Cresce pressão por "novo comando" global
Alemanha propõe nova gerência mundial, incluindo Brasil; autoridades vêem falhas na forma como planeta é governado
Fonte: UOL - CLÓVIS ROSSI ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Especialistas em comércio e finanças afirmam que os organismos internacionais não estão preparados para encarar crises como a atual
O governo alemão, pela palavra de seu ministro de Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, propôs ontem uma reforma ampla na maneira como o mundo é gerenciado financeiramente, incluindo o Brasil na nova direção.
"Necessitamos de um grupo financeiro mundial, um G8 ampliado, para tratar de um novo ordenamento das relações financeiras globais", disse Steinmeier à revista "Der Spiegel".
Esse novo G8 incluiria, segundo o ministro, "potências econômicas emergentes como Brasil, Índia e China, com os mesmos direitos e obrigações, e talvez algum país árabe".
A proposta de Steinmeier dá caráter concreto a uma enxurrada de avaliações de que fracassou a maneira de gerir a economia mundial.
O primeiro a pedir nova gerência foi Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial e ex-chefe do comércio internacional americano, o que lhe conferiu papel relevante nas negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio.
O Banco Mundial e a OMC são dois dos três pés em que está assentada a governança global na área econômica.
Diz Zoellick que é preciso criar "uma nova moldura multilateral". Completa: "A crise global mostrou que os líderes mundiais precisam adotar um enfoque mais flexível e inclusivo para gerenciar a economia".
O G7, o clubão dos sete países mais ricos do mundo, "não está funcionando", fecha Zoellick. "Precisamos de um grupo melhor para um tempo diferente."
Passe-se agora ao terceiro pé da governança global, o Fundo Monetário Internacional. "Está claro que a comunidade internacional precisa trabalhar conjuntamente para fechar os muitos buracos na arquitetura regulatória global que permitiu às instituições financeiras minimizar seu capital ao mesmo tempo em que concentravam riscos", diz Dominique Strauss-Kahn, seu diretor-gerente.
Visto do lado de fora do mundo oficial, "o grande problema para essas instituições é que algumas delas estão se tornando irrelevantes", disse Anne-Marie Slaughter, reitora da Universidade Princeton.
Mesmo entre autoridades, há crescente reconhecimento não da irrelevância, mas das carências institucionais. "Não estamos suficientemente preparados para enfrentar crises de entidades supranacionais", admite Joaquín Almunia, comissário europeu de Economia, referindo-se à coordenação na Europa, justamente o continente que construiu, até agora, o mais amplo e bem-sucedido modelo de instituição supranacional (a União Européia e seus 27 países, 15 deles com moeda única).
Mesmo o chefe de Almunia, José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Européia, reconhece que "não foi satisfatório o nível de cooperação entre os 27 países da UE".
De novo, quem está fora do mundo oficial é bem mais crítico. Caso de Ángel Ubide, colunista do jornal "El País, para quem "o escasso olfato político de Paulson [Hank Paulson, secretário americano do Tesouro], a miopia do Congresso dos EUA e o penoso espetáculo europeu, com anúncios, contra-anúncios e recriminações, criaram uma perigosíssima sensação de vazio de poder".
Quem já teve funções de governo e hoje está afastado da política, mas ativo na análise do mundo, resume a situação em uma única frase: "O problema é que temos poderes locais e problemas globais", afirma Felipe González, que passou 12 anos como presidente do governo espanhol e aparece sempre na lista de possíveis futuros dirigentes dessas instituições.
Se é fácil resumir o problema, infinitamente mais difícil é estabelecer como será a nova gerência global, se é que acabará mesmo por se impor após a crise ter produzido seus efeitos.
A única proposta concreta é a de ampliar o G7. Mesmo assim, nada indica que será uma solução, posto que, como o FMI e o Banco Mundial, o G7 mostrou-se irrelevante na crise.
Em grande medida, a culpa é dos Estados Unidos, pelo menos na visão de Adam Posen, vice-diretor do Instituto Peterson para a Economia Internacional, de Washington.
Sua análise é muito mais política e cultural do que propriamente econômico-financeira. "O que me preocupa é que os EUA perderam a liderança intelectual ou de estabelecedores de modelo na economia global. Em grande parte, merecemos perdê-la porque ficamos frouxos com nossa regulação e supervisão, fomos demasiado arrogantes com os outros, e pouco fizemos para submeter nossas próprias políticas às instituições internacionais."
Não está claro, no entanto, quem tem poder para substituir os EUA ou dividir com ele a liderança. Há quem insinue a China ou mais amplamente os países emergentes. Caso de Jean-Pierre Petit, economista-chefe do banco francês BNP Paribas, em entrevista ao jornal "Le Monde": "Os países emergentes, a China à frente, são os grandes ganhadores da década. Assiste-se a uma transferência de poder econômico, financeiro e político e até de tecnologia [para esses países]".
Mas essa é uma visão só economicista. Liderança intelectual e política é algo imensamente maior. Por enquanto, prevalece a "sensação de vazio de poder" citada pelo colunista Ángel Ubide. Que, por sua vez, é um dos principais componentes do pânico que domina os mercados.
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