Programa espacial brasileiro sofre com orçamento pequeno Mesmo assim já desenvolveu produtos que ajudam na medicina e na indústria brasileira e internacional
Correio Brasiliense - Paloma Oliveto
Pouca gente sabe, mas o Brasil também tem seu programa espacial. E pode se orgulhar de ser um dos únicos sete países do mundo que possuem, simultaneamente, áreas de lançamento, foguetes e satélites. Embora, de acordo com o astrofísico Thyrso Villela, diretor de Satélites, Aplicações e Desenvolvimento da Agência Espacial Brasileira (AEB), a vocação nacional esteja ainda longe de viagens para a Lua e Marte, os benefícios do investimento na área podem ser sentidos no dia a dia.
É graças ao desenvolvimento da resina PBHL, por exemplo, usada nos veículos lançadores, que a indústria de calçados consegue fabricar sapatos mais resistentes. Também, das pesquisas espaciais brasileiras, surgiu o aço 300M, utilizado em trens de pousos de aviões comerciais e importado pela norte-americana Boeing. Na área da medicina, o desenvolvimento de satélites resultou em um equipamento, o anel ilizarov, que trata fraturas expostas. Mesmo o pãozinho do café da manhã tem influência do nosso programa espacial: os experimentos de microgravidade resultaram num equipamento desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que assa a massa de forma homogênea e com menos custos.
Mas poderíamos estar bem mais adiante. Afinal, o Brasil teve D. Pedro II, o imperador visionário, encantado pela tecnologia, e o inventor Santos Dummont, um dos pais da aviação. Com a expansão universitária, na década de 1960, uma ampla rede de pesquisas disseminou-se no Brasil. “O país cresceu denotadamente a partir da industrialização. Depois, em 1980, tivemos a década perdida. Nos anos 90, o Brasil patina e começa a reencontrar um princípio da estabilidade econômica, depois de oito planos monetários em 10 anos. Mas qualquer instituição séria, minimamente dotada de planejamento, não resiste a políticas fiscais completamente loucas, nem à falta de uma política industrial determinada e de priorização”, diz o economista Carlos Ganem, presidente da AEB.
“Trinta anos atrás, o Brasil tinha um dos melhores órgãos formadores de mão de obra de engenharia aeronáutica do mundo, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Depois de projetarmos portos, aeroportos, um sistema extraordinariamente caro de telefonia fixa, além da televisão, que é uma das melhores do mundo, perdemos uma incrível capacidade de inovação”, lamenta Ganem. Para ele, se sobravam ideias, faltava ao país o espírito empreendedor.
Aperto no programa
Mesmo assim, e apesar do orçamento apertado, de apenas R$ 290 milhões, o Brasil desenvolveu satélites e foguetes — um deles em parceria com a China. O programa, agora, está em fase final para o lançamento do foguete ucraniano Cyclone-4, que pode levar até dois satélites e jogá-los, simultaneamente, no espaço. O projeto, contudo, tem trazido dores de cabeça à Agência Espacial Brasileira (AEB). Não por questões técnicas, mas devido ao fato de o governo ter concedido, no fim do ano passado, a titularidade de 71,8 mil hectares à comunidades quilombolas que vivem próximas a Alcântara (MA) — base do lançamento. “Imaginar que nós vamos deixar a população de lá permanecer no século 18 é uma falta de sensibilidade, de caráter, de brasilidade, que eu me recuso a admitir”, critica o presidente da AEB.
O astronauta Marcos Pontes, diretor técnico espacial do Instituto Nacional para Desenvolvimento Espacial e Aeronáutico, lamenta a redução da área na base de lançamento. Para ele, pode ser necessário procurar outro local, no litoral norte, que tenha condições ideais para o lançamento. O Brasil, especialmente Alcântara, é considerado estratégico porque tem um ponto de escape, o mar — em caso de explosões — e fica em uma localização privilegiada, logo abaixo do Equador, o que economiza combustível nos lançamentos. “Parar o desenvolvimento espacial seria extremamente prejudicial, estrategicamente, para o Brasil, que passaria a depender totalmente de outros países no campo espacial. Isso não é saudável para quem tem um país na dimensão do nosso, com os recursos que nós temos”, diz.
Carlos Ganem é mais crítico ainda. “Deter um orçamento financeiro vindo do Tesouro equivalente ao orçamento da atividade espacial da Holanda é risível”, alega. “O programa espacial é o mecanismo pelo qual o governo tem a oportunidade de praticar uma política de Estado, isso não pode ser prioridade de um plano de governo de quatro anos”, diz. “Imaginar isso como uma façanha tecnológica, como um custo para um país de desdentados, de desassistidos, de mal alimentados, é a maior miopia que um ser humano pode proporcionar. Comparar esse programa a outros programas sociais do governo é um equívoco. Eu, povavelmente, deixaria de estar gastando bolsas famílias se tivesse aplicando melhor o dinheiro em atividades espaciais”, aposta.
Ouça entrevista com o presidente da Agência Espacial Brasileira, Carlos Ganem
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