O historiador James Green, da Universidade Brown, afirma que cidadãos americanos ajudaram a desmontar o Golpe de 1964 Historiador sustenta que Jimmy Carter reformulou a política externa dos Estados Unidos por causa de uma pressão de baixo para cima

ANA FLOR - DA REPORTAGEM LOCAL - Correio Brasiliense - Via NOTIMP/FAB

Durante dez anos, o brasilianista James Green, 58 anos, reconstruiu a ação independente de cidadãos americanos quase anônimos que, apesar do apoio de seu país ao golpe militar no Brasil, se envolveram ativamente na luta contra a ditadura. O resultado é "Apesar de Vocês", livro recém-lançado que fala da luta, nos EUA, contra a ditadura e pela redemocratização do Brasil. "Seria injusto ver os EUA apenas como um país que ajudou a montar o golpe. Ele também ajudou a desmontar esse mesmo golpe", diz Green, que ocupa a prestigiosa cadeira de história do Brasil da Universidade Brown, que já foi de Thomas Skidmore.

FOLHA - Quais suas principais descobertas?
JAMES GREEN - É inédito ver que houve muita atividade nos EUA contra a ditadura brasileira. No Brasil, pessoas pensam que [os americanos] não fizeram nada, mas a verdade é que fizeram muito. Uma coisa importante do livro é desmontar uma imagem do povo americano indiferente, colaborador.

FOLHA - É uma tentativa de limpar a barra dos americanos?
GREEN - O povo americano não é o governo americano. O povo americano podia ter sido indiferente ou contra a ditadura ao mesmo tempo em que seu governo a apoiava. Nunca se vai limpar a barra de um governo que apoiou os militares brasileiros. Porém, é importante recontar que existiam pessoas contra [a ditadura]. Seria injusto ver os EUA apenas como um país que ajudou a montar o golpe. Ele também ajudou a desmontar esse mesmo golpe.

FOLHA - Quem eram as pessoas?
GREEN - Clérigos, acadêmicos, ativistas. Poucas pessoas que lograram fazer muito. Você pode contar nos dedos as pessoas, mas eram determinadas.

FOLHA - A ditadura mudou a forma como os americanos viam o Brasil?
GREEN - Ao longo dos 21 anos, substituiu-se a bossa nova, a garota de Ipanema, pelo pau-de-arara e pela tortura. São imagens que vão sendo recriadas para fazer uma campanha eficaz [nos EUA] contra as medidas brutais que os militares estavam tomando no Brasil. Foram ativistas que trataram de influenciar esse imaginário sobre o Brasil no exterior.

FOLHA - Tiveram sucesso em mudar políticas dos EUA?
GREEN - Em um primeiro momento, o movimento da sociedade não logrou mudar a política da Casa Branca. Como eles viram que tinham um inimigo lá, procuraram outros caminhos, como o Congresso, denúncias públicas, a imprensa. [Richard] Nixon (1969-1974) e depois [Gerald] Ford (1974-1977) veem que precisam mudar o discurso, pelo menos formalmente. Jimmy Carter (1977-1981) vence as eleições com o discurso dos direitos humanos e muda a política exterior por causa de uma pressão de baixo para cima.

FOLHA - Quando se inicia a mudança?
GREEN - A partir de 1969, com as denúncias de tortura, os congressistas vão perceber que estão sendo manipulados pelo Departamento de Estado e começam a se opor ao governo Costa e Silva por causa do AI-5. Os brasileiros também conseguem divulgar denúncias de tortura. Os congressistas vão se perguntar "por que estamos apoiando um governo que está torturando? Nossos valores não são contra?". Cria-se espaço para mudar a legislação, de forma a cortar a ajuda [oficial].
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FOLHA - O Brasil influenciou a reação da sociedade ao golpe no Chile?
GREEN - Tudo o que foi feito [em relação ao] Chile após o golpe de 1973 é baseado nas campanhas feitas na Europa e nos EUA sobre o Brasil. Um exemplo concreto: logo depois do golpe do Chile, americanos queriam ajudar a cortar a ajuda [do governo americano] a Pinochet e ajudar os exilados a saírem do país. Eles trouxeram ao Congresso chilenos, mas eles tinham dificuldade em explicar a situação. Um pastor americano, Fred Morris, que tinha sido torturado em Recife em 1973, consegue falar sobre a situação no Brasil e sua experiência como torturado. Os congressistas viram um paralelo entre Brasil e Chile, perceberam que não era exagero do movimento comunista internacional, que se torturava mesmo. Quando ocorre o golpe no Chile, as pessoas estão preparadas para acreditar nas denúncias.

FOLHA - Qual a participação dos EUA no golpe de 1964?
GREEN - Há um envolvimento direto. Em 1962, Kennedy resolve derrubar o governo João Goulart (1961-1964). [Os EUA] Dizem "vamos apoiar qualquer medida militar que derrube o governo". Nas campanhas de 1962, financiam com US$ 5 milhões campanhas da oposição. Quando perceberam que precisavam fazer alguma coisa mais drástica, mandam uma pessoa para fazer a articulação com os militares. A mensagem é: se vocês derrubarem o governo João Goulart, apoiaremos 100%. Imediatamente após o golpe, os americanos dão milhões de dólares de empréstimo ao governo brasileiro. O capital americano cria as bases do milagre econômico entre 69 e 73.

FOLHA - Como foi o apoio americano a Lula nos anos 70?
GREEN - É o momento em que sindicatos americanos estão rompendo com a ideologia da Guerra Fria, há uma nova geração de líderes [sindicais] e quadros médios que não são mais anticomunistas e veem no Brasil possibilidade de solidariedade internacional. Quando Lula foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, mandaram cartas de pressão, indicaram que o mundo estava olhando para o Brasil e não deixariam Lula ficar preso. Foi uma solidariedade moral, de efeito muito grande.

FOLHA - O que acha de a candidata do presidente para concorrer à sucessão ter sido militante de esquerda, torturada e presa pela ditadura?
GREEN - É muito irônico, uma reviravolta da história maravilhosa. Quem poderia imaginar? Eu ensino história do Brasil. Na primeira aula, digo aos alunos que eles vão amar a história brasileira porque não se pode prever o que vai acontecer. Tem presidente que se suicida, tem aquele que renuncia depois de poucos meses, outro morre no hospital antes da posse, um operário presidente... Nesse sentido, o Brasil é um mistério para mim.