Missão de resgate da FAB em Santa Catarina disputa prêmio internacional
Fonte: CECOMSAER - FAB
O relato de uma missão do Esquadrão Pantera (5º/8º GAV) durante o resgate de vítimas das enchentes que atingiram Santa Catarina, no ano passado, concorre com outras 15 histórias de outros países no "Helicoter Heroism Awards", prêmio concedido há mais de 40 anos para tripulações de asas rotativas que tenham se destacado em missões de resgate.
Parte do resultado depende de uma votação pela internet. Para ajudar a história da Força Aérea Brasileira (FAB), basta votar na página http://www.aviationtoday.com/sar/nominations.php(é o último relato da página), na história "Brazilian Air Force Flood Rescues and an homage to the HUEY". À direita do titulo, clique em "vote for this nominee" e siga as instruções. A decisão do vencedor cabe a um corpo de jurados escolhido pela revista "Rotor&Wing" e pela votação realizada na internet.
O ganhador do prêmio será anunciado no próximo dia 2 de setembro, durante um congresso internacional de busca e salvamento realizado nos Estados Unidos.
Porque Votar...
Prestes a deixar o serviço ativo, lendário UH-1 Huey prova porque é uma das mais formidáveis máquinas de asas rotativas da história.
Réquiem: repouso, descanso; no sentido de morte ou aposentadoria.
Próximo de completar 40 anos em operação na unidade, foi decidido que a aeronave será substituída pelo H-60 Blackhawk em 2010, após 39 anos de bons serviços prestados a este esquadrão da Força Aérea Brasileira.Em todo esse tempo, o HUEY realizou diversas missões e, no final de 2008, provou que a idade não diminuiu a sua capacidade de fazer a diferença quando foi necessário.
Em 22 de novembro de 2008, após uma temporada de chuvas acima do normal, a região compreendida entra as cidades de Itajaí e Blumenau (no estado de Santa Catarina), ficou completamente alagada e com vários pontos de deslizamento de terra isolando várias comunidades do acesso por terra. No dia seguinte, o governo do estado resolveu pedir ajuda ao governo federal, quando o 5º/8º GAv foi acionado, iniciando o deslocamento no dia 24 e chegando na região em torno das 15:00z do mesmo dia.
A cidade de Itajaí situada a foz do rio Itajaí-áçu, que desce por um largo vale desde a serra onde está localizada a cidade de Blumenau até a sua foz, onde está localizado um dos mais importantes portos do Brasil. Neste trecho de vale de aproximadamente 100km, existem várias localidades que utilizam esta fértil planíce para agricultura e o extrativismo, aproveitando o porto para escoar sua produção.
Durante toda essa movimentação, os três primeiros dias foram cruciais, pois atuavam no local apenas dois helicópteros da Força Aérea (01 H-34 e 01 H-1H) e alguns H-50 do governo do estado de Santa Catarina. Neste período, o H-1H de matrícula FAB 8692 voou cerca de 27 horas, retirou cerca de 200 pessoas das áreas de risco e transportou cerca de 2,3 toneladas de mantimentos para as regiões isoladas. Nada mal para um “senhor” de 40 anos...
Das várias missões realizadas nesse período, gostaríamos de relatar duas delas. Essas missões exemplificam bem o espírito das equipes envolvidas nos resgates e a confiança nessa máquina que não se cansa.
1° ATO
Ao ingressarmos no vale, sempre voando a no máximo 300ft de altura devido à camada de nuvens acima, começamos a perceber que a missão não sairia como planejado. Ao perceber que havia uma aeronave passando (e isso é fácil com o HUEY, devido ao seu barulho característico amplificado em um vale), as pessoas começavam a sair de suas casas e abanar panos brancos nos jardins ou na cobertura das casas. Após algumas horas, várias delas escreviam mensagens no gramado ou no telhado, indicando que necessitavam de ajuda. Dessa maneira, TODAS as missões que decolaram com previsão de durar 40 minutos até o regresso a Navegantes duraram mais de 02 horas, com as tripulações pousando com o mínimo combustível (cerca de 150 libras). Durante uma dessas missões, foi reportado que cerca de 15 quilômetros acima da vila de Arraial de Cima havia uma barragem com risco de romper-se. Foi solicitado que sobrevoássemos a mesma e verificássemos as coordenadas da barragem, para o envio de pessoal especializado para avaliar o perigo de a mesma romper-se. Cerca de cinco minutos após decolarmos do campo de futebol que servia de heliponto em Arraial de Cima, observamos que havia cerca de dez pessoas em uma casa branca isolada, abanando panos brancos para chamar nossa atenção. Marcamos o ponto, e prosseguimos para a barragem. Na volta, resolvemos passar mais perto daquele grupo inicial de pessoas, que ao ouvirem o helicóptero foram para fora e tentavam chamar nossa atenção (agora já havia cerca de vinte pessoas). Fizemos uma passagem sobre o local e observamos que no gramado em frente à casa estava escrito : “SOS CRIANÇA DOENTE”.
Após um abastecimento mais demorado que o previsto, pois havia um C-130 para ser abastecido na nossa frente, vimos nossa janela diminuir para quinze minutos. Além disso, o início da noite fazia com que o teto baixasse ainda mais e começasse a surgir uma garoa que restringia também a visibilidade na área de resgate. Aqueles que já voaram uma aeronave monomotor, sem capacidade IFR, com quarenta anos de uso e nestas condições marginais, sabem que nesse momento todos a bordo começaram a fazer contas e avaliar as possibilidades. O silêncio dentro da cabine naquele momento só era quebrado pelo barulho inconfundível das pás da HUEY. Após alguns desvios devido à meteorologia no caminho, a aeronave pousou na vila de Alto do Baú, para deixar mantimentos (colchões, cobertores, água, carne congelada e comida não perecível) de maneira que as famílias que ali estavam isoladas há dias pudessem passar se manter ate o resgate chegar ou as estradas fossem reabertas.
Com isso a tripulação decolou para a área do resgate já com cinco minutos após o pôr-do-sol, e todos decidiram que não iriam deixar aquelas dez pessoas passarem mais uma noite naquelas condições. Feito o resgate, decidiram passar sobre a serra no sentido SO, para escapar da garoa e ingressar no vale do rio Itajaí-açu. Assim eles estariam em uma região mais aberta e com alternativa de pouso em Blumenau. Caso isso fosse necessário, todos haviam concordado em pernoitar junto da aeronave, apenas com a roupa do corpo, e regressar para Navegantes no dia seguinte, já que não dispunham de nenhum apoio naquele aeroporto. Isso mostra o comprometimento com o resgate. Felizmente após contatos com Navegantes, a tripulação decidiu prosseguir para aquela localidade, pois as condições estavam favoráveis, efetuando o pouso em condições visuais noturnas.
Retomando àquela menina que brincava, alheia a todos problemas, ela foi personagem de um fato bastante interessante. Após um dia bastante longo e intenso de vôos, durante a noite, conversando com a tripulação surgiu o comentário do mecânico de vôo do FAB 8692, que uma menina desceu aos prantos do helicóptero. O mecânico consolou a menina dizendo que ela deveria desembarcar para poder ajudar outras pessoas que também necessitavam de apoio. Foi então que esta menina informou que havia perdido parte de sua boneca dentro do helicóptero ao embarcar e ela não queria sair dali assim. O Sgt Luna então prometeu que procuraria o braço da boneca daquela menina no final do dia, apenas no intuito de acalmar, pois ela chorava sem parar. Qual não foi nossa surpresa então ao descobrir que os mecânicos realmente haviam achado um braço de boneca ao lavar a aeronave, e decidimos então que enquanto não conseguíssemos devolver o braço da boneca à dona dela, iríamos utilizá-lo no helicóptero como nosso amuleto! Felizmente após alguns dias conseguimos rastrear o abrigo onde ele se encontrava e a boneca ganhou seu braço de volta, e mais ainda, a felicidade de sua dona.
2° ATO
A segunda história se passa no dia seguinte. Realmente foi constatado que havia o risco da barragem, reportada na história anterior, se romper, assim todos os moradores foram evacuados da região e várias equipes de bombeiros foram levadas ao local para avaliar a situação e fazer a busca de corpos. Realmente uma missão de grande risco, pois ainda ocorriam deslizamentos (um deles quase matou dois bombeiros alguns dias depois) e eles iriam passar o dia na região, sendo infiltrados por nossa aeronave e pelo H-34 pela manhã e resgatados ao final da tarde.
Assim, no fim do dia começamos a evacuar as equipes, ficando por último o pessoal que se encontrava na região de Arraial de Cima. Ao chegar no início do vale na região de Poço Grande, uma surpresa: a chuva, apesar de isolada, restringia a visibilidade a zero, impossibilitando o acesso à região. Com um deslocamento nítido de NE para SO, decidimos tentar contornar a nuvem ingressando em um vale mais ao norte, pela região de Baú Central. Imaginávamos assim contornar a chuva chegar ao local de resgate. Ingressamos no vale e prosseguimos até o limite onde a chuva encontrava a serra. Ao observarmos que realmente a chuva se deslocava no sentido esperado, resolvemos efetuar um pouso no terreno para aguardamos até que a meteorologia melhorasse. Ao tocar o solo, por estarmos sobre uma plantação, não percebemos que ele havia sido arado a pouco tempo, e por isso estava fofo. Com isso, quase houve um toque da cauda do helicóptero no solo, que não ocorreu graças ao nosso mecânico que informou a tempo o piloto. Após o susto, resolvemos mudar o local de pouso para uma estrada a cerca de 300 metros ao leste da nossa primeira posição, e ao nos posicionarmos para o pouso novamente nosso mecânico nos alertou, mas agora sobre a meteorologia: como estávamos virados para SO aguardando a chuva passar, não havíamos percebido que outra nuvem estava se aproximando pelo N, e dessa vez não era isolada, além de chuva havia também um banco de nevoeiro. Por estarmos na parte mais alta do vale, em mais alguns minutos essa formação iria fechar a parte baixa do vale, nos deixando isolados e sem possibilidade de sair dali, pois para passar pela camada teríamos que entrar em condições IFR, o que não é possível nas aeronaves H-1H. Imediatamente iniciamos a descida, porém no último terço a chuva foi mais rápida e fechou nossa saída. Presos na parte mais baixa, só nos restou uma solução: aproamos o sul, estimamos que o teto ainda estava mais alto que as elevações a nossa frente (na descida pudemos perceber isso ao cruzar a altura das elevações e olharmos neste rumo) e fomos subindo na vertical até o teto ou o suficiente para cruzarmos as elevações, o que acontecesse primeiro. Felizmente nossa estimativa estava correta e o teto estava cerca de 150 pés acima, e cruzamos a serra, tendo a frente o caminho livre até nossa base.
Assim, agora que o fim de seus bons serviços prestados se aproxima, temos certeza de que o nosso bravo H-1H cumpriu e vem cumprindo muito bem o seu papel, desde os primeiros dias de sua chegada em 1967 até o fim próximo de seu serviço, provando que para ser uma lenda e necessário muito mais que um grande numero de unidades produzidas, é necessário ser confiável e útil do começo ao fim, conquistar a confiança daqueles que o operam, a admiração daqueles que o observam e marcar a vida daqueles que por eles foram salvos com seu clássico formato e inconfundível barulho de pás.
Bom descanso guerreiro, você merece...
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