilizada com a intenção de desarmar os revoltosos. Logo em seguida o governo mandou prender os marinheiros acusando-os de conspiração, e apesar dos protestos veementes de Rui Barbosa e outras personalidades importantes, eles foram recolhidos à prisão na Ilha das Cobras, o que ensejou a eclosão, em 9 de dezembro, de uma nova rebelião naquela fortaleza. Mas esta foi sufocada rapidamente pelas autoridades, que por medida de segurança também decretaram o estado de sítio.

Os líderes do movimento rebelde foram mantidos na cela em que se encontravam para o cumprimento da pena de seis dias de prisão, mas nesse espaço de tempo dezesseis deles morreram. Entre os poucos sobreviventes estava o chefe da revolta, João Cândido, que teve sua prisão prolongada até abril de 1911 de onde saiu transferido para um hospício e mais tarde retornou à prisão comum. Os marujos rebelados já cumpriam dez meses de prisão, quando a irmandade da igreja de Nossa Senhora do Rosário, protetora dos negros, contratou três advogados para defendê-los no julgamento que se aproximava. Este durou dois dias, e a leitura da sentença final foi feita depois das três horas da manhã. Nela, os marinheiros foram absolvidos por unanimidade.

Tuberculoso e na miséria, João Cândido conseguiu, contudo, restabelecer-se física e psicologicamente. Perseguido constantemente, morreu como vendedor no Entreposto de Peixes da cidade do Rio de Janeiro, sem patente, sem aposentadoria e até mesmo sem nome.

FERNANDO KITZINGER DANNEMANN


Paim quer homenagem para o Almirante Negro

O senador Paulo Paim (PT/RS) comemorou a aprovação do projeto de lei (PLS 45/01), de autoria da senadora Marina Silva (PT/AC), que concede anistia post mortem a João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata, e aos demais participantes do movimento. A matéria será encaminhada à sanção presidencial. “João Cândido e seus companheiros lutaram pela dignidade de suas vidas e foram vítimas de uma feroz perseguição. Aos poucos a nossa história está fazendo justiça e nós devemos bater no peito e falar com orgulho que ele também é um herói brasileiro”, disse o senador.

Paim, que relatou o projeto de Marina, apresentou requerimento para que o Congresso Nacional realize uma sessão especial em homenagem a João Cândido Felisberto e seus descendentes. O “Almirante Negro”, como ficou conhecido, nasceu em Encruzilhada do Sul, em 24 de junho de 1880.

A Revolta da Chibata ocorreu no Rio de Janeiro, em 1910. O movimento era contrário à punição física a marinheiros por meio de chibatadas, conforme previa o regimento da força naval de guerra, e foi deflagrado após a morte de um marinheiro negro que recebeu cerca de duzentos açoites. A revolta acabou vitoriosa e o governo brasileiro extinguiu essa modalidade de punição na Marinha.
Fonte: Gazeta do Sul

João Cândido do Brasil :: Paulo Paim

Fonte: Zero Hora - NOTIMP FAB - 190/2008 de 08/07/2008

Confesso que a minha garganta secou e as minhas mãos suaram no exato momento em que os senadores aprovaram o projeto de lei da Marina Silva que concede anistia post mortem para o marinheiro João Cândido Felisberto e aos demais participantes da Revolta da Chibata.

Foi como se o plenário se transformasse no convés do encouraçado Minas Gerais, que nos idos de 1910 serviu de palco, na Baía de Guanabara, para o levante dos marinheiros que não aceitavam mais os açoites e as humilhações.

Incrível como a jovem República brasileira ainda permitia que a Marinha de Guerra utilizasse tais castigos. Os marinheiros que cometiam faltas leves eram presos na solitária por cinco dias, recebendo apenas pão e água. Já as faltas graves eram punidas com no mínimo 25 chicotadas.

A revolta estourou quando o marinheiro Marcelino Rodrigues foi castigado com 250 chibatadas. Coube então a um gaúcho nascido em Encruzilhada do Sul o comando do movimento.

Uma carta reivindicando o fim dos castigos físicos, melhorias na alimentação e anistia para todos os marinheiros que participaram da revolta foi redigida pelo negro João Cândido. O governo aceitou as exigências, mas, findado o levante, os marinheiros foram presos e muitos assassinados.

O líder João Cândido, que já vinha sendo chamado pela imprensa de Almirante Negro, foi expulso da Marinha e internado como louco no Hospital de Alienados, sendo solto dois anos depois. Morreu na miséria, em 1969, no Rio de Janeiro, aos 89 anos.

João Cândido e seus companheiros lutaram pela dignidade de suas vidas e foram vítimas de uma feroz perseguição. Aos poucos, a nossa história está fazendo justiça e nós outros devemos bater no peito e falar com orgulho que ele também é um herói brasileiro.

Creio que se ele estivesse hoje entre nós seria um militante das causas sociais. Seria aquele tipo de brasileiro que não se conforma ao ver uma criança dormindo na rua ou um idoso tendo que esperar mais de cinco horas para ser atendido num hospital.

Foi na década de 70 que os compositores João Bosco e Aldir Blanc eternizaram João Cândido Felisberto na canção O Mestre-Sala dos Mares: Salve o almirante negro que tem por monumento as pedras pisadas do cais.

Agora ele não é mais tão-somente das "pedras pisadas do cais". Ele é o João Cândido dos negros, brancos, índios, das pessoas com deficiência, dos desempregados e de todos os discriminados. Agora ele é eternamente o João Cândido do Brasil.


Encouraçado Minas Gerais, um dos mais importantes navios da Marinha brasileira no início do século XX, esteve em poder dos rebeldes sob a liderança do marinheiro João Cândido (Foto: BANCO DE DADOS)
Encouraçado Minas Gerais, um dos mais importantes navios da Marinha brasileira no início do século XX, esteve em poder dos rebeldes sob a liderança do marinheiro João Cândido (Foto: BANCO DE DADOS)

Há 97 anos marinheiros se revoltavam no Rio de Janeiro

Há quase 97 anos, em 22 de novembro de 1910, marinheiros se revoltaram no Rio contra os castigos corporais na Marinha. O governo cedeu, anistiou os rebeldes, mas não cumpriu a palavra. Muitos foram mortos, deportados e presos

Fonte: Jornal O Povo


Há muito tempo nas águas da Guanabara/O dragão do mar reapareceu/Na figura de um bravo feiticeiro/A quem a história não esqueceu./Conhecido como o navegante negro, tinha a dignidade de um mestre-sala.

São versos da canção O Mestre Sala dos Mares, de Aldir Blanc e João Bosco, na voz de Elis Regina, que narram um episódio histórico ainda pouco conhecido: A Revolta da Chibata, liderada pelo marinheiro João Cândido. O movimento teve início no dia 22 de novembro de 1910 em protesto contra os castigos corporais aplicados na Marinha contra os marujos, entre os quais o açoite com a chibata. O estopim da revolta foi a aplicação das chibatadas 250 vezes num único marinheiro, quando a norma previa "apenas" 25 chibatadas. Na quinta-feira, completam-se 97 anos da rebelião.

Quatro grandes navios da Marinha - Minas Gerais, São Paulo, Deodoro e Bahia - estiveram sob o controle de João Cândido e mais de 2 mil marinheiros. Quatro oficiais - o comandante, inclusive - foram mortos no Minas Gerais pelos marinheiros durante a revolta. Quatro dias de prontidão, na Baía de Guanabara. Os rebeldes exigiam uma resposta do governo do então presidente da República, marechal Hermes da Fonseca sobre o fim dos castigos corporais e ameaçavam bombardear, dos navios, a cidade do Rio de Janeiro. Após forte tensão, chegou-se a um acordo que daria fim à prática da chibata e anistiaria os revoltosos.

O desfecho da Revolta da Chibata, no entanto, foi melancólico para os rebeldes e vergonhoso para a então jovem República brasileira. Descumpriu-se a palavra do presidente Hermes da Fonseca. Sob pretexto de ter acontecido nova rebelião de fuzileiros navais (que não contou com participação de João Cândido e de nenhum dos marinheiros dos quatro navios citados), a anistia concedida não foi cumprida e muitos revoltosos foram assassinados, deportados para o Norte do País e outros presos em condições degradantes na Ilha das Cobras (RJ).João Cândido foi encerrado num cubículo subterrâneo quase sem ventilação com mais 17 marinheiros. Um dia depois, só dois deles estavam vivos: João Cândido e outro marujo.

Repetia-se no Brasil um caso parecido com o do encouraçado Potemkin, ocorrido cinco anos antes na Rússia e um dos episódios que precederam a Revolução Russa, tema do filme de Sergei Eisenstein. Com uma diferença: o Potemkin tinha menos de 500 tripulantes. Além disso, os oficiais permaneceram no navio, participando das operações, sob as ordens dos marinheiros. João Cândido comandou quatro navios ("uma verdadeira esquadra", como disse o jornalista Edmar Morel no livro A Revolta da Chibata) e 2.379 marinheiros. Nenhum oficial ficou a bordo.

Edmar Morel narra noutro trecho do livro: "Arriada a bandeira rubra, começou o crime contra os anistiados, culminando com fuzilamentos, a bordo do Satellite, em águas do Norte, enquanto João Cândido e seus companheiros de jornada, todos anistiados, foram metidos em masmoras medievais na Ilha das Cobras, onde vários morreram asfixiados com cal virgem. O chefe (João Cândido), aquele que acabou com a chibata na Marinha, foi parar no Hospital dos Alienados (loucos)".

Em 1912, foi absolvido das acusações junto com outros colegas que participaram da revolta. Mas a Marinha nunca perdoou a ousadia dos rebeldes.

João Candido morreria em 6 de dezembro de 1969, 69 anos depois da Revolta da Chibata. A Marinha ainda hoje o desconhece. Morreu sem ouvir a música Mestre Sala dos Mares, composta seis anos depois de sua morte, em 1975. A letra original falava em almirante negro, mas a censura da época (ditadura militar)pediu o autor para substituir essa expressão, mudada depois para navegante negro.


CRONOLOGIA

1910 - setembro - Aparece carta anônima no camarote do comandante do navio Bahia protestando contra a aplicação dos castigos corporais contra os marinheiros. A autoria do aviso é do cearense Francisco Dias Martins, que assinou como Mão Negra.

1910 - 22 de novembro - Explode a Revolta da Chibata no Rio de Janeiro em protesto contra o espancamento com 250 chibatadas do marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes no navio Minas Gerais. João Cândido lidera a rebelião.

26 de novembro- O governo do presidente Hermes da Fonseca declarou aceitar as reivindicações dos amotinados, abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos que se entregassem. Estes, então, depuseram armas e entregaram as embarcações.

28 de novembro - Alguns marinheiros foram expulsos da Marinha, sob a acusação de “incoveniente à disciplina”.

4 de dezembro - Quatro marujos foram presos, sob a acusação de conspiração. Em meio a uma forte onda de boatos, isolados e desorganizados

9 de dezembro - Os fuzileiros navais se sublevaram na ilha das Cobras, sendo bombardeados durante todo o dia, mesmo após hastearem a bandeira branca.

1912- 1º de dezembro - João Cândido e dez companheiros só seriam julgados e absolvidos das acusações.

1969 - 6 de dezembro - O líder da Revolta da Chibata, João Cândido, morre no Rio de Janeiro, aos 89 anos de idade.

Leia mais sobre esse assunto


Marinha libera documentos

do Almirante Negro

MARCELO BERABA

da Folha de S.Paulo, no Rio

A Marinha liberou, enfim, depois de 97 anos, documentos referentes ao marinheiro de 1ª classe João Cândido Felisberto (1880-1969), o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata, e ajudou a localizar sua ficha funcional no Arquivo Nacional.

Os documentos agora tornados públicos só haviam sido consultados por oficiais e historiadores da própria Marinha e usados para corroborar a versão oficial do episódio que acabou com os castigos corporais nos navios de guerra.

A íntegra da reportagem está disponível para assinantes do jornal e do UOL.

Veja as fotos liberadas:

Arquivo Nacional/1957
O ex-líder dos marinheiros João Cândido em 1957 Crédito: Arquivo Nacional/1957
O ex-líder dos marinheiros João Cândido em 1957
Arquivo Nacional/Década de 1890
Cais da praça do Mercado (atual praça 15), no Rio de Janeiro Crédito: Arquivo Nacional/Década de 1890
Cais da praça do Mercado (atual praça 15), no Rio de Janeiro
Arquivo Pessoal/Adalberto Cândido
João Cândido no mercado de peixe da praça 15 com funcionários da Inspeção Sanitária, em 1957 Crédito: Arquivo Pessoal/Adalberto Cândido
João Cândido no mercado de peixe da praça 15 com funcionários da Inspeção Sanitária, em 1957
1938/Arquivo Edmar Morel/Biblioteca Nacional
João Cândido vendendo peixe a uma freguesa na praça 15, centro do Rio de Janeiro Crédito: 1938/Arquivo Edmar Morel/Biblioteca Nacional
João Cândido vendendo peixe a uma freguesa na praça 15, centro do Rio de Janeiro
Arquivo Nacional/Correio da Manhã/3.dez.1963
João Cândido durante entrevista a um jornalista Crédito: Arquivo Nacional/Correio da Manhã/3.dez.1963
João Cândido durante entrevista a um jornalista
Arquivo Nacional/Correio da Manhã/3.dez.1963
João Cândido durante a entrevista a um jornalista Crédito: Arquivo Nacional/Correio da Manhã/3.dez.1963
João Cândido durante entrevista a um jornalista
Arquivo Nacional/1959
João Cândido antes de viajar ao Rio Grande do Sul ao lado do filho Adalberto para receber homenagem
João Cândido antes de viajar ao Rio Grande do Sul ao lado do filho Adalberto para receber homenagem