a questão da Lei do Tiro de Destruição
Fonte: Reservaer
1. HISTÓRICO
O Código Brasileiro de Aeronáutica, instituído pela Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, e modificado pela Lei nº 9.614, de 5 de março de 1998, no seu artigo 303, trata dos casos em que uma aeronave pode ser submetida à detenção, à interdição e à apreensão por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal. Neste artigo, foi introduzido o parágrafo segundo, com a seguinte redação:
§ 2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada.
Nessas condições, a sociedade brasileira, por intermédio de seus representantes legais, instituiu “Lei do Tiro de Destruição”, apelidada pela imprensa de “Lei do Abate”, que veio preencher uma importante lacuna, em apoio às medidas de policiamento do espaço aéreo brasileiro, particularmente sobre os movimentos aéreos não regulares, suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas ilícitas.
A lei em questão introduziu conceitos novos, tornando-se necessária a definição das expressões “meios coercitivos”, “aeronave hostil” e “medida de destruição”. Ademais, passou a ser imprescindível que o novo dispositivo fosse aplicado dentro de uma moldura de rígidos preceitos de segurança, com o pleno esclarecimento dos procedimentos e das condições em que a medida de destruição poderia ser executada. Todos estes aspectos demandaram a necessidade de regulamentação do citado dispositivo legal, por intermédio de um decreto presidencial.
A partir de abril de 2003, um grupo de trabalho constituído por integrantes do Ministério da Defesa, do Ministério da Justiça, do Ministério das Relações Exteriores, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e especialistas do Comando da Aeronáutica se reuniu com o objetivo de estudar todos os aspectos pertinentes à regulamentação da Lei do Tiro de Destruição, tais como procedimentos de interceptação aérea, normas internacionais da aviação civil, medidas de integração de procedimentos com os países vizinhos e legislação de países interessados no tema e que mantêm normas específicas sobre responsabilidade civil de seus cidadãos, quando estes tenham apoiado direta ou indiretamente a destruição de aeronave civil.
2. CENÁRIO
Com a modernização do sistema de defesa aérea e controle do tráfego aéreo brasileiro, sendo o SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia) uma grande expressão desse trabalho, comprovou-se que as principais rotas de entrada de drogas ilícitas em território brasileiro ocorrem por via aérea, em pequenas aeronaves, oriundas das regiões reconhecidamente produtoras dessas substâncias. Essas seguem para o interior do Brasil (consumo interno) ou para países vizinhos, a caminho da Europa e Estados Unidos, entre outros destinos da rota de “exportação”.
Porém, por falta da regulamentação da “Lei do Tiro de Destruição”, as aeronaves de interceptação da Força Aérea Brasileira, responsáveis pelo policiamento do espaço aéreo, eram ignoradas por pilotos em vôo clandestinos, em suas ordens de identificação e de pouso em pista pré-determinada, como previa a legislação em vigor. Em muitas situações, apesar de ter-se chegado ao tiro de advertência, houve completa desobediência às ordens emitidas pela autoridade, caracterizando-se situação similar à “resistência à prisão”.
3. MEDIDAS
O Governo Brasileiro, decidido a reverter essa situação e aprimorar a defesa do país, vem desenvolvendo uma série de ações, como a transferência de efetivos militares para a Amazônia e a modificação da legislação brasileira no sentido de preparar as Forças Armadas para atuar contra os delitos transnacionais fronteiriços, no combate ao tráfico terrestre e fluvial.
Tornou-se necessária uma ação mais eficaz do Estado no combate a esses vôos ilícitos, que transportam a droga para o território brasileiro. A regulamentação, portanto, que entra em vigor 90 dias após a sua publicação no Diário Oficial da União (em 19 de julho), Decreto Nº 5.144, é uma medida imprescindível para combater a criminalidade associada ao tráfico internacional de drogas.
A regulamentação da “Lei do Tiro de Destruição”, assinada pelo Presidente da República, criou instrumentos de dissuasão adequados ao policiamento do espaço aéreo brasileiro. O texto é resultado de uma série de intercâmbios com países vizinhos, que ocorreram para integrar os procedimentos de interceptação aérea e, com isto, minimizar riscos de equívocos. A questão foi amplamente debatida com outros governos interessados no tema. Esses entendimentos indicam que a entrada em vigor da regulamentação não trará efeitos adversos ao país.
4. EXECUÇÃO
Em primeiro lugar, a regulamentação da “Lei do Tiro de Destruição” aprovada abrange somente o caso de aeronaves suspeitas de envolvimento com o tráfico internacional de drogas.
Em razão do que prescreve a Carta da ONU sobre o princípio de autodefesa, o Governo brasileiro considerou necessária apenas a regulamentação da lei para esse aspecto, levando em conta a crescente ameaça apresentada pelo narcotráfico para a segurança da sociedade brasileira.
Antes de ser classificada como hostil e, portanto, sujeita à medida de destruição, a aeronave deverá ser considerada como suspeita e submetida a procedimentos específicos, detalhados e seguros.
São duas as situações em que uma aeronave pode ser considerada suspeita de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins:
a) a que entrar em território nacional, sem plano de vôo aprovado, oriunda de regiões reconhecidamente fontes de produção ou distribuição de drogas ilícitas; ou
b) a que omitir aos órgãos de controle de tráfego aéreo informações necessárias à sua identificação, ou não cumprir determinações dessas mesmas autoridades, caso esteja trafegando em rota presumivelmente utilizada na distribuição de drogas ilícitas.
5. PASSOS
Caracterizada a aeronave como suspeita, ela estará sujeita a três tipos de medidas coercitivas, aplicadas de forma progressiva e sempre que a medida anterior não obtiver êxito, e, se considerada hostil, à medida de destruição.
As aeronaves de interceptação da Força Aérea Brasileira, acionadas pelo Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (COMDABRA), serão encarregadas da execução dessas medidas.
1º) MEDIDAS DE AVERIGUAÇÃO – primeiro nível das medidas busca determinar ou a confirmar a identidade de uma aeronave, ou, ainda, a vigiar seu comportamento. Engloba os seguintes procedimentos:
a) Reconhecimento à Distância, ocasião em que os pilotos da aeronave de interceptação, de uma posição discreta, sem serem percebidos, fotografam a aeronave interceptada e colhem informações de matrícula, tipo de aeronave, nível de vôo, proa e características marcantes;
b) Confirmação da Matrícula, que se dá quando as informações são transmitidas para a Autoridade de Defesa Aeroespacial, que entrará no sistema informatizado do Departamento de Aviação Civil (DAC) para verificar se a matrícula corresponde ao tipo de aeronave, o nome de seu proprietário, endereço, dados de identificação, validade do certificado de aeronavegabilidade, nome do piloto que normalmente a opera, licença, validade de exame médico, dados de qualificação e de localização, etc.
Caso a aeronave esteja em situação regular, será realizado apenas o acompanhamento;
c) Interrogação na freqüência prevista para a área, que é do conhecimento obrigatório de todo aeronavegante, consistindo na primeira tentativa de comunicação bilateral entre a aeronave interceptadora e a aeronave interceptada;
d) Interrogação na freqüência internacional de emergência, de 121.5 ou 243 MHz, iniciando pela de VHF 121.5 MHz, que é mostrada, através de uma placa, à aeronave interceptada pelo piloto do avião de Defesa Aérea, após ter estabelecido com ela contato visual próximo;
e) Realização de sinais visuais, de acordo com as regras estabelecidas internacionalmente e de conhecimento obrigatório por todo aeronavegante.
2º) MEDIDAS DE INTERVENÇÃO - caso o piloto da aeronave suspeita não responda e não atenda a nenhuma das medidas já enumeradas, passa-se ao segundo nível de medidas coercitivas, que é a Intervenção, caracterizada pela execução de dois procedimentos:
a) mudança de rota, determinada pela aeronave de interceptação, tanto pelo rádio, em todas as freqüências disponíveis, quanto por intermédio dos sinais visuais previstos nas normas internacionais e de conhecimento obrigatório;
b) pouso obrigatório, também determinado pela aeronave interceptadora de forma semelhante à tarefa anterior.
3º) MEDIDAS DE PERSUASÃO - o terceiro nível das medidas previstas, que entrará em execução somente se o piloto da aeronave suspeita não atender a nenhuma das medidas anteriores, consiste na realização de tiros de advertência, com munição traçante, lateralmente à aeronave suspeita, de forma visível e sem atingi-la.
No total, são nove os procedimentos a serem seguidos pelas autoridades de defesa aérea para o policiamento do espaço aéreo. Somente quando transgredidos os oito procedimentos iniciais é que a aeronave será considerada hostil, e estará sujeita à medida de destruição, que consiste na realização de disparo de tiros, feitos pela aeronave de interceptação, com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do vôo da aeronave transgressora.
Situação da aeronave | Nível de medida | Procedimentos |
Normal | - Situação de Normalidade | - Verificação das condições de vôo da aeronave. |
Suspeita | - Medidas de Averiguação | 1) Reconhecimento à Distância; 2) Confirmação de Matrícula; 3) Contato Rádio Freq. Área; 4) Contato Rádio Freq. Emerg.; 5) Sinais Visuais. |
- Medidas de Intervenção | 6) Mudança de rota; 7) Pouso Obrigatório. | |
- Medidas de Persuasão | 8) Tiros de Advertência. | |
Hostil | - Medidas de Destruição | 9) Tiro de Destruição |
MEDIDA DE DESTRUIÇÃO – o tiro de destruição deverá atender, obrigatoriamente, a exigências rígidas, previstas pela regulamentação contida no Decreto nº 5.144, de 16 de julho de 2004, assinado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República e publicado no Diário Oficial do dia 19 de julho. São elas:
a) a sua realização só poderá ocorrer estando todos os meios envolvidos sob controle operacional do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (COMDABRA), o que significa dizer que tanto os radares quanto as aeronaves de interceptação envolvidas no policiamento do espaço aéreo deverão estar sob controle operacional das autoridades de defesa aérea brasileira;
b) os procedimentos descritos serão registrados em gravação sonora e/ou visual das comunicações;
c) será executado apenas por pilotos e controladores de defesa aérea qualificados, segundo os padrões estabelecidos pelo Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (COMDABRA);
d) o procedimento irá ocorrer sobre áreas não densamente povoadas e relacionadas com rotas presumivelmente utilizadas para o tráfico de drogas.
6. COMPETÊNCIA
O Excelentíssimo Senhor Presidente, no decreto de regulamentação, delega ao Comandante da Aeronáutica a competência para aplicar a medida de destruição, possibilitando, assim, a necessária agilização do processo de tomada da decisão, com elevado grau de confiabilidade e segurança.
É importante ressaltar que a utilização dessa medida extrema somente ocorrerá após terem sido cumpridos todos os procedimentos previstos em lei e que esse será o último recurso para o Estado evitar o ingresso de aeronaves que transportam drogas para o território brasileiro, aumentando o flagelo do problema do tráfico no país.
Em uma enquete realizada pela internet, pelo site www.pop.com.br, que reuniu quase 9,5 mil votos, 87% dos internautas se posicionaram a favor da medida (“é uma forma legítima de defender a soberania”) e 13% se disseram contrários ao tiro de destruição (“só deveria ser usado em casos de guerra”).
A Questão Legal
Fonte: Portal Verde Amarelo
Tecnicamente chamada Lei do Tiro de Destruição, a norma legal que vai permitir a derrubada de aeronaves clandestinas suspeitas de envolvimento com o narcotráfico ficou engavetada esses anos todos por oposição dos Estados Unidos, que depois de terem um avião de missionários abatido no Peru passaram a pressionar os países contra esse tipo de ação.
No vaivém dos entendimentos entre os governos Lula e Bush, porém, as dificuldades foram sendo superadas com garantias diversas e uma detalhada regulamentação. Ela estabelece uma série de nove procedimentos de abordagem da FAB antes que uma aeronave seja considerada hostil e abatida em vôo. O chamado tiro de destruição, o último recurso, só pode ser disparado com autorização pessoal do comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos Bueno.
"— Nossa regulamentação teve boa receptividade externa, e não há mais problemas com os Estados Unidos. Existem dispositivos legais americanos que poderiam deixar o Brasil sujeito a sanções comerciais, mas a saída disso é o presidente dos EUA mandar um waiver para um determinado país, que fica então fora do alcance dessa legislação. É isso que deverá acontecer nos próximos dias — explicou o ministro da Defesa, José Viegas".
Em contagem regressiva para que a Lei do Abate passe a valer de fato, o governo está preparando uma série de providências.
A Secom e a Aeronáutica estão preparando uma campanha de esclarecimento a todos os pilotos de aeronaves leves, explicando passo a passo os procedimentos que, a partir do dia 17 de outubro, serão tomados a cada vez que se localizar uma aeronave supostamente clandestina.
São medidas para levar o avião a se identificar, averiguar seu registro, solicitar mudança de rota ou pouso obrigatório.
Quando tudo isso falhar, e o piloto se recusar a aterrissar, estará sujeito primeiro a um tiro de advertência e só depois ao tiro de destruição.
Além da campanha, Viegas trabalha num acordo com a Colômbia e o Peru para integração do controle do espaço aéreo na região amazônica.
Sexta-feira passada, o ministro reuniu-se com seus congêneres desses países para acertar a cooperação através do Sivam.
O presidente peruano Alejandro Toledo deixou claro também que tem pressa nos preparativos para essa integração, que permitirá detectar por radar aeronaves que passarem pelas fronteiras e comunicar aos países vizinhos em tempo real para que sejam interceptadas.
Todo esse sistema será discutido também num encontro de ministros da Defesa, na semana que vem, em Quito, no Equador.
A troca de experiências com os vizinhos vem sendo útil também para convencer os adversários da Lei do Abate de que seus objetivos e resultados estão muito mais no plano da dissuasão do que da destruição. A simples existência da lei que permite a derrubada dos aviões já é um tremendo fator de persuasão para os pilotos do narcotráfico, que agora sabem que ou aterrissam, ou morrem.
Os colombianos, por exemplo, informaram a Viegas que em 12 meses de vigência da lei em seu país, 31 aviões de narcotraficantes foram apreendidos e inutilizados. Em terra firme, e sem o sacrifício de nenhuma vida.
O TIRO DE DESTRUIÇÃO E A MISSÃO DA FORÇA AÉREA
Brig.-do-Ar R/R Delano Teixeira Menezes - Fonte: Reservaer
De tempos em tempo volta a pauta de discussões no âmbito da Força Aérea a introdução de artigo no Código Brasileiro de Aeronáutica que trata do chamado "tiro de destruição". Agora, mais do que nunca, revigorado com a ampliação da capacidade de detecção do SIVAM em área de grande atividade ilícita no espaço aéreo brasileiro.
Essa discussão freqüentemente envereda por dois viés distintos, ambos carregados de razões e emoções, mas quase ninguém se atém ao âmago da questão.
| O viés mais forte é o exercido pela pressão dos pilotos que realizam missões de interceptação à aeronaves supostamente em atividades ilícitas. Eles estão em contato direto com as ações de aviões "piratas" que afrontam declaradamente a autoridade de uma aeronave armada da Força Aérea Brasileira no cumprimento da missão de prover segurança ao espaço aéreo nacional. |
Esses pilotos se sentem frustrados e percebem a iniqüidade dessa lei que os autorizaria a destruir uma aeronave que não atendesse às suas ordens quanto ao prosseguimento do seu vôo comprovadamente ilícito. Eles tendem a achar que estão fazendo um papel inútil e que só estão gastando combustível, mas não percebem o risco que eles mesmos correm se fossem autorizados a destruir a aeronave "invasora" do espaço aéreo, nessa situação. |
| A outra linha das discussões gira em torno da responsabilidade da autoridade que vai dar a ordem de destruição e a necessidade de estar cercada de uma eficiente rede de inteligência que dê a ela a segurança para decidir. |
E aí aparece a necessidade da regulamentação da lei que assegure uma cadeia eficiente de articulações entre todos os órgãos envolvidos no combate ao contrabando e ao narcotráfico, extrapolando a esfera de competência do Comando da Aeronáutica e até mesmo do Ministério da Defesa. Ao mesmo tempo em que aflora o temor do que aconteceria se houver alguma falha nessa enorme e difusa cadeia de informações, colocando-a, se não em situação vexatória, numa situação jurídica/legal complicada. |
O que poucos se dão conta, e eu tive a oportunidade de constatar quando fui designado chefe do primeiro GT constituído no Estado-Maior para tratar da regulamentação da lei, são as profundas implicações jurídicas, tanto no âmbito do Código Penal Brasileiro, quanto ao rompimento com os protocolos da Aviação Civil Internacional, dos quais o Brasil é signatário.
| Naquela oportunidade, verificou-se que se alguma aeronave civil for derrubada em vôo por uma aeronave militar em qualquer situação, em última instância, o piloto seria o principal responsável pelo ato e, independentemente de quem deu a ordem, sentaria no banco dos réus para responder por esse ato. |
Da mesma forma que um policial responde a inquérito quando mata um bandido mesmo em defesa própria. Daí advém a pergunta: estaria a Instituição preparada para fazer frente a essa situação? Estariam os pilotos preparados para absorver tamanha responsabilidade? |
Mas a questão principal, que está escapando à percepção de todos, é a questão da coerência do nosso discurso. Se somos contra o envolvimento direto das Forças Armadas no combate ao contrabando e ao narcotráfico (até porque legalmente não temos autoridade de polícia), por que queremos abater em vôo aeronaves civis supostamente envolvidas nessas atividades? Só por que ela não esta cumprindo as regras de tráfego aéreo, ou não obedece a determinação de uma autoridade aeronáutica?
Vejamos a seguinte situação: um caminhão carregado de soja, mas sabidamente transportando cocaína por baixo dela, trafega por uma rodovia paraguaia paralela a fronteira seca que separa o Brasil do Paraguai. Repentinamente esse caminhão abandona a rodovia e invade o território brasileiro e passa a trafegar em rodovia nacional. A perseguição/repressão a esse caminhão é de responsabilidade do Exército Brasileiro ou da Polícia Federal ou Polícia Militar? O Exército poderia atirar ou prender os ocupantes desse caminhão? Ou isso é uma atribuição específica das polícias? Por que então no ar deveria ser diferente? Se não queremos, com razão, nos envolver diretamente na luta contra esses ou qualquer outro ilícito, por que queremos uma lei para abater aeronaves civis, ainda mais em tempo de paz? Os nossos anseios imediatos no afã de cumprir uma missão que nos atribuíram não estarão indo contra os nossos princípios? Seria essa a missão de uma Força Aérea com letras maiúsculas? Perseguir bandidos?
A única maneira que se poderia contornar essa situação, ainda assim com limitações, seria a criação de Zonas de Identificação de Defesa Aérea (as ZIDAS ou ADIZ em inglês). Mas a implementação dessas áreas seria possível diante da grande extensão das fronteiras do país? A Força Aérea teria condições de dar conta dessa tarefa? Existiria justificativa legal para a ativação dessas áreas? A que ponto essa ativação afetaria as nossas relações com os países vizinhos?
Todas essas questões devem ser respondidas antes de se partir para a ação. O que mais me parece é que nós mesmo criamos um problema, antes que uma solução, quando insistimos na introdução desse artigo no Código Brasileiro de Aeronáutica.
Lei do Tiro de Destruição foi colocada à prova?
DEFESANET - Kaiser Konrad
kaiserk@defesanet.com.br
Na tarde desta quinta-feira um monomotor EMB-712 Tupi foi roubado do aeroclube de Brasília, em Luziânia. A Força Aérea Brasileira foi informada e o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (COMDABRA) imediatamente acionou as aeronaves de alerta de defesa aérea.
Segundo nota emitida pelo Centro de Comunicação Social da Aeronáutica, um Mirage 2000 do 1º Grupo de Defesa Aérea (BAAN) e posteriormente um T-27 Tucano acompanharam a aeronave sinistrada durante todo voo. Tentativas de comunicação entra as aeronaves militares e também pelo Controle de Tráfego Aéreo aconteceram mas nenhum contato por rádio foi efetuado.
A bordo do Tupi, estava uma criança que foi seqüestrada pelo pai. Segundo informações da Polícia Militar de Goiânia, o avião sobrevoou a cidade por horas, efetuando rasantes e vindo a cair no estacionamento de um shopping center, provocando estragos em vinte automóveis mas sem fazer vítimas em solo. No acidente morreram o sequestrador e sua filha. Ainda não se sabe se aeronave caiu ou foi jogada no local, o que a investigação deverá responder.
Embora a aeronave seja de pequeno porte, o caso levanta uma questão muito discutida e atualmente esquecida: a Lei do Tiro de Destruição. A conhecida Lei do Abate. O que aconteceu em Goiânia foi um seqüestro de aeronave civil, e o que apontam as informações preliminares, a ameaça de jogá-la em um centro populacional.
Se esta aeronave tivesse feito vítimas em solo, o que não aconteceu por um milagre, já que a queda foi numa área de grande circulação de pessoas, o papel da defesa aérea em tempos de paz deveria ser rediscutido. É compreensível entender que dentro do avião existia uma criança inocente, mas também fora dela existiam outras tantas.
A mesma nota do CECOMSAER informa que “todos os procedimentos adotados pelo COMAER, através do COMDABRA, foram permanentemente acompanhadas pelo Exmo. Sr. Ministro da Defesa Dr Nelson Jobim”, o que sugere que o ministro foi colocado a par da questão para autorizar ou não a destruição da aeronave.
O Ministro Jobim deve ter pensando nas conseqüências de autorizar o abate da aeronave e ser “culpado” pela morte de uma criança inocente ou deixar a questão a um desfecho que só o acaso poderia trazer: um pouso, um acidente por pane seca ou um atentado à segurança do cidadão se o piloto decidisse jogá-la numa área com alto fluxo de pessoas. Conforme dito anteriormente, embora preliminares as informações apontam para o pior.
Neste caso, a situação teria sido tratada de forma equivocada e as autoridades a quem compete à segurança do cidadão e do espaço aéreo nacional poderiam ser acusadas de omissão. As interpretações são muitas e essa discussão promete ir longe. Talvez seja por isso que após seus quase cinco anos de vigência, a Lei do Abate ainda não mostrou para que foi criada.
- Nota da FAB sobre acidente aeronáutico em Goiânia - Link
- Dois morrem em queda de avião em estacionamento de shopping em GO - Link
- Lei do Abate DECRETO Nº 5.144, DE 16 DE JULHO DE 2004 Link
A Inconstitucionalidade da "Lei do Tiro de Destruição"
Fonte: Direito Aeronáutico - Por Fábio Anderson de Freitas Pedro
Bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor do Centro Universitário da Cidade, advogado militante no Rio de Janeiro no ramo do direito aeronáutico, membro da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial (SBDA) e da Associação Latino América de Aeronáutica (ALA).
O governo federal brasileiro, em 16 de julho de 2004, publicou o decreto número 5.144, regulamentando assim os §§1o, 2o e 3o do artigo 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica, permitindo que aeronaves consideradas hostis ou suspeitas de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins possam ser objeto de medidas coercitivas de averiguação e até mesmo autorizando a destruição em vôo de aeronaves.
Inicialmente convém relembrar que o Brasil detém a jurisdição soberana para definir as regras a serem observadas pelas aeronaves de natureza civil ou militar que tenham interesse em utilizar nosso espaço aéreo. Podendo inclusive se entender necessário para a segurança nacional, negar o acesso ou determinar que a aeronave se retire do nosso território.
Esta competência inata aos Estados, de poder fazer valer suas decisões no âmbito de seu território advém do exercício de sua plena soberania, haja vista que o espaço aéreo é elemento componente do território.
De acordo com o momento histórico-politico, determinado país pode ser mais ou menos rígido no controle de seu espaço aéreo. Podemos citar dois exemplos de controles rígidos de espaço aéreo. O primeiro é o atual momento dos Estados Unidos da América, que recentemente experimentou os nefastos efeitos de praticas terroristas que utilizaram o avião como instrumento para semear a destruição. A partir do chamado 9/11[1], o governo norte americano passou a promover uma rígida política policiando os aeródromos, aeroportos bem como o espaço aéreo, na esperança de poder coibir novos atentados.
O segundo exemplo foi a tragédia do vôo KE007, quando um Boeing 747-200B da empresa Korean Air Lines, partindo no dia 31 de agosto de 1983 de Nova Iorque com destino a Seul.
Embora a aeronave fosse equipada com três plataformas de navegação inercial Litton LTN-72R, provavelmente por falha humana, os equipamentos não foram devidamente configurados, e a aeronave da Korean Air Lines ao invés de passar ao largo do território soviético, acabou no auge da guerra fria ingressando no espaço aéreo da URSS.
Frustrados os contatos de rádio bem como a munição traçante não foi capaz de evitar que um Boeing 747-200B fosse abatido e 269 vidas humanas fossem perdidas.
Atualmente o Brasil ingressou de forma decisiva, no rol de países que mantém um controle rígido de seu espaço. Com a justificativa de resguardar o país do tráfico de entorpecentes, promoveu o projeto SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), que consiste na utilização de um moderno aparato eletrônico, Composto de 6 satélites, 25 radares (19 fixos e 6 móveis), 03 Centros de Vigilância Regionais (Manaus, Belém e Porto Velho), 200 estações de monitoramento ambiental, 70 estações meteorológicas, 300 rádio transmissores, 940 usuários remotos (VSat) , 05 aviões EMB-145 AEW&C (R99A), 03 EMB145 SR (R-99B) e 99 aviões leves de ataque ALX[2], é atualmente o maior projeto deste tipo em instalação no mundo E editou o Decreto 5.144/04.
O Decreto prevê a aplicação de métodos coercitivos a princípio devendo ser observada a seguinte seqüência: a) reconhecimento à distância por aeronaves da Força Aérea Brasileira; b) Confirmação da Matrícula através de acesso ao banco de dados do Departamento de Aviação Civil[3]; c) Contato de rádio na freqüência prevista para a aérea; d) contato de rádio via freqüência internacional de emergência 121.5 ou 243 MHz, iniciando pela VHF 121.5 MHz[4], que será mostrada por uma placa pelo piloto do avião de defesa aérea; e) Sinais visuais, de acordo com regras internacionais; f) determinação de mudança de rota, por ordem via rádio e através de sinais; g)determinação de pouso obrigatório, por ordem via rádio e através de sinais; h) realização de tiros de advertência, com munição traçante lateralmente a aeronave suspeita, de forma visível sem atingi-la; e i) realização de disparos pela aeronave de interceptação.
De acordo com o artigo 2o do Decreto que regulamentou o tiro de destruição, para que uma aeronave seja considerada suspeita de tráfico de entorpecentes, basta adentrar no território nacional sem plano de vôo provado ou omitir aos órgãos de controle informações de identificação se estiver cumprindo rota presumivelmente utilizada para distribuição de drogas ilícitas. Desta forma para que a aeronave seja interceptada e até mesmo destruída em vôo basta uma mera presunção de que esteja envolvida com a atividade do narcotráfico.
Alguns críticos buscam alvejar o mencionado diploma legal, por ferir princípios internacionais, mais notadamente o princípio da passagem inofensiva. De acordo com a convenção de Chicago, denominada “Convenção sobre Aviação civil Internacional”, a passagem inofensiva consiste na desnecessidade de autorização prévia para as aeronaves civis de qualquer Estado contratante atravessarem o espaço aéreo dos outros, desde que obedeçam aos termos da convenção [5].
Ao nosso sentir esta corrente de críticos, não está correta, haja vista que a passagem inofensiva não pode ser por nenhum pretexto confundida com passagem clandestina. Assevera-se legítimo ao país controlar seu espaço aéreo, devendo criar normas a serem observadas. No Brasil o Código Brasileiro de Aeronáutica, diploma legal que deve ser observado por qualquer aeronave em nosso espaço aéreo, dispõe em seu artigo 14 §2o que é livre o tráfego de aeronaves privadas, mediante informações sobre o vôo planejado.
A questão que deve ser enfrentada em verdade é a constitucionalidade ou não do Decreto 5.144/04, senão vejamos.
Dentro do arcabouço jurídico brasileiro, não há norma jurídica que tenha primazia sobre a Constituição Federal. E neste contexto, todas as normas que não atendam aos princípios e determinações que emanam da Constituição Federal, devem ser consideradas inconstitucionais e, portanto inaplicáveis.
O Decreto que autorizou que a Força Aérea Brasileira tenha autorização para abater aeronaves suspeitas, fere frontalmente a Carta Magna, haja vista que o Brasil é adepto do princípio da presunção de inocência (art. 5 inciso XVII CF/88), desta forma os indivíduos serão considerados inocentes até que o Estado promova a robusta prova de sua culpabilidade, e que ocorra o trânsito em julgado da decisão condenatória..
Em verdade o Decreto 5.144/04, dispõe justamente o contrário, que por mera presunção, uma aeronave no espaço aéreo brasileiro poderá sofrer medidas coercitivas, pela simples leitura do inciso XVII do artigo 5 da constituição, verifica-se que o Decreto que autorização o tiro de destruição não está em consonância com a Lei Maior.
Outro princípio constitucional que foi ferido refere-se ao devido processo legal (art. 5º inciso LIV CF/88), onde alguma pessoa só pode ser punida, após a análise pelo juiz competente de acordo com a organização judiciária vigente e assegurada ao acusado, durante toda a instrução processual o contraditório e a ampla defesa. De acordo com o Decreto o indivíduo que presumidamente estiver vindo de área onde existe atividade ilícita de tráfico de entorpecentes, sem qualquer direito a um processo judicial, poderá ter sua aeronave danificada ou destruída e ceifadas todas as vidas abordo, isto por que, ao se abater uma aeronave a probabilidade de sobreviventes é remota, portanto a execução do tiro de destruição será uma verdadeira sentença de morte.
A importância da vida humana é amplamente reconhecida seja pelas manifestações sociais, seja pela proteção que recebe em nosso ordenamento jurídico. O Código Penal Brasileiro reserva a punição mais severa para que atentar contra a vida de outrem. A Constituição Federal Brasileira fez inserir comando dentro das chamadas normas pétreas, proibido a aplicação da pena de morte em nosso país em tempos de paz.
Considerando que o evento guerra de acordo com a doutrina especializada, consiste em um conflito entre Estados, e não de um Estado contra determinado grupo ou ideologia. Tal pensamento subverte a ciência política, particularizando os conflitos, ou acaba por ser uma justificativa de alguns governantes para utilizar o poderio bélico do Estado de acordo com suas próprias necessidades.
A pena de morte no Brasil só pode ser utilizada em caso de guerra declarada, conforme estabelece o artigo 84, inciso XIX combinado com o artigo 5º inciso XLII alínea “a”, ambos dispositivos de nossa carta política. Desta forma, partindo da premissa que estamos em tempos de paz, a pena capital não pode ser utilizada em nosso país. Nenhuma norma infraconstitucional tem o poder de tornar válida tal pratica, sequer uma emenda constitucional dar validade ao instituto, isto porque a proibição como já dissemos é uma norma de pedra.
O Decreto 5.144/04 ao admitir a hipótese, de que um piloto da Força Aérea Brasileira irá alvejar uma aeronave em vôo, morte dos tripulantes e eventuais passageiros é uma possibilidade concreta e praticamente inevitável, desta forma estar-se-ia, sem contraditório, sem o devido processo legal, presumidamente inocentes, condenados ao perecimento.
Outro vértice a ser estudado, consiste na verificação dos resultados obtidos com a vigência do Decreto 5.144/04, que até agora são promissores. Segundo o noticiado pela imprensa o Ministério da Defesa embora não tenha divulgado números, informou que houve uma redução de cerca de 40% nos chamados vôos clandestinos, ou seja, sem a necessária identificação e controle dos órgãos competentes. Desta forma observa-se que o remédio utilizado pelo governo brasileiro é ineficiente, pois não tve o condão de dissuadir aqueles que cometem infrações administrativas e penais do ponto de vista do Código Brasileiro de Aeronáutica.
Os motivos desta verdadeira falta de credibilidade em controle eficiente de nosso espaço aéreo se devem a alguns motivos já conhecidos, como por exemplo, as dimensões continentais de nosso território, a carência de aeronaves, a falta de adestramento continuo de nossos pilotos, embora se deva reconhecer a ocorrência de investimento no setor de defesa, muito há que fazer e investir para uma força aérea com a eficiência desejada.
Não devemos aquiescer com praticas que denotem a ilegalidade ou imoralidade, é evidente que não se justifica utilizar o espaço aéreo para servirem ao interesse de alguns poucos para a pratica de ilícitos, mas por outro lado o casuísmo de tempos difíceis e a necessidade de dar pronto combate ao tráfico de entorpecentes, bem como qualquer outra modalidade de ato ilícito, não pode dar azo ao desrespeito a nossa norma estrutural que é a Constituição Federal.
Incumbe ao poder público dar efetividade aos dispositivos contidos em nosso Código Brasileiro de Aeronáutico, mas respeitados todos os dispositivos e princípios contidos em nossa Lei Maior.
BIBLIOGRAFIA
ACCIOLY, Hidelbrando – Direito Internacional Público, 9a edição – Editora Saraiva – São Paulo – 1970.
Centro de Comunicação Social da Aeronáutica, acessado em http://www.reservaer.com.br/legislacao/leidoabate/entenda-leidoabate.htm, em 01/01/2005.
DA SILVA, Jose Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Malheiros, São Paulo, 9a Ed. Rev. 3a tiragem, 1993.
DE FREITAS PEDRO, Fábio Anderson - Aspectos Gerais Sobre o Conceito de Soberania, Revista Justilex, ano III, número 35 novembro de 2004.
LIMA, Fernando – Inconstitucionalidade da Lei do Abate, acessado em http://www.profpito.com/inabat.html em 01/01/2005.
The 9/11 Commission Report “Final Report of the National Commission on terrorist attacks upon the United States.
Projeto SIVAM - Os olhos da floresta, acessado em http://www.militarypower.com.br/frame4-opin8.htm, em 09/01/2005.
[1] Referencia ao dia 11 de setembro de 2001, quando 4 aeronaves de transporte aéreo regular foram tomadas por integrantes do grupo terrorista Al Qaeda.
[2] De acordo com a revista militarypower
[3] as aeronaves civis matriculadas no Brasil estão registradas no D.A.C, na seção denominada Registro Aeronáutico Brasileiro – R.A.B.
[4] Freqüência de ondas de rádio, cuja grandeza é medida em Hertz
[5] Hildebrando Accioly, Direito Internacional Público 9a ed. 1970, pág. 246.
0 Comentários