Ozires Silva
Entrevista concedida à reporter Angela Ferreira
Fonte: Gazeta Mercantil
Uma das maiores sumidades do Brasil em aviação, Ozires Silva, em entrevista exclusiva ao InvestNews, comenta os rumos da aviação nacional e o lançamento de seu livro sobre a Embraer "Nas Asas da Educação - A trajetória da Embraer", lançado este mês pela Editora Campus-Elsevier.
Formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Ozires Silva destaca-se pela contribuição dada ao desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira. Esteve à frente da equipe que projetou e construiu o avião Bandeirante. Em 1970, liderou a fundação da Embraer, referência mundial na fabricação de aeronaves, e deu início à produção industrial de aviões no Brasil. Presidiu a Embraer entre 1970 e 1986, retornando à empresa em 1992 para conduzir o processo de privatização da empresa. Foi também presidente da Petrobrás e da Varig e ministro da Infra-estrutura.
InvestNews – Como surgiu a idéia de escrever um livro sobre a Embraer?
Ozires Silva – Escrevi a história da Embraer em 1998 e a lancei na comemoração dos 30 anos do primeiro vôo do Bandeirante. O livro foi publicado por uma pequena editora que fechou. Na época, não consegui uma editora grande que se interessasse por ele. Após o fechamento da editora, recebi os direitos de comercialização e comecei a procurar uma editora maior para reimprimir o livro que já estava em falta nas livrarias.
InvestNews – Foi assim, então, que o senhor procurou a editora Campus-Elsvier, que já havia editado um outro livro seu, o "Cartas a um jovem empreendedor"?
Ozires Silva – Isso mesmo. Mas a Campus não quis republicá-lo e me pediu um livro mais completo. A história da Embraer daquela época até hoje. Comecei a pensar e percebi que a Embraer é uma criação do ITA. E, então, resolvi que o livro deveria falar sobre educação e mostrar que o trabalho da Embraer é o resultado de um projeto educacional bem feito pela força aérea.
InvestNews –A principal preocupação do livro é informar sobre a educação no Brasil?
Ozires Silva – Sim. O capítulo I fala sobre as idéias que levaram ao ITA e à Embraer, enfatizando a importância da educação para o desenvolvimento do país. O propósito do livro foi exatamente esse: demonstrar como a educação pode construir a riqueza nacional. A educação tem que ser prioridade. Não prioridade governamental, mas uma propriedade na cabeça de cada um. A maior preocupação dos pais é preparar os filhos para as lutas que vão enfrentar na vida e para serem vencedores.
InvestNews – O senhor fala muito em educação e em empreendedorismo, acha que as duas coisas estão ligadas?
Ozires Silva – Claro. O empreendedor tem que ser competente. No início do livro, comento a incrível influência que a educação exerce sobre a transformação. A educação transforma organizações, instituições e a nós mesmos. Tendemos a transferir a responsabilidade para o governo quando ela pertence a cada um de nós. A própria Embraer tem hoje uma universidade corporativa. Os empregados da Embraer, por exemplo, só entram para trabalhar no chão de fábrica da empresa depois de enfrentar um ano de treinamento.
InvestNews – O senhor daria algum conselho aos empreendedores do Brasil?
Ozires Silva – O Brasil é hostil com relação aos empreendimentos. O empresário é malvisto pela população. O empreendedor não acredita que o lucro de sua empresa é justo. O trabalhador aqui no País é endeusado. Há até uma CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) para proteger o trabalhador contra a ganância do empreendedor. Os empregos dependem do empreendedor. Sem empreendedor não há emprego. No livro, procuro explorar tais aspectos, mostrando que o empreendimento nasce da capacidade de inovar e da capacidade de a pessoa acreditar.
InvestNews – O senhor é muito ligado à Embraer. Acredito que é uma história de paixão. Como o senhor vê a empresa hoje?
Ozires Silva – O sonho de fabricar avião no Brasil começou em 1910. Mas, na realidade, as fabricações não deram certo porque os pioneiros - gente de muito valor -, cometeram um erro fundamental. Procuraram fazer aviões semelhantes aos que os americanos e os franceses faziam. Dessa forma, não conseguiam ganhar a competição porque os países da Europa e dos Estados Unidos tinham um ambiente mais favorável ao empreendedor. E é interessante como essa percepção não passa pela cabeça da população brasileira nem das autoridades governamentais. Criar mecanismos de estímulos e promover esse tipo de ação poderia ajudar muito na evolução do País. Mecanismos que levassem ao sucesso do empreendedor. Mas como a cultura não era essa, as fábricas acabavam fechando.
InvestNews – Como contornar essa situação? Temos a cultura da necessidade de um amparo. Vemos empresas fechando a todo instante ainda no primeiro ano de existência. Qual é a alternativa para fugir disso?
Ozires Silva – É preciso trabalhar muito para mudar essa cultura e entender que sem empreendedor não há empregado e sem empreendimento não há emprego.
Esse ciclo vicioso fez com que o Brasil perdesse a capacidade de competir lá fora.
As manchetes do jornal de hoje dizem que o Brasil caminha para US$ 21 bilhões de déficit na balança comercial. Por quê? Porque não conseguimos competir com os novos países emergentes, principalmente a China. Eles estão ganhando dinheiro naquilo que nós estamos perdendo. E, estamos perdendo dinheiro justamente por causa dessa política hostil. É preciso uma mudança cultural. Ensinar o povo a fazer seu próprio emprego e emprego para os outros. O Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, é incrível. Lá, todos têm que ter sua própria empresa, ninguém quer emprego. É o Estado mais rico dos EUA porque se trabalha com objetivo de estimular o empreendedor, o empreendimento e o sucesso. A tributação é inteligente e estimula os investimentos em educação. As doações não são tributadas como aqui Brasil. Onde já se viu uma doação ser tributada?
InvestNews – Na sua visão, são essas as atitudes que deveriam ser implementadas para melhorar o empreendedorismo?
Ozires Silva – A lista é enorme, mas a cultura é o ponto de partida. Muda-se a forma de pensar. Foi o que a FAB (Força Aérea Brasileira) fez em 1945 quando um grupo de oficiais enfiou disse: “Só vamos fabricar avião depois de formar engenheiros”.
InvestNews – A afirmação é o começo do livro. Correto?
Ozires Silva – Exatamente. A partir deste momento eles começaram a lutar pela criação do ITA. Conseguiram o apoio da FAB que investiu e criou o instituto que começou a formar engenheiros e com eles vieram idéias diferentes de como fabricar avião.
InvestNews – Somos conhecidos como um dos maiores fabricantes de aviões do mundo, contudo temos as brigas com a Bombardier...
Ozires Silva – Não, a Bombardier já foi deslocada. Perdeu a briga. A Embraer hoje vende mais avião do que a Bombardier.
InvestNews – E como fica a questão do subsídio do governo, motivo pelo qual a Bombardier sempre acusa a Embraer?
Ozires Silva – Mas esta é a tônica americana. Os americanos quando não conseguem competir com alguém dizem que esses concorrentes estão subsidiando. É o que estão fazendo com a China agora. Estão dizendo que a China só conseguiu esse destaque porque subsidia. Isso é argumento típico dos americanos. Temos que parar de acreditar nos americanos. Precisamos começar a acreditar mais nos brasileiros.
InvestNews – É possível mudar isso?
Ozires Silva – Se quisermos que nossos filhos morem em um país melhor, isso tem que mudar.
InvestNews – Qual a saída para um Brasil melhor? Esse caminho que o governo tem traçado em favor do etanol pode ser um dos caminhos?
Ozires Silva – O etanol pode ser um combustível de transição porque o motor do carro vai ser fatalmente substituído.
Ozires Silva – A aviação brasileira hoje está muito mal gerenciada pelo governo. O mundo está crescendo e a aviação também cresce no mundo todo. No ano passado, a IATA reportou que 2/3 da população da Inglaterra voou em linhas da empresa. Cerca de dois bilhões de pessoas. Aqui no Brasil, a demanda cresce e o governo segura essa demanda.
InvestNews – Como o senhor vê o caos na aviação comercial do Brasil?
Ozires Silva – Mal, mal, mal.
InvestNews – Qual a saída?
Ozires Silva – Deixar a aviação funcionar e reconhecer que é necessário ter uma aviação. Veja o caso dos automóveis. Começaram a vender muitos automóveis e o governo já está estudando uma forma de proibir venda de automóvel. É horrível não poder crescer e se desenvolver.
InvestNews – Tirar das forças armadas o controle do tráfego aéreo é uma questão que deve ser discutida?
Ozires Silva – É algo a ser bem pensado porque há a obrigação constitucional de proteção de serviço do tráfego aéreo, de proteção ao vôo que envolve a área militar e a área civil. De acordo com a nossa constituição, essa área não é privatizável. Por outro lado, temos os aeroportos. Por que o governo sentou em cima do problema aeroportuário? São Paulo é uma das maiores cidades do mundo, do tamanho de Nova York e de Pequim. Essas cidades têm dezenas de aeroportos e São Paulo tem apenas dois. E porque não se pode construir mais? Porque o governo não deixa. Insiste em dizer que o próprio governo tem que construir. E, apesar de uma tributação alta, diz que não tem dinheiro para construir mais aeroportos. Não fazem. E, nós passageiros, ficamos disputando espaço no aeroporto No ano passado, o governo decretou o encolhimento de Congonhas por ser perigoso. Eles não sabem o que é um aeroporto perigoso. Por que eles não vão a Gibraltar ver o que é aeroporto perigoso? Como o governo goza de uma grande credibilidade perante a população, tudo o que falam a população acredita. Hoje existe ineficiência do sistema governamental. Não entendo por que o governo está monopolizando os aeroportos e coloca os problemas todos nas mãos da Infraero.
InvestNewes – Como evitar o caos nos aeroportos?
Ozires Silva – É preciso descentralizar. Construir mais aeroportos. Acho que São Paulo precisa de, pelo menos, mais dois aeroportos. Por exemplo, o de Campinas, poderia ser utilizado como porta de entrada para o interior. São José dos Campos poderia ser um aeroporto muito bom para o Vale do Paraíba. Na base aérea de Santos poderia estar um excelente aeroporto para a Baixada santista. Mas nada é feito.
InvestNews - E qual a solução?
Ozires Silva – O governo sair da frente.
InvestNews – Tirar do setor público e passar para o setor privado?
Ozires Silva – É claro! Veja o que aconteceu em São Paulo com as rodovias. As ferrovias continuam nas mãos do governo. Como elas estão? Já se falou em trem bala, supersônico etc. Há quantos anos se ouve falar disso e nada acontece? Veja o rodoanel de São Paulo que começou a ser construído em 1998 e está previsto para terminar em 2018. Nestes primeiros dez anos, os chineses fizeram seis rodoanéis em torno de Pequim e o Brasil ainda está tentando terminar o primeiro.
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