O PRIMEIRO VÔO MOTORIZADO DOS IRMÃOS WRIGHT (1903)
Trecho do livro "Conexão Wright-Santos-Dumont", de Salvador Nogueira, cedido pela Editora Record com exclusividade para o G1
O vento soprava forte, vindo do norte, e voluntários locais ajudaram os irmãos a preparar o Flyer, já devidamente reparado, para a segunda tentativa de vôo motorizado. Os trilhos foram colocados e a máquina, aprontada. Quando o anemômetro marcou ventos de mais de vinte milhas, Orville partiu para o posto de operador. Wilbur, por sua vez, assumiu a posição ao lado direito da máquina. Dessa vez eles haviam se posicionado num terreno praticamente plano.
Dez e trinta e cinco da manhã, o motor é ligado e a máquina avança de forma semelhante à que se vira três dias antes. Wilbur acompanha o aparelho, que dessa vez se desprega do trilho muito mais depressa. O Flyer parecia um cavalo indomado, reagindo bruscamente aos comandos de Orville. Subiu subitamente cerca de dez pés. Quando o piloto tentou interromper a subida, o aeroplano mergulhou. A máquina pousou cerca de cem pés* além do final do trilho de decolagem, após um vôo de aproximadamente 12 segundos. Sem praticamente nenhum dano, dessa vez um pouso suave e – quase – controlado. Orville estava satisfeito, mas comentou com o irmão que o leme horizontal parecia mais arredio do que nos planadores.
Após pequenos reparos ao leme frontal, levaram a máquina de volta ao ponto de partida, para novo vôo. Dessa vez era Wilbur no controle. Ele partiu da mesma maneira, por volta das 11h, e realizou um vôo muito similar, oscilando entre os movimentos para cima e para baixo no ar. Enquanto os pilotos se acostumavam aos humores do Flyer, aumentavam a distância percorrida. Dessa vez, foram cerca de 175 pés, com um vento um pouco mais fraco.
A terceira tentativa veio quase imediatamente depois, faltando vinte minutos para o meio-dia. Orville subiu a bordo e conduziu a máquina a uma distância similar. Embora tenha sido afligido por um forte vento lateral, a uma altura de cerca de 14 pés, o sistema de torção de asa funcionou perfeitamente – ainda melhor que nos planadores de anos anteriores – e rapidamente endireitou o aeroplano, permitindo a continuação do teste.
Ao meio-dia, Wilbur faria o quarto teste da máquina. Começou como das vezes anteriores, oscilando para cima e para baixo de maneira frenética. Mas o Flyer começava a se render. Depois de cerca de quatrocentos pés, o aeroplano já tomava um rumo mais firme, até encontrar uma pequena colina na areia de Kill Devil Hills. Então a máquina ascendeu e em seguida mergulhou no solo. O leme frontal foi seriamente atingido. Mas então Wilbur já havia percorrido 852 pés, num vôo de 59 segundos. Para os irmãos a conclusão era clara: uma ambição humana ancestral acabava de ser dominada por dois fabricantes de bicicletas de Dayton, Ohio.
Entusiasmados, mas querendo mais, os dois desprenderam o leme frontal da máquina e então a transportaram de volta ao acampamento, deixando-a do lado de fora, próxima à construção que haviam erigido. Os dois discutiam os resultados do último e sensacional vôo de Wilbur quando uma rajada de vento atingiu de súbito o Flyer, erguendo-o e fazendo-o girar sobre si mesmo, sem controle. Todos os presentes correram para salvar a máquina, que acabou ainda mais danificada. Com o acidente, estava efetivamente declarado o fim da temporada de experimentos. Um evento incômodo, sem dúvida, por mais de uma razão. O vento era tão forte em Kitty Hawk que nem mesmo um motor, ou um piloto, fora necessário para erguer o aeroplano do chão. Estava mesmo solucionado o problema do vôo de uma máquina mais pesada que o ar?
Um telegrama para o bispo Milton Wright, enviado pela dupla de inventores ao final daquele dia, não deixava transparecer muitas dúvidas.
176 C KA CS 33 Pago. Via Norfolk Va
Kitty Hawk N C Dez 17
Bispo M Wright
7 Hawthorn St
Sucesso quatro vôos quinta de manhã todos contra vento de vinte uma milhas iniciados do plano só com força do motor velocidade média pelo ar trinta uma milhas mais longo 57 segundos informe imprensa casa xxxx Natal. Orevelle Wright 525 P
Milton, que já havia algum tempo se ocupava da divulgação de informações para a imprensa a respeito dos experimentos dos filhos em Kitty Hawk, seguiu à risca as instruções do telegrama, contatando o pessoal do jornal local, o Dayton News. No dia seguinte, enquanto Wilbur e Orville se preparavam para retornar para caso a tempo das festas de Natal, o bispo mostrava orgulhoso o diário, que publicou não só uma reportagem sobre os experimentos, descrevendo o fato de que diziam respeito a aeroplanos, não balões, como também apresentou desenhos dos rostos de seus filhos. O título não era menos elogioso:
RAPAZES DE DAYTON IMITAM O GRANDE SANTOS-DUMONT
* 1 pé mede cerca de 30,5 centímetros
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