O novo plano de defesa do Brasil
Prioridades incluem a fabricação de porta-aviões, base naval na Amazônia e privilégios à indústria bélica nacional

Hugo Marques - Fonte: Isto É

Demorou, mas a Estratégia Nacional de Defesa vai finalmente sair do papel. O presidente Lula avisou aos ministros que até o fim deste mês assina o decreto que cria o plano militar. A minuta do decreto, à qual ISTOÉ teve acesso com exclusividade, mostra que a nova política do governo para as Forças Armadas é ousada. Como grande guinada no modelo em vigor, o projeto prevê a fabricação de porta aviões não-convencionais, de função múltipla e de menor porte, além de uma base naval na Amazônia e outra para submarinos nucleares. A prioridade é assegurar a soberania do mar territorial e da Bacia Amazônica. Entre outros artefatos, ganham destaque também os veículos não-tripulados de vigilância e combate (Vant), caças supersônicos, submarinos nucleares, mísseis, radares e bombas inteligentes.

Trata-se de um projeto de desenvolvimento para reorganizar as três Forças Armadas e reconstruir a indústria bélica nacional. Fora as 98 páginas do decreto, o governo está redigindo cerca de 20 projetos de lei e medidas provisórias para viabilizar a ambiciosa Estratégia de Defesa. Os custos ainda não foram calculados, mas fala-se em dezenas de bilhões de dólares, que o governo se apressa em justificar. “É aflitivo ter que escolher entre mais hospitais, mais escolas e mais transferências sociais de um lado e mais defesa do outro lado”, diz o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger. “Mas nada é mais caro no mundo que a independência nacional.”

A reorganização da indústria de defesa se dará a partir de um regime especial para as empresas que fabricam artefatos militares. Elas ficarão livres das amarras da Lei de Licitações e dos contingenciamentos de verbas do Orçamento da União. Em contrapartida, o Estado ganha participação especial no capital dessas empresas, na forma de golden share. Estas empresas, monitoradas pelo Estado, ficarão encarregadas de fabricar, entre outros, equipamentos de guerra eletrônica e artefatos individuais para o “combatente do futuro”.

Além de garantir os investimentos, quer atrair a inteligência civil para fazer um “complexo militar-universitárioempresarial”, elo entre pesquisa e produção de materiais bélicos. Para isso, vai aumentar “decisivamente” o número de bolsistas em cursos de doutorado e pós-doutorado no Exterior, nos principais centros de pesquisa do mundo.

O pacote de compra de caças, submarinos e helicópteros que será fechado até janeiro é a fórmula para importar tecnologia e deslanchar a indústria nacional. Os submarinos e helicópteros virão da França. A minuta de decreto diz que uma das alternativas é comprar em escala mínima caças de “quinta geração”, com transferência integral de tecnologia, inclusive os códigos-fonte do avião, para que uma empresa nacional comece a produzir o modelo importado. Além dos aviões de combate da FAB, a Marinha vai desenvolver um avião de vigilância, defesa e ataque para seus futuros “navios-aeródromos”, de função múltipla, que serão preferidos aos porta-aviões tradicionais e de dedicação exclusiva.

O governo incluiu no contexto da defesa nacional o desenvolvimento da energia nuclear. A minuta de decreto diz que o País não aderirá ao protocolo adicional do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). A decisão põe fim à polêmica desencadeada anos atrás, quando a Associação Internacional de Energia Atômica (Aiea) fez pressões veladas para que o governo brasileiro assinasse o protocolo, destinado a ampliar as restrições e a organizar um regime de inspeções “invasivas” ao País. O projeto também prevê a aceleração da prospecção e o aproveitamento das jazidas de urânio, a construção de novas usinas nucleares, o uso da energia nuclear em “amplo espectro de atividades” e a nacionalização completa do ciclo do combustível. “Isso ocorrerá em pouco tempo”, garante o ministro Mangabeira Unger. Está prevista, também, a construção de submarinos nucleares e de reatores nucleares “para uso exclusivo do Brasil”. Segundo o plano, Exército, Marinha e Aeronáutica irão operar em rede, em ligação com o monitoramento da superfície da terra e do mar, “conduzido a partir do espaço”. Os detalhes estão em anexos sigilosos do projeto. Será criado o “Estado- Maior Conjunto das Forças Armadas”, para operação unificada. As tropas terrestres e os quartéis, hoje concentrados no Sul e no Leste, serão redistribuídos para Oeste e Norte. Há uma atenção especial do governo quanto à proteção da faixa do litoral entre Santos (SP) e Vitória (ES), onde estão os grandes centros urbanos e as reservas de petróleo do pré-sal. A nova base naval da Marinha ficará na foz do rio Amazonas e será do tamanho da Base do Rio, para expandir o poderio para o interior do País, aumentando sua presença nas bacias fluviais do Amazonas e Paraná-Paraguai. As barragens de hidrovias a serem construídas terão eclusas para assegurar a passagem de navios.



ENTREVISTA-Plano de defesa enfrenta resistências, diz Unger

Da Reuters - Por Raymond Colitt - Via G1

Integrantes das Forças Armadas se opõem à intenção do governo de revisar o plano de defesa estratégica e adotar critérios estritos para a aquisição de armas, afirmou o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, nesta terça-feira.

O governo brasileiro deveria ter divulgado dois meses atrás um documento traçando as linhas gerais de uma mudança nas prioridades do setor de defesa, que passariam da fronteira sul para a porosa fronteira amazônica, para os novos campos de petróleo marítimo e para o imenso espaço aéreo brasileiro.

Mas críticos e uma suposta falta de apoio ao projeto provocaram atrasos. "Recebemos várias críticas e sugestões. Para ser franco, muitas delas implicam diluir o plano de defesa nacional porque essa é uma proposta muito forte", afirmou Mangabeira Unger, que é co-autor do plano, em entrevista à Reuters.

A proposta de converter todo o Exército em uma força de mobilização rápida para que possa responder prontamente as ameaças à segurança nacional foi duramente criticada, disse o ministro.

"Isso seria ambíguo demais, caro demais e difícil de realizar -- tecnicamente ou culturalmente; nós não precisaríamos disso porque não somos ameaçados por ninguém", afirmou o ministro, um ex-professor de direito na Universidade de Harvard.

Outro problema envolvendo a elaboração de um plano do tipo é a falta de especialistas civis em defesa no Brasil capazes de aconselhar o governo, disse Mangabeira Unger.

O plano sugerido prevê a aquisição de armas que satisfaçam estritamente às necessidades da área de defesa e não projetos de poderio internacional, como ocorreu nas décadas recentes.

A resistência dos militares a tais propostas diminuiu, mas ainda continua a existir, segundo o ministro.

"Ninguém quer ser transformado. Quando a liderança civil propõe uma reforma em suas fileiras, eles (militares) se fecham, eles fecham as portas", disse.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encarregou Mangabeira Unger de obter mais opiniões e apoio para o plano. Na terceira semana de novembro, o documento deve ser analisado pelo Conselho Nacional de Defesa, formado por líderes do Congresso, pelos comandantes da três Forças Armadas e por ministros do governo.

Mangabeira Unger tem esperanças de que o plano seja em grande medida preservado.

"Eu não acredito que o efeito cumulativo dessas sugestões seja o de enfraquecer o plano de defesa nacional."

O documento determina que o Brasil desenvolva seu próprio setor armamentista por meio de incentivos fiscais e de encomendas do poder público.

A França, segundo Unger, seria o país mais bem qualificado para transferir a tecnologia de que o Brasil precisa.

"Nós avançamos muito com a França", disse o ministro, acrescentando que os EUA já tinham cometido erros nesse assunto e que a Rússia não possuía experiência de transferir tecnologia.