As origens da Embraer
Revista de sociologia da USP Tempo Social, pp. 281-298 292 , v. 17, n. 1 - junho 2005 - Maria Cecilia Spina Forjaz
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É tempo de se instalar uma escola de verdade em um campo adequado. Não é difícil encontrá-lo no Brasil [...] margeando a linha da Central do Brasil, especialmente nas imediações de Mogi das Cruzes, avistam-se campos que me parecem bons.
SANTOS DUMONT, 1918
A Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A, Embraer, foi fundada em 1969, durante o regime militar. Era a concretização de um antigo projeto de militares da Aeronáutica de constituir uma indústria aeronáutica no país. Esse projeto estratégico dos oficiais da Força Aérea Brasileira estava ligado à problemática da Segurança Nacional e relacionava-se com o amplo engajamento dos militares no processo político brasileiro.
Nesse sentido, em sua origem, a Embraer assemelha-se às indústrias petrolífera e siderúrgica, que também contaram com ativa participação dos militares na sua instalação. Como a Embraer, a Petrobrás e a Companhia Siderúrgica Nacional foram gestadas durante o Estado Novo e significaram um pacto entre militares e lideranças civis vinculadas ao nacionalismo desenvolvimentista da era Vargas, quando o Estado brasileiro assumiu a iniciativa de criar uma infra-estrutura de energia, transportes, siderurgia e comunicações para sustentar o projeto de industrialização nacional.
De fato, já desde a Revolução de 1932 lideranças militares associadas a Vargas, encabeçadas pelos generais Pedro Aurélio de Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, começaram a intuir os vínculos entre potência industrial e potência militar. Perceberam que a Segurança Nacional, à época chamada "Defesa Nacional", dependia, em grande medida, de um projeto mais amplo de industrialização nacional conduzida pelo Estado. Assim, a doutrina político-militar do Estado Novo e as exigências de ampliação da defesa nacional, decorrentes da Segunda Guerra Mundial, nutriram o ambiente no qual a arma mais nova das Forças Armadas, a Aeronáutica, começou a planejar o seu futuro. Desse modo, nos anos de 1940 e de 1950 foram criados a FAB, o Ministério da Aeronáutica, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Centro Tecnológico de Aeronáutica (CTA), instituições que formaram o embrião da Embraer. Ao recuperar essa origem remota, retomaremos os elos, pouco explorados na literatura, entre indústria aeronáutica e o projeto político dos militares.
A criação da FAB e do Ministério da Aeronáutica
Os primeiros passos no longo processo que levou à criação da Aeronáutica brasileira remontam aos anos de 1920, quando foi instituída a arma da aviação, ao lado das outras armas tradicionais do Exército, artilharia, cavalaria e infantaria. Estávamos então no ano de 1927.
Os poucos cadetes que escolhiam essa nova arma tinham que ir para a Escola de Aviação Militar do Campo dos Afonsos, onde permaneciam isolados e perdiam o contato com o Exército. Ali desenvolviam um éthos militar diferente, baseado no individualismo, no espírito de aventura e na coragem exacerbada exigidos de futuros pilotos. Queremos com isso sugerir que os cadetes que buscavam a aviação tinham menos apego à disciplina e à obediência, características próprias do espírito militar.
Entretanto, apesar de alguns traços particulares dos aviadores, distintos dos dos soldados, as doutrinas estrangeiras que orientaram a modernização do Exército, nos anos de 1920, também balizaram a formação dos futuros oficiais da Aeronáutica. A organização da aviação do Exército era similar à francesa e fora implantada sob influência da Missão Militar Francesa de Aviação, chefiada pelo coronel Etienne Magnin, que foi também o primeiro diretor de ensino da Escola de Aviação Militar. A lei que criou a aviação militar previu também o controle dessa arma por um oficial-general do Exército, mantendo-a subordinada à sua hegemonia.
Já existia, então, a aviação naval, que todavia se pautava por um sistema diferente, já que só podia integrá-la quem tivesse se formado na Escola Naval e fosse primeiro-tenente. A influência estrangeira dominante nesse caso foi a norte-americana; a Missão Naval Americana esteve no Brasil entre 1922 e 1931, orientando a organização administrativa, a instrução técnica e o treinamento do pessoal.
A aviação, portanto, além de arma incipiente, estava dividida entre Exército e Marinha, e não possuía nenhuma autonomia administrativa, operacional ou técnica. Seus quadros eram reduzidos e seus componentes considerados indisciplinados e individualistas. Sua autonomia começou a ser conquistada depois da Revolução de 1930, quando o major-aviador Plínio Raulino de Oliveira assumiu o comando da Escola de Aviação Militar. A partir de então, só foram nomeados comandantes aviadores. Mas o passo decisivo seria dado um pouco mais tarde, com a criação do Ministério da Aeronáutica e da Força Aérea Brasileira, nos anos de 1940, sob a influência do novo contexto geopolítico, estratégico e tecnológico da Segunda Guerra Mundial.
A rigor, a utilização de aviões como instrumentos de ataque e defesa tivera seu início na Primeira Guerra Mundial, quando nasceram as tecnologias e as doutrinas militares sobre a importância da força aérea. Mas, mesmo entre os países desenvolvidos, o uso da aviação em enfrentamentos bélicos só se consolidou na Segunda Guerra, quando a aviação militar passou a ser decisiva para as estratégias de ataque e defesa das nações beligerantes, tanto entre os Aliados, como entre os países do Eixo.
No Brasil, o debate em torno da criação de uma força aérea e de um "Ministério do Ar", expressão utilizada nos anos de 1930, é indissociável das doutrinas militares européias sobre segurança nacional, as primeiras a influenciar o desenvolvimento da aeronáutica no Brasil. Tais doutrinas propugnavam que a supremacia militar - e, portanto, a superioridade sobre o inimigo e a capacidade de vencer as guerras - estava condicionada à utilização em larga escala da aviação militar1. Da Europa vieram também os modelos das primeiras experiências de criação de Ministérios da Aeronáutica, ocorridas na Itália, na Inglaterra e na França.
Às influências européias vieram somar-se as doutrinas norte-americanas, que chegaram depois, já que o desenvolvimento da força aérea nos Estados Unidos foi posterior ao europeu. Nesse país, o primeiro a formular a idéia da necessidade de uma aviação forte para vencer as guerras foi William Mitchell, comandante da aviação norte-americana na Primeira Guerra Mundial. Ele foi afastado das Forças Armadas por insubordinação e durante algum tempo os americanos se desinteressaram pelo assunto. O coronel Alexander Seversky, piloto de caça da Rússia czarista, foi outro importante pioneiro da idéia da supremacia da aviação sobre as outras armas nas guerras modernas, isto é, posteriores à Primeira Guerra Mundial. Depois da revolução russa ele emigrou para os Estados Unidos, onde se tornou um premiado projetista de aviões. Mas foi o ataque japonês à base naval de Pearl Harbour, em dezembro de 1941, o evento responsável por tornar flagrantes para os Estados Unidos a necessidade e a importância crucial da aviação nas guerras modernas. Foi justamente durante a guerra que se criou a Força Aérea do Exército Americano, a Usaf2.
No caso brasileiro, o desperdício decorrente da existência de três aviações operando e sendo gerenciadas em separado - a da Marinha, a do Exército e a aviação comercial - constituiu-se num dos principais argumentos em favor da criação do Ministério. Ao mesmo tempo, a evolução tecnológica da indústria aeronáutica e de armamentos tornava a aviação um instrumento cada vez mais importante na defesa nacional, principalmente num país de dimensões continentais e totalmente carente de infra-estrutura de transportes e comunicações. Mas não se deve deixar de ter em conta também o papel hegemônico das Forças Armadas na sustentação do regime varguista e na implementação de um projeto estratégico de desenvolvimento nacional baseado na industrialização e na construção de um forte sistema de defesa nacional. Não é por acaso que a criação da Aeronáutica ocorre durante a Segunda Guerra Mundial, quando aumentam as preocupações dos militares e das elites políticas com a vulnerabilidade brasileira. Não só as Forças Armadas eram mal equipadas, como faltava infra-estrutura de transportes, comunicações e energia, fundamental para a defesa nacional e para a industrialização do país.
Alemanha e Estados Unidos disputavam a adesão brasileira para fortalecer seu poderio militar no Atlântico sul, e a elite dirigente do Estado Novo, assim como as Forças Armadas brasileiras, dividiram-se em facções germanófilas e americanófilas. Getúlio Vargas acabou optando pela adesão aos norte-americanos em troca de financiamento para a construção da usina de Volta Redonda. Foi uma decisão pragmática de política externa que implicou grande aproximação com a potência norte-americana e grande aumento de sua influência militar e econômica sobre o Brasil:
Em meados de 1940, o governo norte-americano, após inúmeras marchas e contramarchas, finalmente deslanchou um programa de aproximação aeronáutica com os países da América Latina. Por sua posição estratégica, o Brasil mereceu uma atenção especial [...]. Nessa ocasião, vários oficiais militares e profissionais civis foram enviados aos Estados Unidos para fazerem cursos de especialização em Aeronáutica (Botelho, 1999, p. 142).
Os vizinhos argentinos, sob o regime peronista, mantiveram uma neutralidade aparente, que de fato buscava encobrir o apoio de Perón a Hitler, de quem comprou armas, tanques e aviões para usá-los numa possível guerra com o Brasil, caso este aderisse aos Aliados. Embora a invasão argentina não tenha acontecido, o Brasil esteve na mira dos submarinos alemães. A guerra tornou muito mais evidente a fragilidade das Forças Armadas, em seu despreparo para enfrentar ameaças de agressões externas, assim como a falta de autonomia brasileira diante do poderio norte-americano, que instalara várias bases militares espalhadas pelo território nacional.
Depois da adesão do regime Vargas, o general Eurico Gaspar Dutra alertou para o perigo de "cedermos a nossos aliados armados os mares, o céu e os campos de nossa terra que, desarmados, não podemos defender, como devêramos" (Coutinho, 1955, p. 341). Num país de dimensões continentais, com uma costa imensa e rios extensos, a defesa nacional passou a exigir além do Exército e da Marinha a criação de uma Força Aérea que garantisse as fronteiras e o espaço aéreo. Finalmente, depois de amplo debate e campanhas na imprensa, Getúlio Vargas assinou o Decreto 2961, em 20 de janeiro de 1941, criando o Ministério da Aeronáutica e estabelecendo a fusão das aviações do Exército e da Marinha numa só corporação, denominada Forças Aéreas Nacionais, subordinadas ao novo Ministério e que teria seu nome mudado para Força Aérea Brasileira pelo Decreto-lei 3302, de maio de 1941.
A estrutura da Aeronáutica brasileira não seguiu fielmente os modelos estrangeiros:
Segundo a doutrina brasileira, tudo o que se locomove no ar e quem pilota pertencem ao Ministério da Aeronáutica. Trata-se de uma solução completamente diferente da que os americanos adotaram. Acredito que somos o único país que juntou todas as aviações em um único ministério [...]. O Ministério da Aeronáutica mantém controle total sobre o sistema, monitorando permanentemente as aviações, inclusive a aviação civil [...]. Nos Estados Unidos, cada uma das cinco aviações possui sistema próprio, controla seus aviões no ar, mas ignora o que ocorre com os demais. Nenhuma força quer se submeter à outra, é uma briga medonha, uma confusão desgraçada (Moura, 1996, p. 98)!
A doutrina político-militar subjacente à criação do novo Ministério pode ser resumida nas seguintes concepções:
- Comando único, político e estratégico, sobrepondo-se a todas as atividades aeronáuticas do país, civis e militares;
- Integração de órgãos dispersos em três Ministérios com atividades absolutamente correlatas;
- Integração de infra-estrutura aeronáutica para uso comum, civil e militar, com grande economia de meios;
- Lançamento das bases para implantação definitiva da indústria aeronáutica brasileira;
- Institucionalização da pesquisa, com vistas ao desenvolvimento tecnológico (Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, 1990, p. 74).
Vê-se, pelo trecho citado, que o grupo de militares que liderou a criação da FAB e do Ministério da Aeronáutica tinha como objetivos, já no início dos anos de 1940, a constituição de uma indústria aeronáutica nacional e o domínio da tecnologia necessária para isso. Não sem razão, o grupo apoiava e tinha apoio de Getúlio Vargas e, além das pressões que exercia dentro do governo, foi protagonista de intensa campanha na imprensa em defesa da autonomia da força aérea.
A escolha de Joaquim Pedro Salgado Filho, um civil, como ministro da Aeronáutica revelou a sagacidade política do ditador, empenhado em evitar os manifestos conflitos de interesse entre as aviações do Exército e da Marinha. Vargas furtou-se a tomar partido e nomeou um político gaúcho de sua confiança, ex-deputado federal e ministro do Trabalho, com o que facilitou o entrosamento entre as armas e obteve o controle político da nova instituição.
Salgado Filho e a equipe do Ministério participavam das correntes militares favoráveis a uma aproximação com os Estados Unidos, e por isso intensificaram as negociações com vistas a uma maior colaboração entre os dois países, evidentemente desejada pela potência norte-americana. O interesse maior para o Brasil era o aparelhamento da Força Aérea e o treinamento de seus quadros, já que o país não dispunha de aviões de instrução suficientes para a formação de novos pilotos nem de instituições de ensino adequadas para o treinamento militar.
Em junho de 1941, Brasil e Estados Unidos assinaram um acordo de cooperação baseado no Lend and Lease Act, que regulava os programas de empréstimos e arrendamentos subsidiados, por meio dos quais os Estados Unidos forneciam ajuda militar aos países aliados. Foram trazidos mais de quatrocentos aviões de treinamento e quase todos os oficiais da Aeronáutica na época fizeram um curso de estado-maior nos Estados Unidos. A contrapartida brasileira foi a permissão para a instalação de várias bases militares norte-americanas em território nacional: Amapá, Belém, São Luís do Maranhão, Fortaleza, Recife e Natal, a maior e mais importante delas, que chegou a contar com 60 mil homens.
A Força Aérea, apesar de abrigar alguns integralistas simpáticos ao Eixo, era majoritariamente favorável aos Aliados e seus oficiais apoiaram integralmente a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. As palavras do brigadeiro Nero Moura informam sobre a escassa porcentagem de oficiais da Aeronáutica que participaram do movimento integralista:
O integralismo estava organizado em legiões, seções e regimentos. A seção dos Afonsos tinha como chefe um barbeiro, o Barbosa, velhote simpático e agradável. Ele era o chefão, a quem o ex-ministro Márcio de Souza e Melo, então major, conhecido e sabido como integralista, obedecia - era engraçado! O Rui Presser Bello, que já morreu, também era integralista, e havia outros insignificantes, de cujo nome não guardo lembrança (Moura, 1996, p. 85).
Os embriões da indústria de aviação:
Centro Tecnológico de Aeronáutica e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica
O projeto estratégico da Aeronáutica, do qual derivou posteriormente a fundação da Embraer, priorizou a formação de recursos humanos de alto nível, capazes não só de absorver os conhecimentos tecnológicos que surgiam de forma acelerada no cenário internacional, mas também de buscar soluções adequadas ao contexto nacional, numa época em que o Brasil se caracterizava por uma economia predominantemente agrícola e, portanto, altamente dependente dos produtos industrializados vindos do exterior. As lideranças da Aeronáutica sabiam da impossibilidade de montar uma indústria aeronáutica naquele estágio de desenvolvimento da economia brasileira. Assim, para ajudar a criar as condições necessárias para seu estabelecimento no futuro, optaram por desenvolver antes uma escola de engenharia aeronáutica e um centro de pesquisa sobre tecnologia aeronáutica.
Com uma visão quase profética, os pioneiros da Aeronáutica conceberam um centro de pesquisas que tivesse como núcleo uma avançada escola de engenharia, de forma a assegurar o desenvolvimento auto-sustentado do setor aeronáutico, com frutos que se estenderiam, a médio prazo, ao parque industrial brasileiro e às atividades da aviação civil. Desse modo, em um país com uma infra-estrutura industrial mínima, incapaz de fabricar até bens de consumo leve, iniciava-se a formação de engenheiros aeronáuticos altamente qualificados, o que daria origem a novas especializações em eletrônica, mecânica e infra-estrutura aeronáutica, e a um conjunto de instituições indutoras do moderno desenvolvimento tecnológico brasileiro.
Paralelamente às atividades voltadas para a formação de recursos humanos no ITA, os idealizadores do CTA, sob a liderança do então major-aviador Casimiro Montenegro Filho, criaram um centro de pesquisas capaz de, a curto prazo e de forma pragmática, trazer para o país algumas das tecnologias emergentes no exterior e que acelerariam o desenvolvimento da indústria local3. Nos laboratórios isolados instalados no campus do CTA, em São José dos Campos, iniciaram-se trabalhos pioneiros de prospecção tecnológica e aplicação de novas técnicas, estimulando o surgimento de pequenas indústrias, num modelo de círculos concêntricos em que o núcleo opera como matriz supridora de recursos humanos e suporte laboratorial para os novos empreendedores. O ITA e o CTA tornaram-se irradiadores de tecnologia, permitindo sua fixação, e atuaram como suporte para a criação de inúmeras empresas, em geral fundadas por "iteanos", das quais a mais importante delas viria a ser a Embraer. Ao longo dos anos, seus laboratórios evoluíram para estruturas mais complexas, em função da demanda e dos novos conhecimentos, dando lugar aos três institutos atualmente existentes: o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), o Instituto de Estudos Avançados (IEAv) e o Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI). Vejamos como tal processo transcorreu.
Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, um grupo de oficiais da Aeronáutica, liderado pelo brigadeiro Casimiro Montenegro Filho e no qual se incluíam Aldo Vieira da Rosa, George Moraes, Oswaldo Nascimento Leal e muitos outros, começou a planejar a criação de uma instituição voltada para o desenvolvimento da indústria aeronáutica no Brasil.
Esse grupo tinha antigas vinculações com a aviação, anteriores à criação da Aeronáutica, e acumulara ampla experiência internacional, principalmente no MIT, onde vários deles estudaram. A figura central era, sem dúvida, o brigadeiro Montenegro, revolucionário de 1930 advindo dos tempos da aviação do Exército. Tinha fama de excelente administrador, pois comandara, com sucesso, o Destacamento Aeronáutico de São Paulo na década de 1930, ocasião em que estabelecera ligações com os industriais paulistas que estavam tentando criar uma incipiente indústria de aviões. Ele foi o primeiro brasileiro a se aproximar do eminente físico norte-americano Richard Smith, chefe do Departamento de Aerodinâmica do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e futuro mentor do ITA.
Montenegro e sua equipe entraram em negociações com o professor Smith e elaboraram um plano cujas idéias básicas formavam uma pauta a ser desenvolvida. O Brasil, como país pobre de combustíveis e com baixo padrão de vida, deveria procurar desenvolver tipos de avião cuja principal característica fosse a economia; os aviões norte-americanos e ingleses eram dispendiosos, pois neles se procurava reunir grande velocidade de cruzeiro ao máximo de conforto para os usuários, além de utilizarem motores leves e, portanto, dispendiosos, devido ao grande consumo de combustível; países importadores de petróleo, como o Brasil, deveriam utilizar motores mais pesados e mais econômicos. O Brasil não deveria receber, mesmo que gratuitamente, material aeronáutico de guerra, a não ser para atendimento de necessidades imediatas, pois, caso contrário, ficaria de posse de grande quantidade de material antiquado, caro para manter e dispendioso para operar, além de estar sempre na dependência de um país estrangeiro quanto a peças sobressalentes. Tal situação acarretaria o atraso do desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira, impedindo a sua independência, porque protelaria a necessidade de recorrer à produção nacional. Finalmente, se o Brasil procurasse orientar a sua aviação comercial para o transporte de carga a baixo custo, essa aviação não seria concorrente da aviação inglesa ou da norte-americana, mas complementar, e suas possibilidades seriam, por isso mesmo, ilimitadas.
Baseados nessas idéias nacionalistas, os pioneiros da Aeronáutica, orientados por professores norte-americanos, pretendiam montar um tripé de organizações integradas - ensino, pesquisa tecnológica, indústria -, de modo a assegurar a possibilidade do desenvolvimento industrial no campo da aviação.
Na visão do brigadeiro Montenegro, que cursara engenharia aeronáutica na França, nada aconteceria na indústria aeronáutica se não se formassem técnicos brasileiros de excelência; para isso tentou, sem sucesso, convencer as universidades brasileiras a montar cursos de engenharia aeronáutica: do tripé mencionado acima, Montenegro e sua equipe priorizaram o ensino, a formação de engenheiros especializados, como o primeiro passo para a futura constituição da indústria. A solução encontrada foi um convênio com o Massachusetts Institute of Technology para a constituição de uma escola de engenharia aeronáutica no Brasil, o futuro Instituto Tecnológico de Aeronáutica, ITA. Uma missão de professores do MIT veio ao Brasil com esse objetivo e a escola começou a funcionar em 1948, no Instituto Militar de Engenharia, na Praia Vermelha, Rio de Janeiro, enquanto não estava pronto o campus em São José dos Campos.
A criação formal da instituição se deu pelo Decreto 27.695 de 16 de janeiro de 1950:
Art. 1ş - Os atuais cursos de Preparação e Curso de Formação de engenheiros de Aeronáutica ficam transformados, respectivamente, em Curso Fundamental e Curso Profissional do Instituto Tecnológico de Aeronáutica.
Art. 2ş - O ITA, que faz parte do Centro Tecnológico de Aeronáutica, [...] funcionará a partir do ano de 1950, provisoriamente, na Capital Federal, efetuando-se sua transferência para São José dos Campos tão logo o permitam as obras do Centro Tecnológico de Aeronáutica (apud Fischetti, 2000, p. 14).
A missão estrangeira que veio formar o ITA era composta de professores de várias nacionalidades, apesar da predominância norte-americana ou de alemães radicados nos Estados Unidos depois da guerra. Entre eles estavam Francis Dominic Murnaghan (autoridade mundial em Matemática), Theodor Theodorsen (conhecido mundialmente na área da Aerodinâmica), Charles Ingram Stanton, F. C. Phillips, J. Younger, R. N. Dubois, T. V. Jones, e os alemães do departamento de Mecânica, Heinrich Peters, Otto Weinbaum e W. Kotenberg. Para trabalhar com os especialistas estrangeiros e depois substituí-los, o Ministério da Aeronáutica contratou eminentes professores brasileiros, entre os quais Fernando Pessoa Rebello, Jacek Piotr Gorecki, Paulo Ernesto Tolle, Paulus Aulus Pompéia, Octávio Gaspar de Souza Ricardo, Jeremias Chrispim e Álvaro Miguez Bastos da Silva.
Depois de alguns anos do início das atividades do ITA, foi constituído o órgão do qual o instituto formalmente fazia parte, ou seja, o Centro Tecnológico de Aeronáutica. O CTA tinha por objetivos: ministrar o ensino de grau universitário correspondente às atividades de interesse para a aviação nacional e, em particular, para a Força Aérea Brasileira; promover, estimular, conduzir e executar a investigação científica e técnica, visando ao progresso da aviação brasileira; homologar aeronaves no país; cooperar com a indústria do país para orientá-la em seu aparelhamento e aperfeiçoamento, visando a atender às necessidades da Aeronáutica; colaborar com as organizações científicas, técnicas e de ensino do país e de outras nações, para o progresso da ciência e da técnica.
Além do MIT, o ITA inspirou-se no modelo do California Institute of Technology (Caltech) e nos seus primeiros dez anos firmou-se como escola de excelência, com padrões próprios e bem diversos do tradicional sistema de ensino superior brasileiro da época. Assim, adotou a estruturação acadêmica departamental em vez do sistema de cátedras; recrutou corpos docente e discente em regime de dedicação exclusiva ao trabalho escolar; optou por currículo dinâmico e flexível, ao contrário do "currículo modelo" adotado pelas principais escolas de engenharia do país; assumiu sua preocupação com o caráter básico e prático, e não essencialmente teórico, do ensino; introduziu matérias de Humanidades num curso de engenharia; garantiu a existência de laboratórios tanto nas disciplinas de formação básica como nas de caráter profissional.
Esse modelo influenciou a nova orientação do ensino superior brasileiro estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aprovada em fins de 1961, com reflexos inegáveis na composição do novo currículo mínimo do curso de engenharia aprovado em 1976 pelo Conselho Federal de Educação. Além disso, a qualidade dos engenheiros formados pelo ITA era louvada pelos empregadores e reconhecida pelas universidades estrangeiras que os recebiam para cursos de pós-graduação. A nova forma de ensino adotada pelo ITA, calcada no "modelo norte-americano", mostrava-se um sucesso.
No fim da década de 1950, quando o professor Samuel Steinberg era reitor do ITA, a cooperação norte-americana passou a contar também com o apoio financeiro do governo dos Estados Unidos, por meio da International Cooperation Administration, organismo mais conhecido no Brasil como Programa do Ponto Quatro. Essa cooperação recebeu um importante impulso quando o professor Marco Cecchini, primeiro reitor de nacionalidade brasileira, que assumiu a reitoria do ITA em 1960 em substituição ao professor Steinberg, estabeleceu um convênio entre o ITA e a Universidade de Michigan, com o apoio financeiro de 1 milhão de dólares concedido pela Agency for International Development, como parte do programa de ajuda externa conhecido como "Aliança para o Progresso". Essa cooperação terminou em 1967.
Em 1961 foi criado o Curso de Pós-Graduação, estruturado de acordo com o modelo norte-americano. Seu pioneirismo serviu de modelo para a reestruturação de toda a pós-graduação brasileira ocorrida na década de 1960, inclusive nas áreas não tecnológicas. Perseguindo sempre os objetivos maiores que nortearam sua criação, o ITA tem primado pela formação de recursos humanos do mais alto padrão, nos níveis de graduação e pós-graduação4.
Esse ambiente de excelência profissional transformou a cidade de São José dos Campos e a região vizinha, no vale do Paraíba, em pólo privilegiado para o florescimento das chamadas tecnologias de ponta, sediando atualmente inúmeras indústrias, duas universidades privadas, escolas técnicas e de engenharia e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, do Ministério da Ciência e Tecnologia.
A experiência da Aeronáutica demonstra que, ao contrário das importações de pacotes fechados de tecnologias específicas, tão apregoadas como panacéia por algumas lideranças políticas brasileiras, um desenvolvimento científico e tecnológico autóctone, por necessitar de maior período de maturação, exige persistência e confiança no futuro, mas é capaz de assegurar o lançamento, pela indústria nacional, de produtos adequados ao mercado e capazes de sobreviver no acirrado ambiente de competição nacional e internacional.
Em 1968, anos após a criação do ITA, voava em São José dos Campos a aeronave Bandeirante, resultado de um projeto do CTA. Destacaram-se no desenvolvimento do avião vários engenheiros já formados pelo ITA, que transformaram em realidade uma das metas da Aeronáutica na época, um avião compatível com a deficiente infra-estrutura aeroportuária brasileira, principalmente no Centro-Oeste e região amazônica.
Todavia, uma vez concluídos os protótipos5, surgia um novo desafio: a produção seriada e a comercialização. Nessa fase, a figura brilhante de um dos pioneiros diplomados pelo ITA em 1953, o brigadeiro-do-ar Paulo Victor da Silva, na época diretor-geral do CTA, conseguiu consolidar as providências para a criação da Embraer, que, sob a presidência de Ozires Silva, oficial da Aeronáutica e "iteano", vendeu mais de quinhentos aviões Bandeirantes em todo o mundo e abriu o mercado norte-americano para os produtos aeronáuticos brasileiros.
Mas a história da implantação de uma indústria aeronáutica no Brasil não estaria completa se apenas nos detivéssemos nas instituições públicas e prescindíssemos do relato de algumas experiências pioneiras conduzidas pela iniciativa privada. E isso nos remete a uma indagação: por que não foram os agentes privados os que encararam e resolveram o desafio da produção comercial de aeronaves? Vejamos.
Experiências pioneiras de produção de aviões remontam, no Brasil, aos anos de 1930. Nessa época, um número significativo de aviões de pequeno porte, civis e militares, já havia sido projetado e produzido. Devido ao limite do mercado interno, entretanto, o Estado (por meio dos ministérios militares) era praticamente o único comprador desses aviões. Nas palavras de Ozires Silva:
Parecia uma sina. Os empreendimentos nasciam por força do constante ideal de criar, construir e crescer; viviam em condições difíceis, procurando progredir fabricando produtos sabidamente complexos, sobretudo em países como o Brasil; e acabavam por falhar e morrer antes de conseguir conquistar uma cadência de produção e de vendas que auto-sustentasse os custos ligados à atividade industrial. Em resumo, parecia ser mais fácil conceber um novo avião, fazer voar um protótipo, que lançar uma produção seriada em condições de se manter ao longo do tempo e permanecer ancorada em um mercado de compradores razoavelmente contínuo (Silva, 1999, p. 128).
Uma dessas experiências pioneiras, que não passou de seu primeiro protótipo, o monomotor de asa alta EAY-201, foi a Empresa Aeronáutica Ypiranga, criada em São Paulo, em 1931, por Henrique Santos Dumont, Fritz Roesler e Orthon W. Hoover, piloto norte-americano então radicado no Brasil.
A Companhia Nacional de Navegação Costeira (CNNA), de propriedade do armador Henrique Lage, foi a primeira empresa a produzir um avião em escala comercial, o biplano de treinamento Muniz 7, com incentivo do presidente Getúlio Vargas, em 1935. O projeto da Ypiranga foi retomado por Lage, que produziu dois aviões inspirados naquele protótipo, o HL-1 e o CAP-4, o famoso "Paulistinha". No entanto, eles não tinham condições de competir, em preço ou qualidade, com os aviões norte-americanos, especialmente o Fairchild PT-19, que começou a ser importado durante a Segunda Guerra Mundial. A companhia encerrou suas atividades em 1948.
Ainda antes da criação do Ministério da Aeronáutica, por demanda do Exército e da Marinha, que necessitavam do serviço de manutenção de seus aviões, foi feito um acordo com a empresa alemã Focke Wulf Flugzeugbau Gmb para a montagem da Fábrica do Galeão. A Marinha construiu os pavilhões industriais e a empresa alemã forneceu os equipamentos e treinou mão-de-obra especializada. Os aviões ali montados ou produzidos eram tecnologicamente superiores aos do grupo Lage; entretanto, finda a guerra, a empresa também não conseguiu se manter em atividade.
Essas duas experiências respondiam a exigências da aviação militar, mas não foram as únicas; houve outras também na área da aviação civil. Em 1942, por exemplo, foi criada por Francisco Pignatari a Companhia Aeronáutica Paulista (CAP), e "pela primeira vez no Brasil uma empresa aeronáutica utilizou-se dos serviços de um centro de pesquisa e desenvolvimento exógeno à sua estrutura: o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) da Universidade de São Paulo" (Cabral, 1986, p. 6). O maior sucesso comercial da CAP foi o "Paulistinha", monomotor de asa alta e estilo clássico, que abasteceu a FAB e os aeroclubes de todo o Brasil, e foi exportado para Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Estados Unidos, Portugal e Itália.
O êxito desse projeto decorreu das qualidades do produto e do incentivo dado pela Campanha Nacional de Aviação, lançada por Getúlio Vargas em 1941 e apoiada pelos Diários Associados de Assis Chateaubriand. O objetivo da campanha era acelerar a formação de pilotos pela disseminação de aeronaves de treinamento nos aeroclubes do país, o que criou a demanda necessária para a elevada escala de produção do CAP-4. Com o fim da guerra foram retomadas as importações de aviões civis, em geral de maior porte, o que causou a crise da empresa, incapaz de competir com os similares importados.
Outra iniciativa igualmente fracassada foi a criação, em 1943, da Fábrica Nacional de Motores (FNM), originalmente idealizada para fabricar motores de avião. Foi o próprio presidente Getúlio Vargas que, negociando com as forças aliadas, especialmente o governo norte-americano, conseguiu recursos para a instalação da fábrica, oferecendo como contrapartida a participação direta do Brasil na guerra: a construção dos motores asseguraria uma reserva de mercado estratégica de produção fora da Europa e do Oriente.
Outro fracasso foi a tentativa de fundar uma empresa aérea em Lagoa Santa, Minas Gerais, por meio de um convênio entre o Ministério da Viação e Obras Públicas e o engenheiro aeronáutico francês René Couzinet, em 1935.
Todavia, o evento mais importante da indústria aeronáutica pré-Embraer foi a criação da Sociedade Construtora Aeronáutica Neiva, fundada pela iniciativa privada em Botucatu, na década de 1950. José Carlos Neiva montou a empresa contando com as compras governamentais e produziu alguns aviões que entraram para a história da aviação nacional: o Regente, primeira aeronave totalmente de metal produzida em escala industrial no Brasil, e o Universal, um monoplano de treinamento avançado.
Neiva, veterano de muitas lutas, sabia do desinteresse dos capitais privados pela indústria aeronáutica brasileira e da importância da demanda governamental para sustentar sua empresa: "a dependência quase total da Neiva em relação ao Ministério da Aeronáutica (para quem a quase totalidade de sua produção era vendida) acabaria, no entanto, por determinar sua absorção pela Embraer em 1980" (Cabral, 1986, p. 13).
Todas essas experiências pré-Embraer, apesar de sua importância, demonstram que as condições estruturais para o desenvolvimento do setor não estavam maduras. Para isso confluía um grupo importante de fatores: as limitações do mercado consumidor brasileiro, a dependência exclusiva da demanda governamental, o restrito desenvolvimento científico e tecnológico até a década de 1950, a intensa competição da indústria aeronáutica dos países desenvolvidos, a inexistência de infra-estrutura aeroportuária no país, a precariedade do parque metal-mecânico nacional e a capacidade financeira limitada dos empresários brasileiros.
É certo, como vimos, que a criação do Ministério da Aeronáutica e da Força Aérea Brasileira nos anos de 1940 e a montagem do ITA e do CTA na década seguinte haviam sido condições fundamentais e prévias para a possibilidade de instalação de uma indústria aeronáutica no Brasil. Nesse sentido, a história da Embraer está imbricada na história dessas instituições, formando um passado comum.
O chamado "Ministério do Ar" e a FAB, nascidos durante o Estado Novo e vinculados ao papel político hegemônico das Forças Armadas na sustentação do regime varguista, foram, como vimos, instituições centrais para a implementação de um projeto estratégico de desenvolvimento nacional, baseado na industrialização e na construção de um forte sistema de defesa nacional. A ligação estreita entre o desenvolvimentismo nacionalista da era Vargas, a criação da Aeronáutica e seus futuros desdobramentos, isto é, a indústria aeronáutica estatal, aparece claramente no depoimento do ex-ministro da Aeronáutica Nero Moura:
A Aeronáutica deve a Getúlio o seu nascimento, em 1941. Getúlio sempre gostou de viajar de avião, viajou muito, naturalmente, foi o primeiro presidente a viajar de avião por todo o país. Criou a Aeronáutica, nomeou o Salgado Filho ministro, apoiando-o sempre na sua brilhante administração, sem dúvida facilitada pela nossa aliança com os Estados Unidos e a quantidade de material que recebemos. De qualquer modo, fez o máximo pela aviação durante o Estado Novo e depois, na minha administração (1996, p. 311).
Nesse sentido, com base no que expusemos, parece claro que sem essas instituições e sem um projeto estratégico nacional não haveria condições de pôr em curso uma política setorial de longo prazo voltada para a formação de recursos humanos e para as atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, sem as quais o setor não poderia deslanchar. Os engenheiros egressos do ITA e do CTA viabilizaram a construção de uma indústria aeronáutica brasileira, dando-lhe conotações claramente nacionalistas.
No entanto, soluções nacionalistas esbarravam na limitada capacidade financeira dos empresários brasileiros e na sua aversão ao risco de investimentos vultosos e de longa maturação. Ademais, as empresas privadas nacionais, ainda incipientes, eram prisioneiras do dilema imposto pelo descompasso e pela assincronia das políticas governamentais. Uma vez que o mercado interno de aviões não era protegido contra produtores estrangeiros, essas empresas tinham no próprio governo a única fonte de demanda capaz de alavancá-las economicamente.
No final dos anos de 1960, entretanto, o parque industrial brasileiro havia amadurecido, e a indústria automobilística propiciava ampla e complexa rede de apoio que removia parcialmente o obstáculo da produção doméstica de materiais e de componentes requerida para a manufatura de aeronaves. Nesse momento, o novo salto no projeto da indústria aeronáutica brasileira passou a ser apoiado pelo regime militar de 1964, possibilitando assim as condições para a criação da Embraer. Mais uma vez, e tal como nos anos de 1940, coube a uma ditadura com forte participação dos militares tomar a decisão estratégica de criar uma indústria aeronáutica no Brasil.
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Texto recebido em 5/2/2004 e aprovado em 28/4/2004.
Maria Cecília Spina Forjaz é mestre em Sociologia e doutora em Ciência Política na Universidade de São Paulo. Publicou livros sobre o tenentismo e vários artigos em revistas de ciências sociais. É professora titular do departamento de Ciências Sociais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. E-mail: mforjaz@fgvsp.br.
1 Um dos pioneiros idealizadores dessas novas teorias militares foi o general italiano Giulio Douhet, que comandou o primeiro batalhão de aviação da Itália entre 1912 e 1915.
2 Os Estados Unidos não têm até hoje um Ministério da Aeronáutica.
3 Um exemplo marcante desse esforço foi a contratação do professor Henrich Focke e sua equipe, que transplantaram para o país conhecimentos avançados no campo aeronáutico no início da década de 1950. Posteriormente a maioria dos alemães voltou para a Europa, onde a demanda por cientistas era enorme devido à recuperação econômica que se seguiu à guerra.
4 Os alunos de engenharia, selecionados entre milhares de candidatos em todo o país, recebem uma bolsa da Aeronáutica, sendo-lhes proporcionado ensino de alto nível, alimentação e acesso a todos os recursos do instituto. No primeiro ano da escola, as moças e os rapazes freqüentam também o Curso de Preparação de Oficiais da Reserva da Aeronáutica, de forma a cumprirem as exigências do serviço militar, passando assim a integrar, como aspirantes, o quadro de engenheiros de reserva da Aeronáutica.
5 Desenvolvidos pela antiga Divisão de Aeronaves do Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento, atualmente incorporado ao Instituto de Aeronáutica e Espaço.
Bandeirante
Fonte: Inovava.unicamp
No dia 26 de outubro de 1968, em cerimônia oficial, no Centro Técnico de Aeronáutica, com a presença do Ministro da Aeronáutica, vários Ministros de Estado, de autoridades civis e militares e cerca de 15 mil pessoas, que afluíram ao Aeroporto de São José dos Campos, foi realizado o vôo oficial da aeronave Bandeirante. Uma exclamação geral elevou-se aos ares, ao serem abertas as portas do hangar X-10 para a saída e apresentação oficial da aeronave, exultando, os presentes, com o avião sendo apresentado sob vários ângulos, em suas voltas pelo pátio do hangar. O Maj. Mariotto e o Eng. Michel partem da cabeceira da pista para a realização da primeira decolagem e do primeiro vôo oficial do Bandeirante, numa inesquecível demonstração ao país da existência de condições, capacidade e competência na consolidação e progresso da indústria aeronáutica brasileira, efeito do estudo e trabalho de uma equipe de civis e militares irmanados no mesmo ideal de dar asas brasileiras ao Brasil, e o sonho sendo concretizado 20 anos após o início dos trabalhos de construção do CTA. Uma semana depois o mesmo José Mariotto Ferreira perdia a vida testando um monomotor “ Uirapuru” T-23, na mesma pista onde ficara famoso com o vôo histórico do “Bandeirante”. Foi uma dura perda para o programa, e a continuação do projeto dependeu de uma firme determinação para vencer a tristeza e o pessimismo causado pela morte do Mariotto. No dia 29 de julho de 1969, após uma seqüência de reuniões com vários Ministros, sob a liderança do Ministério da Aeronáutica, foi elaborada a primeira minuta do Decreto Lei de criação da Empresa Brasileira de Aeronáutica, uma indústria nova, destinada à fabricação seriada do Bandeirante, "Lembro da reunião em que foi decidido essa medida”, conta Ozires Silva. “O Ministro da Fazenda, Dr. Delfim Neto, propôs uma dedução de até 3% nas taxas devidas ao Imposto de Renda para todas as empresas que investissem na nova companhia. Esse incentivo, afinal, foi fixado em 1%. Na realidade, eu próprio não acreditava que depois de tanto esforço o nosso velho sonho fosse, finalmente, se transformarem realidade". Em 1973 o primeiro Bandeirante de série é entregue para a Força Aérea Brasileira. Um dos maiores êxitos da aviação civil e militar brasileiras, verdadeiro best-seller, o Bandeirante (IPD6504) partiu de um ambicioso projeto do Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD) do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) na década de 60, tornando-se o ponto de partida para o incrível sucesso de nossa indústria aeronáutica, tanto no Brasil quanto no exterior. O Bandeirante efetua missões de transporte de cargas leves e de passageiros, além de lançar pára-quedistas em missões de infiltração ou de salto livre. Sua versatilidade permite também a participação tanto em operações de busca e salvamento, quanto para aferir equipamentos dos aeroportos. O R-95, equipado com uma câmera Zeiss, executa missões de reconhecimento fotográfico e aerofotogrametria. Utilizado nas pinturas branca e camuflada, o Bandeirante é presença constante em praticamente todos os aeroportos brasileiros. O velho sonho de construir aviões bimotores no Brasil chegou aos primeiros anos da década de 1960, sem encontrar um único exemplo de sucesso. A maioria dos projetos nunca saíra da prancheta dos desenhistas. Foi em 1965, que o engenheiro francês Max Holste, de passagem no Brasil a caminho de Marrocos, recebeu o convite de Ozires Silva para o projeto de um bimotor. Na verdade, o encontro Max Holste-Ozires ocorreu num momento favorável, quando o Ministério da Aeronáutica buscava um substituto nacional para as aeronaves médias de transporte em uso nas empresas brasileiras de aviação comercial. A solução ideal seria encontrar um modelo intermediário em tamanho e performance. Esse modelo se transformaria, mais tarde, no Bandeirante. Ozires Silva diz que não foi tão difícil assim convencer Max Holste de orientar a produção de bimotores no Brasil. "Muito mais complicado foi obter os recursos para pagar seu trabalho no CTA" No início a equipe era pequena mas, com o tempo, mais e mais técnicos e engenheiros foram sendo desviados para trabalhar no bimotor misterioso que crescia num hangar, em São José dos Campos. Max Holste teve muitas oportunidades de provar seus conhecimentos, e de mostra o seu difícil gênio. “Max Holste tinha urna personalidade forte e estava acostumado a dar ordens sem ouvir contestação. Ele orientou a todos e trabalhou tanto quanto qualquer um. Mas vivia criando atritos com as decisões radicais que tomava.” Eis como Ozires Silva define o período 1965-1966 no CTA. Na realidade, a equipe do bimotor teve de enfrentar muitas dificuldades para concluir sua construção. E todos reconhecem que o apoio do brig. Paulo Victor da Silva foi importantíssima, principalmente depois que a Diretoria de Material retirou sua subvenção financeira, por notar que o projeto do avião Turbo T-6 não tinha futuro e que parte das verbas que designara para aquele estudo tinha sido usada para subvencionar o desenvolvimento de outra aeronave. Finalmente, no dia 26 de outubro de 1968, na presença de autoridades e jornalistas, abriu-se a porta do hangar do CTA. A construção do primeiro protótipo do Bandeirante praticamente significou o fim do trabalho de Max Holste. Ele formara uma equipe brasileira de alto gabarito, e orientara essa equipe na construção de uma aeronave robusta e funcional. Mas, apesar disso, continuava não acreditando nas possibilidades brasileiras de fabricar o “Bandeirante” em série. Surgiram atritos cada vez mais freqüentes. Em fins de 1 969, finalmente, Max Holste saiu do Brasil e mudou-se para o Uruguai. “O Max deixou saudade entre nós “, lembra Ozires Silva. "Mas ele simplesmente não acreditava que fôssemos capazes de levar o projeto mais além. E assim nos deixou." Apesar do êxito da Embraer, a empresa pouco tem utilizado o sistema de patentes. O presidente do INPI José Graça Aranha comenta: "''Veja o caso da Embraer. É o principal cartão postal brasileiro nas nossas exportações, uma empresa que lida com alta tecnologia que disputa com várias outras empresas de primeiro mundo no mercado americano, que é o maior mercado que existe. A Bombardier, que é a principal rival da Embraer, tem 166 patentes nos Estados Unidos. A Embraer não tem nenhuma. Isso mostra que não só as empresas brasileiras não procuram se proteger. Veja um avião. Quantas patentes a Embraer não deve ter no desenvolvimento daquela aeronave, quantos inventos? E ela não pediu uma patente, colocou isso em domínio público, qualquer um vai poder copiar peça por peça as invenções que eles desenvolveram." O primeiro vôo do EMB110 foi em Janeiro de 1968. (Vôo de ensaio). O segundo vôo foi em Outubro de1968. (Vôo de ensaio) O Modelo EMB 110 foi produzido para uma série militar, na configuração de 12 passageiros. 1º avião foi entregue para a FAB (Força Aérea Brasileira) em Janeiro de 1973. (Produzidas 57 aeronaves deste modelo). O Modelo EMB 110(C) produzido para a série civil comercial, para 15 passageiros. 1ºavião foi entregue em Abril de 1973.(Produzidas 37 aeronaves deste modelo). Modelo EMB 110(P1) Versão alongada do modelo 110 para transporte misto de carga ou 21 passageiros. (Fabricadas 191 aeronaves). 1º foi entregue em Maio de 1978. O Modelo EMB 110P1(K) Versão alongada do modelo 110 para transporte de carga e pára-quedistas para a FAB. (Fabricadas 45 unidades). 1º foi entregue em Janeiro de 1980. O EMB110 foi inicialmente projetado para transporte de passageiros, quer militar, ou civil. Tem capacidade para transportar até 18 passageiros. É equipado com motores PT6A-27, e -28. O EMB111 foi projetado exclusivamente para operações militares, para patrulhamento Oceanográfico sendo, para as Forças Áreas e Navais do Brasil e do Chile. Mais tarde fabricamos uma unidade para o Gabão. A asa deste tipo modelo é do tipo molhada, mais reforçada, e equipada com tanques sub-alares e pilones. Tem maior autonomia de operação devido ao combustível que levam os tanques sub-alares. (cerca de 800 litros). É equipado com motores PT6A-34. Ao final de 1971, ia de vento em popa a fabricação das peças e componentes para o Bandeirante, que já havia sido reprojetado para facilitar a produção seriada. O projeto foi submetido a uma melhoria aerodinâmica geral, que não apenas aumentou seu desempenho, como tornou a aeronave esteticamente mais atraente. O vôo inaugural desse novo Bandeirante foi em 9 de agosto de 1972. Designado EMB-110 ou C-95 na versão militar, apresentava novo pára-brisa, novas naceles dos motores (mais aerodinâmicas), que acomodavam por completo o trem de pouso principal, que de retrátil passava a ser escamoteável, além de uma fuselagem ligeiramente alongada capaz de acomodar até doze passageiros. Em dezembro do mesmo ano o CTA entregava à Embraer a homologação do aparelho e, em fevereiro de 1973, os três primeiros exemplares de série (C-95 2132, 2133 e 2134) eram entregues à FAB. No Mercado civil, em fevereiro de 1973, finalmente uma aeronave foi comercializada. O sempre visionário e audaz empresário Omar Fontana colocou uma encomenda de 6 unidades para a sua Transbrasil. Ao assinar os papéis, A Transbrasil tornou-se a primeira de muitas companhias aéreas no país e no exterior a encomendar uma aeronave 100% projetada e construída no Brasil. Isso só se tornou possível porque a FAB concordou em adiar o recebimento de parte dos aviões que havia encomendado, abrindo espaço na linha de produção para atender os pedidos do mercado civil. Os Bandeirante entregues à Transbrasil eram todos da versão E M B-110C, basicamente similares aos recebidos pela FAB, exceto por poderem transportar 15 passageiros em vez de apenas 11. O primeiro vôo comercial de um Bandeirante da Transbrasil ocorreu em 16 de abril de 1973. Foi um marco na história da aviação comercial brasileira: pela primeira vez um avião projetado e fabricado no país voava regularmente numa companhia aérea brasileira. Em 4 de novembro de 1973, a Vasp seguia os passos da Transbrasil e tornava-se a segunda empresa aérea brasileira a colocar em serviço o Bandeirante. A primeira unidade de 10 encomendadas entrou em serviço na Vasp, na data dos 40 anos de sua fundação. Dois anos depois, uma portaria do DAC daria o empurrão definitivo para o Bandeirante no mercado interno: em novembro de 1975, foi criado o Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional (SITAR), que "recomendava" a utilização da aeronave nacional nas linhas regionais de alimentação. O modelo então foi comprado por todas as regionais, sem exceção. Com o advento da era do jato no Brasil, no início dos anos 60, e como resultado do maior custo operacional desses aparelhos, da inexistência da infra-estrutura adequada para a operação, além de baixa demanda, boa parte das cerca de 400 localidades no interior do país anteriormente servidas pela aviação regular foram deixadas sem nenhum serviço aéreo. O sistema SITAR foi criado exatamente para suprir a demanda de transporte aéreo nessas localidades. O SITAR dividia o país em cinco regiões distintas, servidas por empresas aéreas regionais especificamente formadas: a Votec, (centro-oeste); Rio-Sul (sul); a TAM Transportes Aéreos Regionais, empresa resultante da associação Táxi Aéreo Marília com a Vasp, que lhe transferiu seus aviões Bandeirante (centro-sul); a Nordeste Linhas Aéreas Regionais, resultado de fusão da Transbrasil e do Governo do Estado da Bahia (nordeste); e finalmente a TABA, Transportes Aéreos da Bacia Amazônica, (região norte). Nos anos que seguiram a criação do SITAR, as empresas que operam o sistema adquiriram nada menos que 53 Bandeirante. A popularidade do Bandeirante atravessou fronteiras e fez com ele permanecesse em produção contínua por praticamente dezoito anos, durante os quais foram fabricados e entregues 500 exemplares a clientes civis e militares em 36 países. Várias novas versões foram desenvolvidas tanto para os mercados civis como para os militares. Neste último, talvez o mais notável seja o EMB-111 "Bandeirulha", desenvolvido para patrulhamento e ataque marítimo e ainda em uso pela FAB. O Bandeirante acabou se transformando numa das aeronaves mais vendidas na sua categoria, além de ter sido um dos que mais contribuiu no desenvolvimento do transporte aéreo regional no mundo. O Bandeirante foi o avião que colocou a Embraer no cenário mundial de aviação e fez dela uma empresa de renome internacional. O fim de sua produção marcou também o fim de um ciclo para Embraer. Não é por acaso que, além de ser a maior empresa exportadora do país (vendas de US$ 2,897 bilhões em 2001), a Embraer é também a segunda maior importadora (compras equivalentes a US$ 1,843 bilhão no ano passado) e quarta maior fabricantes de aeronaves no mundo. Em termos de importação, a empresa fica atrás apenas da Petrobras, com o petróleo. O mercado externo responde por 98% do faturamento. A internacionalização começou na década de 80, quando o EMB-120, o Brasília, um turboélice para 30 passageiros, se tornou o primeiro avião da Embraer a entrar diretamente em operação comercial no exterior, em 1985, antes de ser entregue a uma companhia nacional. A partir da segunda metade dos anos 90, a empresa colocou no mercado uma linha de pequenos jatos destinada à aviação regional. Das mais de 600 unidades vendidas do ERJ-145 (jato para 50 lugares), apenas 15 voam no país. Essa capacidade em projetar e montar aviões a preços competitivos é, certamente, um dos motivos do sucesso da Embraer, que faz dela a quarta maior indústria de aviões comerciais do mundo, atrás apenas da norte-americana Boeing, da européia Airbus e da Bombardier. O desenvolvimento de uma indústria aeronáutica verdadeiramente brasileira aconteceu no longínquo ano de 1945, por atuação direta do Ministério da Aeronáutica. Naquele ano foi criado o Centro Tecnológico de Aeronáutica (CTA) e sua escola de engenharia, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), baseados em São José dos Campos, quase a meio caminho entre as duas maiores cidades e mercados do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro. Com planejamento tipicamente militar, os dois órgãos seriam respectivamente o construtor de aeronaves e o construtor dos profissionais por detrás delas: o ITA nascia com a missão de formar a base de talentos sobre a qual o CTA iria se capacitar para vôos mais altos. Outro passo importante foi a criação, 1954, do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD), subordinado ao CTA, que seria responsável por desenvolver projetos e experimentos no campo da aeronáutica. As próximas décadas seriam dedicadas a projetos sem expressão comercial, mas que foram importantes para afiar os profissionais e os processos. Idéias com o um convertiplano, um projeto bastante avançado para a época, ou o helicóptero Beija-Flor, serviram de laboratório de ensaios para o que a indústria aeroespacial brasileira um dia viria a ser. Com o golpe militar em 1964, Governo e nossas Forças Armadas se tornaram uma entidade só. E com esse respaldo político de peso, um grupo de técnicos civis e militares, liderados pelo então major-aviador Ozires Silva, começou a trabalhar no desenvolvimento de um bimotor turbohélice. O ano era 1965, e a missão dessa nova aeronave de oito lugares era realizar transporte leve para a Força Aérea Brasileira. Esse grupo, formado em sua maioria por engenheiros aeronáuticos formados pelo ITA, era liderado por um estrangeiro, o francês Max Holste, criador do Nord 262. Sua breve passagem no Brasil foi decisiva para acessorar a equipe que desenvolvia o novo avião, designado provisoriamente de IPD/PAR 6504: era um monoplano de asa baixa, totalmente metálico, provido de um trem de pouso triciclo retrátil, dois motores Pratt & Whitney Canada PT-6A e peso máximo de decolagem de 4.500 kg. A construção de dois protótipos foi iniciada em 1966. Foram três anos de muito trabalho e de problemas aparentemente insuperáveis, mas prevaleceu a garra à inexperiência, a vontade de ferro ao desconhecimento. Afinal, a pátria de Santos Dumont precisava mesmo ter sua própria indústria aeroespacial. Na manhã de 22 de outubro de 1968, o valente avião decoou pela primeira vez. Os céus ganhavam um Bandeirante pilotado pelo major Mariotto Ferreira e pelo engenheiro Michel Cury, que mais tarde viria a ser diretor comercial da Embraer. O vôo deu o impulso que faltava para o abnegado time. Em última análise, foi nesse dia que, ao meno no espírito desses homens, nasceu a Embraer. Mas se o grupo estava empolgado, o mesmo não podia ser dito dos empresários de nossa aviação e da cadeia de fornecedores necessários para produzir o avião. A idéia de uma indústria aeroespacial brasileira era por demais avançada, mesmo nos "anos ufanos" da década de 70. Os esforços de Ozires e equipe para convencer os industriais brasileiros não obtinham sucesso. Sem desanimar, Ozires finalmente conseguiu encontrar a saída. O plano de Ozires era simples e lógico: seria criada uma empresa de capital misto, com aportes do governo, que colocaria 10 milhões de dólares e manteria o controle acionário com 51% das ações. O restante seria investido pela iniciativa privada, através de um programa de incentivo fiscal que permitia às empresas interessadas deduzir 1% do imposto de renda devido à União para investir em ações da nova companhia. Em 19 de agosto de 1969, o decreto-lei nº 770 criava a Embraer - Empresa Brasileira de Aeronáutica, nome sugerido pelo engenheiro Antônio Garcia da Silveira. A Embraer passou a ocupar um terreno de 2,5 milhões de metros quadrados, próximo ao aeroporto de São José dos Campos. Na prática, a Embraer começou a operar em janeiro de 1970, tendo como efetivo um grupo de 150 profissionais contratados dentre as cerca de 300 pessoas que faziam parte da equipe que havia projetado o Bandeirante no CTA. Entre eles, é claro, o próprio Ozires Silva, diretor-superintendente da nova empresa. Muitos outros que hoje ocupam cargos de diretores ou gerentes na Embraer, também pertenciam àquele grupo. Uma ausência foi a do francês Max Holste, que mudou-se para o Uruguai pois não acreditava que aquela equipe pudesse colocar um único Bandeirante em produção. Holste só errou por 500 unidades. O Ministério da Aeronáutica fez sua parte, ao encomendar 80 Bandeirante e 112 jatos de treinamento MB-326, que seriam fabricados sob licença da italiana Aermacchi, e conhecidos por EMB-326GB Xavante. Além disso, o Ministério da Aeronáutica decidiu também transferir dois programas em andamento para a Embraer. O primeiro deles era um planador de alto desempenho, o Urupema, cujo o primeiro vôo havia sido realizado em janeiro de 1968. O outro, um avião agrícola, o Ipanema, que estava sendo desenvolvido com verbas fornecidas pelo Ministério da Agricultura. Esses programas garantiriam a sobrevivência da companhia por alguns anos, até que ela tivesse capacidade de voar com as próprias asas. 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