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Os mercadores da morte no Oriente

O livro “Blackwater” mostra quem são os homens que têm licença para matar no Iraque e não podem ser processados e explica qual as suas ligações com o governo dos EUA


GUSTAVO BRIGATTI - Zero Hora

Mercenários são, por definição, soldados de aluguel. Gente que luta por uma causa que não a sua em troca de remuneração. Sem ideologia, moral ou regras. E existem desde que existem as guerras, antes mesmo da concepção moderna de dinheiro. Mas nunca foram tão importantes e fortes como agora, a ponto de redefinirem a maneira como as próprias guerras acontecem. E ainda ameaçar a noção de democracia dos EUA.

Quem faz o alerta é o jornalista Jeremy Scahill, autor de Blackwater - A Ascensão do Exército Mercenário mais Poderoso do Mundo (Companhia das Letras, 552 páginas, R$ 52). O extenso e meticuloso trabalho do norte-americano desconstrói a teia de relações políticas, familiares, militares e principalmente religiosas que fez de Erik Prince, o jovem herdeiro de um império de bugigangas para automóveis, o proprietário do maior contingente militar particular da história moderna.

Não que Prince seja o grande personagem da narrativa, que começa com o massacre de 17 civis iraquianos em Bagdá em setembro do ano passado. O ex-seal da Marinha dos EUA é apenas o rostinho bem barbeado por detrás de uma companhia que se beneficia das ligações privilegiadas de seus membros para faturar milhões de dólares em contratos com a Casa Branca. Levar, assim, a guerra de George W. Bush onde ela não poderia ir ostentando a bandeira de listras e estrelas.

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Desde o Egito dos faraós, mercenários têm sido usados por dois motivos básicos, que ficam claros no livro de Scahill. Primeiro, o baixo custo político. Travar uma guerra é sempre desgastante para a imagem de um país e seus mandatários no exterior, e piora internamente quando os jovens de suas fileiras começam a tombar.

Com exércitos de aluguel, as baixas não são contabilizadas, evitando piquetes de viúvas e mães desconsoladas em frente à prédios públicos. Também é quase impossível responsabilizar um país pelos abusos que uma empresa privada – mesmo que contratada por ele – cometa contra civis inocentes.

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No caso específico da Guerra do Iraque, os próprios EUA se encarregaram de imunizar seus mercenários. Um dia antes de deixar o país, entregando supostamente a soberania deste as autoridades iraquianas, o embaixador Paul Bremer emitiu um decreto que impede processos judiciais contra servidores contratados pelos Estados Unidos. Até hoje, nenhum deles, incluindo os responsáveis pelo massacre de setembro em Bagdá, foram punidos de qualquer maneira. O máximo que acontece são cancelamento de contrato e repatriação dos suspeitos.

O segundo motivo é o baixo custo financeiro. Por um preço fixo, empresas de segurança privada como a Blackwater fazem desde o transporte de utensílios de cozinha até proteção com armamento pesado de prédios governamentais. Além de escoltarem autoridades diplomáticas na zona de guerra – sua principal serventia nos atuais conflitos no Oriente Médio. O grande porém é que este último mote teve sua lógica sensivelmente alterada depois da invasão ao Iraque em 2003.

A busca por Sadam Hussein era tudo o que a Blackwater precisava para saltar de um mero estande de tiro fundado em 1997 para um exército de 2,5 mil soldados sediado num quartel general de 3 mil hectares. Seus principais líderes hoje são ex-espiões internacionais do serviço secreto norte-americano, com um passado de reputação duvidosa e acesso aos alto escalões governamentais pela porta dos fundos.

A empresa, segundo Scahill, tem hoje meio bilhão de dólares em contratos com o governo norte-americano para atuar não somente no Iraque e outras zonas de guerra estrangeiras, mas também em solo americano.

Uma semana depois da passagem do furacão Katrina, que devastou Nova Orleans, por exemplo, o governo Bush fechou contratos de mais de US$ 70 milhões com a Blackwater – quando tudo o que as vítimas do desastre precisavam era de comida e água. A empresa também treina os guardas que patrulham a fronteira com o México.

No Iraque, a Blackwater possui aproximadamente mil homens, vindos de todas as partes do mundo. Incluindo ex-oficiais chilenos que participaram ativamente dos grupos de extermínio do general Augusto Pinochet durante o período de ditadura militar no Chile, colombianos treinados pelos EUA para lutar contra narcotraficantes e guerrilheiros hondurenhos.

Com isso, a expansão não apenas da Blackwater, mas de outras companhias militares privadas, levanta uma questão tão antiga e pertinente quanto a própria origem dos mercenários. A quem eles devem sua lealdade? Erik Prince e seus comandados, alinhados ideológica e politicamente com os Estados Unidos de George W. Bush, juram fidelidade a seu país-sede. Mas apenas talvez por ele ser seu maior contratante e, sem medo de errar, dependente crônico de seu serviços.

Não que a confortável situação em que se encontra a Blackwater e outros mercadores da morte no Iraque possa ser alterada de maneira considerável. O candidato republicano John McCain já avisou que, se ganhar as eleições presidenciais em outubro, a guerra no Iraque poderá durar “até uma centena de anos”, garantindo assim a aposentadoria dos filhos de Erik Prince. O democrata Barack Obama, mesmo não nutrindo simpatia pela farra dos contratados no Oriente Médio – e tendo inclusive tentado regulamentar a situação jurídica dos mercenários para que pudessem ser punidos – sabe que pouco pode fazer.