PMs do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro têm os piores salários iniciais do Brasil

Via - Meteorito

Levantamento mostra as diferenças na remuneração de soldados nos 26 Estados e no Distrito Federal

Danilo Venticinque


Basta que uma crise na segurança pública no país ganhe espaço no noticiário para que a remuneração dos policiais volte a virar tema de debate. Das conferências sobre segurança em Brasília às páginas de comentários de ÉPOCA, essa discussão tem ganho cada vez mais espaço. O consenso, na maioria das vezes, é que os policiais são mal-remunerados – o que afetaria diretamente a qualidade de seu trabalho.

Para discutir a relação entre o salário do policial e a segurança pública, ÉPOCA realizou um levantamento para verificar quanto ganha um policial militar no início da carreira. Os valores mostram que a realidade dos policiais varia muito de Estado para Estado. Para soldados em início de carreira, a diferença entre o salário mais alto (DF) e o salário mais baixo (RS) é de mais de R$ 2.700. O Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro pagam os piores salários: R$ 1.138,17 e R$ 1.277,67, respectivamente. A média nacional é R$ 1.814,96. (Leia mais no quadro abaixo)

Nos dois Estados, representantes do governo reconheceram o problema, mas atribuíram os baixos salários à política de governos anteriores. “Durante muitos anos o Rio Grande do Sul deu reajustes maiores a servidores que já eram bem remunerados, em detrimento de categorias como a segurança e o magistério, que correspondem a 90% do funcionalismo”, afirma Mateus Bandeira, secretário do Planejamento do Rio Grande do Sul. Para o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, “há uma defasagem evidente e agora é preciso que o Estado recupere aquilo que não foi dado nos governos passados”.

As informações foram fornecidas pelo Comando Geral da Polícia Militar ou pelas secretarias de Administração e Segurança Pública de cada Estado. Os valores correspondem ao salário bruto de um soldado após concluir o curso de formação, incluindo gratificações mensais para alimentação e fardamento. Horas extras e adicionais para trabalho noturno não foram levados em conta.

Os números não correspondem, necessariamente, ao valor exato recebido pelos policiais ao fim do mês. No Rio Grande do Sul, por exemplo, são poucos os soldados que não fazem até 40 horas extras para aumentar a remuneração. No Rio de Janeiro, o alto valor dos descontos faz o salário líquido recebido pelos soldados ficar na casa dos R$ 900. “Não conheço nenhum soldado que ganhe mais de R$ 1.000 no Rio”, diz Vanderlei Ribeiro, presidente da Associação de Praças da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

No início do mês, uma pesquisa feita pelo Ministério da Justiça em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e divulgada em primeira mão por ÉPOCA revelou que os baixos salários são a principal preocupação de 92% dos policiais do Brasil. “O soldado não tem recursos para suprir as necessidades básicas da família e é forçado a fazer bicos. Muitos casais se separam”, diz Ribeiro. Além de afetar a vida pessoal dos policiais, o trabalho informal e as horas extras também teriam impacto direto sobre a segurança pública. “O excesso de trabalho é desgastante para qualquer pessoa e mais ainda para quem põe a vida em risco durante o período de trabalho. Isso se reflete em excesso de violência, ações não-planejadas e erros”, afirma Fabiano Monteiro, coordenador de um treinamento para policiais na ONG Viva Rio.

O combate às horas extras e à informalidade deu origem a iniciativas para tentar obrigar os Estados a aumentar a remuneração dos soldados. Entre elas está a Proposta de Emenda Constitucional 300/08, atualmente em discussão na Câmara dos Deputados. Ela propõe equiparar os salários de todos os Estados ao valor pago aos soldados no Distrito Federal (R$ 3.869,56), criando um piso nacional para a categoria. Para o secretário-executivo do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), Ronaldo Teixeira, o projeto é inviável. “Nenhum Estado hoje pode sair de um patamar de R$ 1.000 e passar para R$ 4.000. Seria uma repercussão muito pesada”, diz. Segundo Teixeira, é incorreto usar o Distrito Federal como parâmetro: por abrigar a capital do país, o DF recebe recursos da União para custear despesas com segurança, educação e saúde. Os Estados, por sua vez, dispõem apenas de sua própria arrecadação.

“A iniciativa é bastante positiva, mas não podemos criar ilusões. A lei não tem o poder de criar recursos, e o orçamento dos Estados é rígido”, diz Bandeira, secretário de Planejamento do Rio Grande do Sul. “Um reajuste desse porte implicaria um aumento de mais de R$ 700 milhões nas despesas do governo do Rio Grande do Sul”. Segundo ele, isso acabaria tendo de ser compensado por um aumento na carga tributária.

Entre os críticos da proposta, há também os que afirmam que o aumento salarial não provoca necessariamente uma melhora na segurança pública. “O piso nacional descaracteriza o federalismo e não é sinônimo de eficiência e de resultado. Existe um grande problema de segurança pública no Distrito Federal”, afirma a pesquisadora Paula Ballesteros, do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP). Apesar de seus policiais contarem com os melhores salários do Brasil, o DF viu sua taxa de homicídios crescer 9,8% entre 2007 e 2008. A alta foi quase dois pontos percentuais maior que registrada no Rio Grande do Sul, Estado com os salários mais baixos. Mesmo que a relação não seja direta, a pesquisadora acredita que é necessário remunerar melhor os policiais. “Existe uma pressão da sociedade civil para que o profissional da segurança pública seja mais bem remunerado”, diz Paula. “Um bom salário mostra que o Estado respeita aquela função.”

Em vez do estabelecimento de um piso, tanto o Pronasci quanto os governos estaduais defendem medidas de longo prazo para valorizar a profissão dos soldados. A iniciativa foi adotada no Sergipe, onde um acordo determinou um aumento salarial escalonado ao longo de mais de um ano. Atualmente, os soldados no Estado ganham R$ 1.625. O valor vai aumentar gradualmente até dezembro de 2010, quando chegará a R$ 3.218. No Rio Grande do Sul, os reajustes devem se estender por mais tempo. “Há uma lei que atrela os reajustes à poupança do governo e privilegia os salários menores, mas não é possível prever uma data para que eles cheguem à média nacional”, afirma Bandeira.

O Rio de Janeiro, por sua vez, deve apostar nas gratificações, que reforçam a remuneração dos policiais sem a necessidade (e os benefícios) de um reajuste salarial. A partir de 2010, todos os policiais plenos do Rio de Janeiro passarão a receber R$ 350 a mais. Além da gratificação oferecida pelos Estados, o Pronasci oferece uma bolsa de R$ 400 para soldados que ganham até R$ 1.700 e participam de cursos de especialização. No Rio de Janeiro, 22 mil policiais se beneficiam da medida. A expectativa do Pronasci é que, nos próximos cinco anos, os Estados passem a incorporar essa gratificação aos salários. “A melhoria precisa ser contínua e por um bom tempo até chegarmos a níveis satisfatórios”, diz Beltrame. Tanto o Rio de Janeiro quanto o Rio Grande do Sul reconhecem que é necessário remunerar melhor os soldados, com reajustes ou gratificações, mas não arriscam estabelecer um prazo.