Expansão comercial e diplomática enfrenta resistência de países vizinhos
Fonte: Estadão João Paulo Charleaux
De abril de 2006, quando o presidente boliviano, Evo Morales, expulsou a mineradora brasileira EBX, até a semana passada, foram pelo menos dez impasses que revelam sinais de fumaça na vizinhança.
Os casos vão de ameaças a agricultores brasiguaios na região central do Paraguai a ocupações militares de instalações da Petrobrás, como a ocorrida em maio de 2006, na Bolívia, ou a expulsão de quatro representantes da Odebrecht no Equador, em setembro.
Analistas ouvidos pelo Estado em todos os países envolvidos nesses casos são unânimes em afirmar que o clima, para o Brasil, mudou e as tensões comerciais, se não forem bem administradas, podem contaminar a política e a segurança da região.
Para Marcelo Coutinho, coordenador executivo do Observatório Político Sul-Americano da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, há "uma tradição dos movimentos populares e sociais latino-americanos muito forte de contestação das empresas multinacionais em geral". Segundo ele, "o que ocorre é que as empresas brasileiras são agora as empresas multinacionais nestes países e, por mais que sejam brasileiras, elas são empresas estrangeiras".
Dos 13 países da América do Sul, 8 têm presença da Petrobrás e da Norberto Odebrecht. Três contam com obras da Queiroz Galvão. A Petrobrás responde sozinha por 25% de toda arrecadação fiscal e por 18% do PIB da Bolívia. No Paraguai, calcula-se que entre 400 mil a 600 mil brasiguaios - brasileiros que compraram terras no país ao longo de 40 anos - estariam no alvo de manifestações violentas de camponeses sem-terra que romperam esta semana uma trégua de 15 dias com o governo, ameaçando os proprietários brasileiros.
"Em geral, há uma percepção amigável sobre o Brasil. Apesar disso, há uma enorme onda nacionalista, o que não exclui as empresas brasileiras", disse ao Estado o economista boliviano Gonzalo Chávez, da Universidade Católica de La Paz .
Segundo ele, a resposta brasileira a esses ataques tem sido dividida, o que causa confusão nas relações regionais. "Por um lado, as empresas têm pressa em ganhar e não querem perder dinheiro de seus investidores. Depois, há o Itamaraty, que responde de forma sempre institucional, dura. Por último, há a diplomacia do presidente Lula e do Marco Aurélio Garcia (assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais), que usam a sintonia política e ideológica para se comunicar com os vizinhos", disse Chávez.
No fim de semana, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, percorreu os 2,5 mil quilômetros de fronteira com Paraguai, Argentina e Uruguai, onde militares brasileiros realizam exercícios, provocando incômodo no governo paraguaio. Jobim disse que "a voz diplomática é mais forte se tiver atrás de si a capacidade dissuasória das Forças Armadas".
Fonte: Terra AZUL Por Carlos Tautz*
É difícil imaginar que a política externa brasileira seja equiparada ao expansionismo dos Estados Unidos e da Inglaterra, que ao longo dos séculos impuseram a sua vontade e até mesmo presença física a outros povos e países. Mas a ação de empresas brasileiras na América do Sul e a declarada intenção de o governo brasileiro liderar um bloco econômico regional estão levando organizações da sociedade civil e povos vizinhos, especialmente indígenas equatorianos(as), a reclamar contra o que chamam "imperialismo" brasileiro.
Empreiteiras privadas brasileiras, como a Odebrecht, e estatais do porte da Petrobras e do BNDEs têm demonstrado voracidade por financiar, construir e explorar megaprojetos em países sul-americanos. Esses projetos ocupariam espaços de grande ocorrência de recursos naturais, em sistemas ecológicos sensíveis, e com evidente importância geopolítica. O argumento, aparentemente nobre, é a necessidade de integrar a América do Sul.
Empreiteiras brasileiras têm se aproveitado de legislações ambientais menos restritivas e da evidente assimetria de escala entre as economias do Brasil e a de seus vizinhos para brigar pela primazia de tocar grandes projetos de infra-estrutura. Objetivam, assim, manter em funcionamento velhos e manjadíssimos esquemas de viabilização financeira de grandes obras que trazem à memória o engenheirismo do Brasil Grande, quando projetos faraônicos eram desenvolvidos a despeito do desejo da sociedade, concentravam renda e ajudavam a transformar a América Latina no continente mais desigual do planeta.
Ainda não é adequado classificar essa atuação de imperialismo, porque denotaria a existência de uma vontade de se sobrepor aos demais para garantir interesses próprios. Em verdade, o que se verifica é a ganância das empresas brasileiras, motivadas por um aparente excesso de liquidez interna.
Iirsa em foco
O que chamam imperialismo brasileiro é verificado fortemente na implantação da Iniciativa para Integração da Infra-Estrutura da Região Sul-Americana (Iirsa), que planeja normatizar as leis dos países envolvidos para facilitar o escoamento, principalmente, de bens primários e construir mais de 300 rodovias, pontes, hidrelétricas, gasodutos e outras obras, com custo de mais de US$ 50 bilhões ao longo de uma década.
Coordenada e financiada parcialmente pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tem recebido várias intenções de financiamento do BNDEs. O banco brasileiro quer aplicar na Iirsa parte do seu fabuloso orçamento de R$ 60 bilhões, quantia 10% maior do que o do Banco Mundial.
Quando se olha com mais atenção os projetos propostos pela Iirsa, encontram-se casos estranhos. O maior deles é o complexo de hidrelétricas que Furnas e a Odebrecht pretendem construir no Rio Madeira, em Rondônia, na fronteira com a Bolívia. O objetivo é produzir 11 mil MW, cerca de 15% do consumo atual de eletricidade no Brasil. Até o momento, não revelaram aonde encontrarão compradores de tamanho bloco de energia, uma vez que o Brasil, após o quase apagão de 2001, modernizou várias linhas de produção e reduziu drasticamente seu consumo. Hoje, necessita de muito menos eletricidade do que em 2000.
Alvo da reclamação de grupos indígenas é a planejada exploração de petróleo que a Petrobras deseja fazer no parque equatoriano Yasuní, aplicando padrões ambientais mais permissivos do que os nossos e aproveitando a volúpia do governo local por receber o capital brasileiro. Também naquele país, o BNDEs já anunciou e depois recuou, temporariamente, da intenção de financiar a construção de um aeroporto apresentado como ponto de apoio para o trânsito de turistas. Coincidentemente, também seria adequado ao transporte de material bélico em região convulsionada pelas tropas dos EUA, que desenvolvem no país vizinho seu Plano Colômbia.
O governo brasileiro aparentemente acredita que a Iirsa é o único caminho para concretizar a Comunidade Sul-Americana de Nações, idéia da equipe do presidente Lula para jogar uma cortina de fumaça sobre as negociações da Alca que os EUA querem retomar na Cúpula das Américas, a ser realizada em Mar del Plata, na Argentina, em novembro. Mas erra de maneira brutal. Procura alcançar o objetivo da integração sem o mínimo debate público, o que poderia lhe abrir os olhos para a seqüência de erros que vem cometendo.
*Jornalista e pesquisador do Ibase
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