A sedução atômica de Sarkozy

50 helicópteros, cinco submarinos e – é claro – Carla Bruni são o saldo positivo da visita do presidente francês ao Brasil

Nelito Fernandes e Murilo Ramos - Revista Época
Antonio Scorza e Gerard Cerles
O BÉLICOE A BELA
No encontro no Rio, Lula e Sarkozy (à esq.) acertaram um acordo militar e de transferência de tecnologia. Enquanto isso, a primeira-dama Carla Bruni foi recebida por Camila Pitanga (à dir.) em um banco de leite materno. Os olhos azuis observaram tudo atentamente

Numa declaração famosa, Carla Bruni disse que se casou com o presidente da França, Nicolas Sarkozy, porque se sentiu atraída por um homem com “poderes atômicos”. A frase se prestava a interpretações múltiplas, mas era uma alusão aos códigos secretos de acesso ao arsenal nuclear da França, um dos maiores do mundo, guardados por Sarkozy. Na semana passada, o alvo da sedução atômica de Sarkozy foi o Brasil. Tendo ao lado sua maior arma, a beleza explosiva de Carla Bruni, Sarkozy passou dois dias em visita oficial ao Rio de Janeiro. Os olhos azuis cintilantes de Carla Bruni magnetizaram as atenções por onde passaram, mas o foco principal da visita foi militar e relacionado ao arsenal nuclear comandado pelo marido, Sarkozy. Na bagagem, Sarkozy trouxe um acordo, assinado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo qual a França vai desenvolver com o Brasil 50 helicópteros para uso das Forças Armadas brasileiras, que serão fabricados pela Helibrás, em Itajubá, no interior de Minas Gerais, e cinco submarinos, quatro convencionais e um de propulsão nuclear.

Só o projeto dos helicópteros prevê recursos de mais de R$ 6 bilhões e deverá gerar mais de 5 mil empregos diretos e indiretos, mas o ponto mais sensível e importante do acordo entre Brasil e França se refere ao desenvolvimento do submarino nuclear – um objetivo perseguido pelo país desde 1979, quando a Marinha iniciou um programa atômico paralelo. Nesses 30 anos, o Brasil conseguiu dominar a tecnologia nuclear, mas não em escala industrial, e o projeto do submarino nuclear foi colocado várias vezes em estado de hibernação por falta de dinheiro. Na nova Estratégia Nacional de Defesa, lançada há uma semana no Palácio do Planalto pelo presidente Lula, a posse de uma frota de submarinos nucleares, para proteger as águas territoriais e as plataformas de exploração de petróleo em alto-mar, voltou a ser considerada uma questão estratégica. O objetivo da Marinha é concluir o primeiro submarino nuclear até 2020.

O acordo assinado no Rio só foi possível porque os franceses concordaram em ceder às exigências do Brasil de transferência de tecnologia. Um dos objetivos traçados na Estratégia Nacional de Defesa é tornar o Brasil menos dependente da compra de equipamentos militares de outros países, tentar desenvolver tecnologia própria e reorganizar a indústria bélica nacional. Pelo acordo, a França fornecerá a parte de estrutura e de informática de um submarino Scorpène, fabricado pela empresa francesa DNCS-Thales. A partir dele, a Marinha brasileira construirá o submarino nuclear.

Brasil e França vão desenvolver helicópteros militares em uma fábrica em Minas Gerais

“Até existem equipamentos melhores no mercado internacional, mas eles não vêm com tecnologia. É muito mais vantajoso comprar da forma como o Brasil está comprando agora, porque é conhecimento que fica no país e pode ser base para desenvolver produtos nacionais de qualidade para o futuro”, afirma Geraldo Cavagnari, professor do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Universidade de Campinas (Unicamp). A mesma exigência de transferência de tecnologia deverá guiar a escolha do país que vai fornecer 36 novos aviões de combate da Força Aérea Brasileira (FAB) – um contrato estimado em US$ 2,5 bilhões, no qual os franceses estão altamente interessados. Com o Rafale, um avião de combate da Dassault, a França concorre contra a Suécia, sede da Saab, fabricante do Grippen, e os Estados Unidos, fornecedores do F-18, fabricado pela Boeing. É possível que o vencedor do contrato seja anunciado em 2009.


Mychele Daniau
A ARMA
Um submarino Scorpène no Porto de Charbourg, na França. A partir de um modelo dele, fornecido pelos franceses, o Brasil construirá seu submarino nuclear

A Estratégia Nacional de Defesa tem a pretensão de alçar o Brasil à condição de potência militar regional, mas traçar esse objetivo ambicioso só se tornou possível também porque o país virou um ator importante no cenário internacional graças a avanços institucionais, políticos e econômicos nos últimos anos – reconhecidos por Sarkozy durante sua visita. “Precisamos do Brasil para a governança mundial. Precisamos do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU”, disse Sarkozy. “Quem pode imaginar, hoje, resolver os problemas do mundo sem o Brasil?” Elogios para agradar aos anfitriões são mais do que comuns nos encontros diplomáticos, mas a afirmação de Sarkozy soou sincera. Como atual presidente do G-20, o grupo que reúne os 20 países com as economias mais ricas ou emergentes do mundo, o Brasil virou um país importante no enfrentamento da crise econômica global. Durante a visita de Sarkozy, Brasil e União Européia firmaram uma parceria estratégica e decidiram defender uma posição conjunta a favor da reforma do sistema financeiro mundial na próxima reunião do G-20, em abril.

Enquanto Sarkozy fechava acordos militares com um Brasil emergente no cenário geopolítico, a bela Carla Bruni cumpriu, no Rio, uma agenda que parecia ter sido concebida segundo o velho chavão do Brasil como terra de contrastes. Carla Bruni fez programas tão díspares como participar de um almoço para 30 seletos convidados numa cobertura de frente para o mar na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, e visitar um banco de leite e uma favela da zona sul carioca. Entre os pobres, teve de dividir as atenções com a atriz Camila Pitanga e a modelo Luiza Brunet. Madrinha do projeto do banco de leite do Instituto Fernandes Figueira, Camila atraiu os flashes das máquinas digitais dos funcionários, durante a passagem de Carla Bruni pelo lugar. Luiza Brunet apareceu durante a visita da primeira-dama da França à favela do Morro Pavão-Pavãozinho, onde Carla conheceu o projeto Criança Esperança e assistiu a um desfile da Moda Fusion, uma ONG franco-brasileira que desenvolve talentos em ateliês nas favelas. Uma bateria mirim tocou parabéns pelo aniversário de 41 anos de Carla Bruni, que pegou crianças no colo e plantou uma muda de pau-brasil.

Em um encontro social, a cantora Carla Bruni entrou no coro de “Primavera” com Carlos Lyra

Entre os ricos, Carla reinou. Ela foi a estrela de um almoço organizado pela socialite Betty Lagardère, brasileira que vive em Paris, mas mantém um apartamento de cobertura no Rio. Carla ganhou um violão, CDs e DVDs de bossa nova de Betty, que fez uma maquiagem no apartamento em obras para receber a convidada. Betty diz que disfarçou os buracos na parede com flores e plantas. Entre os convidados estavam a atriz Marília Pêra e os cantores Francis Hime, Carlos Lyra e Toni Garrido. Durante o almoço, a cantora Carla arriscou entrar no corinho que seguia Carlos Lyra enquanto ele cantava “Primavera”. Tanto ela quanto Sarkozy podem dizer que voltam à França com bons negócios e boas lembranças do Brasil.


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Acordo com a França faz Lula falar em 'potência militar'

Fonte: AE - Agencia Estado

Ao cimentar a parceria "privilegiada" entre Brasil e França na área da Defesa, com a assinatura de dois acordos que podem somar US$ 8,3 bilhões, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou seu objetivo de fazer do País uma potência militar - ao menos em termos regionais. Em discurso ao final da assinatura desses compromissos bilaterais, ao lado do presidente da França, Nicolas Sarkozy, Lula disse que a capacidade militar é a condição "inexorável" para que um país "se transforme em uma potência e seja respeitado no mundo inteiro".

"É preciso que o Brasil assuma a grandeza que Deus lhe deu quando criou o mundo e que os nossos diplomatas nos deram quando fizeram a divisão do espaço geográfico, no século passado", afirmou Lula. "É preciso que a gente tenha clareza de que dar importância às Forças Armadas significa dotar o Brasil de conhecimento tecnológico. É exatamente isso que a França oferece ao Brasil."

Lula deixou claro que o ambicionado poderio militar brasileiro não terá vocação para o ataque. Didático, demonstrou a necessidade de defesa de um "País que tem a coragem e a capacidade de dizer "não" e que conta com a Amazônia, com reservas de petróleo na sua plataforma continental, com 8 mil quilômetros de costa marítima e com boa parte da água doce do mundo. Conforme destacou, um país como esse "não pode prescindir de estar altamente preparado" para a defesa.

"Um Brasil poderoso será um elemento de estabilidade no mundo", afirmou Sarkozy. "Queremos que o Brasil possa ascender à governança mundial, queremos que a liderança do presidente Lula seja compreendida, assim como a nossa mensagem em favor da refundação do sistema financeiro global", acrescentou.


FotoS: BeNoit teSSieR

Brasil compra da França helicópteros e submarinos

Acordo prevê aquisição de 50 aeronaves e parceria entre os dois países.

Fonte: Estadão

Enviada especial da BBC Brasil ao Rio de Janeiro - O governo brasileiro assinou com a França, nesta terça-feira, acordos que prevêem a aquisição de 50 helicópteros e cinco submarinos, a serem construídos em parceria com empresas e a Marinha brasileiras.


Os acordos fazem parte do plano do governo brasileiro de modernizar as Forças Armadas, seguindo a Estratégia Nacional de Defesa, lançada na última quinta-feira. Segundo o Palácio do Planalto, a França foi escolhida por permitir que o conhecimento tecnológico seja transferido para a indústria local.

O negócio foi estimado em R$ 28 bilhões (8,6 bilhões de euros) para um período que deve passar de duas décadas. Esse número foi apurado por correspondentes franceses com supostas fontes do governo francês, mas não foi confirmado pelo governo brasileiro. Segundo o ministro da Defesa Nelson Jobim, apenas o valor da compra dos helicópteros, de R$ 5,9 bilhões (1,8 bilhão de euros), está confirmado.

Do valor total, ainda segundo as fontes citadas pela imprensa francesa, a maior parte do dinheiro, cerca de R$ 19,8 bilhões (6 bilhões de euros) iria para empresas francesas e o restante, para empresas brasileiras que devem trabalhar em conjunto com os franceses, especialmente na construção dos submarinos.



'Brasil forte'

Esse é o segundo grande contrato no setor de Defesa assinado pelo Brasil em menos de um mês. No final de novembro, durante a visita do presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, o governo oficializou a compra de 12 helicópteros produzidos naquele país.

Segundo o ministro da Defesa brasileiro, outros três acordos estão em estudo com a França. Além da licitação para compra de novos caças, da qual a França é uma das concorrentes, o governo brasileiro estuda a possibilidade de desenvolver projetos conjuntos para treinamento de tropas brasileiras e monitoramento do território brasileiro.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o Brasil "precisa assumir sua grandeza" e que precisa investir em sua capacidade militar. "Não pensando em atacar, mas em se defender", disse.

"Um Brasil poderoso será elemento de estabilidade para o mundo", disse o presidente da França, Nicolas Sarkozy.

Jobim disse que a frota de helicópteros deverá ficar pronta no segundo semestre de 2010. A montagem será feita em Minas Gerais, na fábrica da Helibras, empresa subsidiária da francesa Eurocopter.

A França também vai auxiliar a Marinha brasileira na construção de quatro submarinos convencionais e um quinto, movido a energia nuclear. Também foi assinado um acordo para a construção de um estaleiro e de uma base navais, que deverá ficar pronto em quatro anos. A entrega do primeiro submarino está prevista para daqui a 20 anos.

"A tecnologia nuclear está totalmente dominada. Agora vamos completar nosso programa nuclear com um reator, que será produzido especificamente para o submarino", disse o almirante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto.

De acordo com Neto, o planejamento da Marinha para o monitoramento da costa brasileira exige 12 submarinos convencionais. "Já temos cinco e estamos adquirindo mais quatro, somando nove. No pacote atual, quatro já é um número razoável", disse.

Imigração

Além de questões relacionadas à defesa, os dois presidentes também discutiram a questão de imigração. Sarkozy disse que a Europa "continua aberta" aos imigrantes e que o continente é o "mais aberto do mundo".

A resposta foi dada a uma jornalista francesa, que questionou o pacto assinado em outubro, entre os países do bloco. Conhecido como Imigração Seletiva, o acordo prevê maior restrição à entrada de imigrantes que não se enquadrarem a determinadas condições.

"Queremos receber mais estudantes, cientistas, chefes de empresa. O que não concordamos é com as redes que exploram a miséria no mundo", disse o presidente francês, logo após a cerimônia para assinatura de acordos bilaterais com o Brasil, no Rio de Janeiro.

Ele disse, no entanto, que a imigração é "um assunto sensível em qualquer lugar do mundo", e que conversou "longamente" com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o tema.

Sarkozy disse que a União Européia tem características que exigem uma política de imigração mais específica. O presidente referia-se ao fato de o bloco permitir o livre acesso entre 27 países.

"Quem recebe esse imigrante o recebe em outros países. A pessoa pode passar livremente de um país a outro", disse o líder francês.

O presidente Lula disse que, durante reunião ontem com Sarkozy e com o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, reivindicou a criação de um "diálogo de alto nível" entre Brasil e União Européia, para resolver possíveis problemas relativos a imigração.

"Tivemos problemas com a Espanha e resolvemos", disse o presidente brasileiro.

Segundo Lula, "é necessário que se compreenda que o tema tem dimensões políticas diferenciadas, dependendo do país e do momento". Para o presidente brasileiro, a questão ganha dimensão maior em época de crise econômica.

"Como se trata do direito de ir e vir, dos direitos humanos, o importante é que a gente não perca de vista a necessidade de manter um diálogo de alto nível, para resolver os problemas caso a caso".



Entenda os acordos assinados entre Brasil e França

Fonte: Denise Chrispim Marin - enviada especial de O Estado de S.Paulo - Via Estadão

A visita oficial do presidente da França, Nicolas Sarkozy, resultou na assinatura de sete documentos ao Brasil, resumidos abaixo:

1. Plano de Ação: guia e base jurídica da parceria estratégica. Prevê a conjugação de esforços para a reforma da governança internacional, a criação de um grupo de trabalho nas áreas econômico-comercial, a parceria "privilegiada" na área de defesa, a aproximação de posições nas discussões sobre mudança do clima e a cooperação sobre a biodiversidade amazônica.

2. Submarinos: em acordo e contrato, foi cimentada a aquisição de quatro submarinos convencionais Scorpène pelo Brasil, com transferência de tecnologia, e o apoio da França à concepção e construção da parte não-nuclear do submarino atômico brasileiro. Prevê a construção, no Brasil, de um estaleiro e de uma base navais e de outras instalações.

3. Helicópteros: contrato de compra de 50 helicópteros militares da Eurocoptere France, que serão montados pela Helibrás, empresa de capital francês, em Itajubá (MG). O custo da operação é de 1,899 bilhão de euros (US$ 2,646 bilhões).

4. Ouro: acordo para o combate à exploração ilegal de ouro na faixa de 150 quilômetros dos dois lados da fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. Prevê ações conjuntas na prevenção e repressão da extração ilegal de ouro, assim como a adoção de leis específicas pelos dois países.

5. Biodiversidade: protocolo para a criação de um Centro Franco-Brasileiro de Biodiversidade Amazônica. O centro será um núcleo de pesquisa dos dois países, voltado para a execução de projetos científicos conjuntos e a formação de profissionais.

6. Bioma Amazônico: cooperação para o desenvolvimento sustentável do bioma amazônico, dos dois lados da fronteira Brasil-Guiana Francesa. Prevê uma avaliação dos recursos naturais, a partir do uso de sensoriamento remoto, a promoção do manejo sustentável da floresta e a formulação de um inventário da fauna e flora da Amazônia.

7. Ensino profissional: cooperação bilateral para a melhoria do ensino profissional em ambos os países, a partir da troca de experiências.