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O horror inesperado


Fonte: Revista Veja

Atentados simultâneos com carros-bomba atingem
embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia

O cenário provocado por um carro-bomba é uma das piores criações do engenho humano. A explosão, o deslocamento de ar, o desmoronamento do prédio visado, os cacos de vidro transformados em armas letais, os corpos estraçalhados por essa conjunção maligna de fatores, tudo isso aconteceu em segundos, às 10h35 de sexta-feira, quando o primeiro carro-bomba pôs abaixo um prédio de quatro andares e reduziu a ruínas o edifício da Embaixada dos Estados Unidos em Nairóbi, a capital do Quênia. O atentado, numa hora de grande movimento na avenida Hailé Salassié, no centro da cidade, resultou em carnificina em grande escala. As estimativas iniciais eram de 100 mortos (pelo menos nove deles americanos) e mais de 1.000 feridos. A explosão estilhaçou todas as vidraças da embaixada brasileira e feriu de leve três funcionários. Qualquer dúvida sobre o alvo do ataque se dissolveu dez minutos mais tarde, quando outro carro-bomba atingiu a embaixada americana em Dar Es Salaam, na vizinha Tanzânia, com nove mortos e 72 feridos. Os explosivos, colocados no estacionamento da embaixada situada num bairro afastado, destruíram a maior parte do prédio e atingiram as representações vizinhas da França e da Alemanha. O estrago na Tanzânia, contudo, parece pequeno diante da tragédia em Nairóbi.


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Embaixadas Americana na Tanzânia

O prédio que desabou, ao lado da embaixada, abrigava a sede de uma cooperativa, uma agência bancária, escritórios comerciais e repartições do governo. Carcaças carbonizadas de ônibus e carros se misturavam aos escombros que soterraram a maioria das vítimas. Com coletes à prova de bala sobre trajes civis, capacete e fuzil na mão, fuzileiros navais americanos corriam de um lado para outro, tentando evitar que o resgate das vítimas quenianas interferisse na busca de corpos de vítimas americanas na área da embaixada. As portas blindadas da embaixada, arrancadas pela força da explosão, foram transformadas em macas. Numa das entradas do prédio, bombeiros procuravam no meio do entulho pedaços de quinze cadáveres mutilados. Embrulhados em lençóis, os cadáveres eram lançados, um sobre o outro, na traseira de caminhonetes. Para os feridos, o inferno continuava nos hospitais, sem estrutura para receber tanta gente. A embaixadora americana no Quênia, Prudence Bushnell, que estava no prédio ao lado, escapou com um corte nos lábios.

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Suspeitos de sempre — A rigor, todas as embaixadas americanas são pequenas fortalezas preparadas para o pior. O ataque, contudo, ocorreu no lugar mais inesperado. Não há, nem no Quênia nem na Tanzânia, tradição de militância ou violência terrorista antiamericana. Ambos os países, no entanto, estão perigosamente perto de vizinhos conturbados pela militância islâmica radical — cujos membros são os primeiros suspeitos em casos assim. O Quênia fica ao lado do Sudão, cujo governo fundamentalista abrigou por muitos anos o célebre terrorista Illich Ramírez Sánchez, ou Carlos, o Chacal, e é insistentemente acusado de financiar o radicalismo muçulmano. A Argélia e o Egito, ensangüentados por rebeliões fundamentalistas, também não estão longe. O líbio Muamar Kadafi, o arquiinimigo dos Estados Unidos, também opera nas proximidades, ainda que conste ter abandonado o patrocínio de terroristas.

Quem, entre os inúmeros inimigos da superpotência americana, atacou na África? Até a noite de sexta-feira não havia reivindicações de autoria, mas suspeitava-se, um tanto por falta de alternativa melhor, de uma organização terrorista egípcia que tinha feito ameaças aos Estados Unidos uma semana antes. O pronunciamento da Jihad Islâmica, uma sucessora tardia do grupo que assassinou o presidente Anuar Sadat na década de 80, devia-se à prisão de um de seus líderes na Albânia, com ajuda de forças da Otan. Depois de interrogado por militares americanos, ele foi deportado em junho para o Egito e condenado à morte.

Os atentados terroristas realizados fora de seu contexto geográfico, entretanto, são sempre um desafio para os investigadores. Não foi complicado identificar a origem dos atentados cometidos contra o quartel-general dos fuzileiros navais (241 mortos) e a embaixada americana (63 mortos) em Beirute, em 1983. Os Estados Unidos estavam lá como força de paz, mas tinham tomado partido no emaranhado de ódios da guerra civil libanesa e conseqüências trágicas, como a reação dos radicais xiitas, eram previsíveis. Menos clara é a origem do caminhão-bomba que devastou os alojamentos militares americanos em Khobar, perto da cidade saudita de Dhahran, em 1996. Os soldados estavam lá para defender o reino de seus inimigos iraquianos. Uma teoria é que foram pegos como o alvo mais fácil numa disputa entre o regime saudita e facções islâmicas ultra-ortodoxas, irritadas com a presença de infiéis no solo onde nasceu o profeta Maomé.

Recado dado — O ato de violência política ligado a uma causa bem identificada e provida de certa racionalidade é, de modo geral, fácil de entender. Do ponto de vista dos irlandeses do Sinn Fein, por exemplo, os ataques de seu braço armado, o IRA, até o recente acordo de paz eram parte de uma guerra legítima contra a Inglaterra, vista como força estrangeira de ocupação. Pode-se classificar como terrorista toda a atrocidade contra civis — mas isso também é amplo demais para uma definição. Essas questões, contudo, parecem ter ficado bizantinas com a substituição do terrorismo clássico, ideológico e bem localizado territorialmente por uma nova forma, errática e letal, ligada quase sempre a razões indecifráveis. O que mais assusta em atentados como o de Nairóbi e o de Dar Es Salaam é a obscura motivação de seus autores, dispostos a atacar implacavelmente um alvo escolhido por critérios tão misteriosos que só podem ser entendidos no círculo íntimo dos iniciados.

Talvez os responsáveis considerem que o recado foi dado e nem mesmo assumam a autoria, como ocorreu com os atentados anti-semitas com quase 100 mortos em Buenos Aires no início da década. O objetivo do terrorismo dos anos 90 é quase sempre o próprio terror. Não se pretende libertar a Palestina ou obter a independência do País Basco — só provocar um ato de ira quase divina. Foi o que ocorreu em Oklahoma, nos Estados Unidos, em 1995, num atentado inteiramente doméstico, cometido por um americano convencido de que o governo do país está dominado por perversos traidores. Uma causa obscura, um inimigo escolhido a dedo e uma enorme carnificina de inocentes.