Atitude discreta é maior destaque de ação brasileira

Para especialistas, Brasil acerta ao tratar a ajuda na missão como questão técnica, ao contrário da Venezuela

Por Ruth Costas - Estado de São Paulo - Via NOTIMP FAB

Discreta, a participação do Brasil nas operações de resgate dos reféns das Farc contribui para reforçar a imagem do País como um ator pragmático e sério no cenário político regional, segundo especialistas consultados pelo Estado.

"Diferentemente da Venezuela no ano passado, o Brasil deu a ação um enfoque técnico, não político - uma opção adequada já que o conflito com as Farc é um tema bastante delicado na Colômbia e o objetivo da operação é estritamente humanitário", diz José Augusto Guilhon Albuquerque, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP.

A diferença em relação à participação venezuelana é marcante. No início de 2008, Hugo Chávez fez do resgate de seis reféns da guerrilha um verdadeiro show. Antes da operação, ele mesmo explicou, passo a passo, como ela seria concretizada numa entrevista coletiva divulgada em rede nacional. Também convocou representantes internacionais de sete países para que dessem aval ao processo. Para terminar, ainda sugeriu que a Colômbia e os países da região dessem às Farc o status de "grupo beligerante", o que enfureceu o presidente colombiano, Álvaro Uribe, e abalou as relações bilaterais.

Cumprindo os termos acordados com Bogotá, o Brasil limitou-se e enviar militares e helicópteros para a Colômbia, fornecendo a logística para a libertação. A única autoridade brasileira que se pronunciou sobre a ação até agora foi o embaixador em Bogotá, Valdemar Carneiro Leão, numa tímida entrevista coletiva na sede do Poder Executivo colombiano.

"É claro que a política sempre importa. A proximidade do (assessor especial da Presidência) Marco Aurélio Garcia com líderes de esquerda, por exemplo, deve ter contribuído para ganhar a confiança das Farc", diz José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e ex-embaixador do Brasil na Argentina. "Mas os contatos políticos feitos pelo Brasil sempre foram muito discretos."

Para o especialista em política externa Amado Luiz Cervo, professor do Instituto Rio Branco (o centro brasileiro de formação de diplomatas), ações como essa ou como a participação na missão de paz no haiti ajudam a consolidar o Brasil como um líder regional. "O Brasil tem apostado na moderação e na mediação - em ser um país com um grande potencial, mas que não pretende usar esse potencial para impor-se sobre os vizinhos", diz Cervo. "Isso pode ser objeto de algumas críticas, mas também agrada a muita gente."




Cruz Vermelha elogia Brasil e diz que Uribe vetou Chávez

HUDSON CORRÊA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA - Folha de São Paulo

Para o CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha), o Brasil soube "ser discreto e neutro" na missão que retirou das selva reféns libertados pelas Farc (Forças armadas Revolucionárias da Colômbia), na semana passada. Segundo a entidade, o país entrou na operação após veto de Bogotá à participação da Venezuela.

As informações são dos chefes de delegações do CICV, Michel Minnig, baseado na Argentina, e Christophe Beney, na Colômbia, que estão em Brasília para, segundo disseram, agradecer ao governo brasileiro pela participação e abrir perspectivas de novas operações.

Minnig e Beney se reuniram ontem com o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Itamaraty, e devem falar hoje com Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência.

O Exército brasileiro deu apoio logístico à missão cedendo dois helicópteros Cougar e 18 militares para transporte de seis reféns -sem envolver-se em negociações com as Farc.

Beney e Minnig confirmaram que os voos militares colombianos provocaram tensão no primeiro dia da missão, em 1º de fevereiro. "Tive de entrar em contato com o Ministério da Defesa [colombiano], com o ministro mesmo, para que ele parasse todos os voos na zona. Depois que acionei o ministro, os voos pararam. A tensão baixou um pouco", disse Beney.

Para o governo Álvaro Uribe, tratou-se de um "erro de boa-fé". Os voos provocaram controvérsia entre Bogotá e os mediadores e adiaram por um dia a libertação de um dos reféns.

Os brasileiros envolvidos na missão não se pronunciaram sobre os voos. Para Beney, o país "compreendeu muito bem o valor de ficar no seu lugar como um protagonista fundamental neutro e humanitário".

Durante os preparativos da missão, o grupo de mediadores Colombianos pela Paz queria repetir a participação da Venezuela, que atuou em libertações unilaterais em 2008, em meio a intensa troca de acusações entre Hugo Chávez, então próximo das Farc, e Uribe. "O governo colombiano disse não." Como a guerrilha não aceitou o envolvimento do Exército colombiano, o CICV fez o convite, e "o Brasil respondeu em um dia", disse Minnig.

O comitê disse continuar em negociações com as Farc, mas não opinou sobre a proposta de intercambio humanitário encampada pela guerrilha (troca de reféns por rebeldes presos).